O desfile da boiada no palco de uma farsa
No esforço para atacar os movimentos populares, oposição mira nos sem-terra e arma palco para atrasar a reforma agrária. O relator da CPI do MST é Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro de Bolsonaro investigado por suspeita de contrabando de madeiras
O circo do bolsonarismo está armado. A oposição montou um palco para tentar atrasar a reforma agrária e perseguir o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Na quarta-feira, 18, a bancada ruralista e representantes da extrema-direita instauraram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o MST. A justificativa é que é necessário investigar alegadas irregularidades na luta pela reforma agrária. Uma mentira.
Durante a sessão inaugural da comissão, o deputado Luciano Zucco (Republicanos-RS) foi eleito o presidente da CPI. O relator é ninguém menos do que o deputado Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro. Os discursos dos empossados foram marcados por ataques ao governo Lula, pela defesa do lobby do agronegócio e pela criminalização da atuação do MST.
Tenente-coronel do Exército na reserva, Zucco é apontado pela Polícia Civil e pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul como um dos organizadores de atos antidemocráticos de bolsonaristas contra o resultado das eleições de 2022. Ele foi acusado de estar por trás de uma série de ações golpistas iniciadas após a vitória presidencial de Lula, em 30 de outubro, como bloqueios de estradas e ruas e acampamentos no entorno de quartéis.
Já o relator Ricardo Salles era um dos principais lobistas do agronegócio no governo Bolsonaro. Foi dele a célebre frase, dita em uma reunião ministerial, em abril de 2021, de que era hora de “passar a boiada”, quando propôs a flexibilização das normas ambientais e a destruição dos instrumentos de fiscalização do governo, com o enfraquecimento do Ibama e ICMBio.
Os dois têm fama de encrenqueiros e estarão a serviço da agenda bolsonarista. No velho jogo de morte-e-assopra, o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro tentou jogar para a plateia de que o PL vai ter comportamento respeitoso. Ele pediu à oposição que não vá à CPI do MST ‘para lacrar’, pedindo um “trabalho sério” e “sem viés político” aos integrantes do PL. Difícil acreditar que ele não está fazendo uma cortina de fumaça. Até pelo naipe dos principais nomes indicados pela legenda, declaradamente golpistas. Em novembro, o nome de Zucco, junto com os de outros reconhecidos golpistas, foi enviado ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), responsável pelo inquérito que investiga os atos antidemocráticos.
É na Justiça que a situação para os extremistas de direita está pior. Na última terça, 16, o STF deu início ao julgamento de mais 250 pessoas pelos ataques aos prédios dos Três Poderes da República em 8 de janeiro. O julgamento vai até 22 de maio. O Supremo já colocou no banco dos réus 795 envolvidos.
Se a situação no Judiciário é ruim, no Legislativo não é melhor. Diante do cerco aos golpistas, a oposição está desesperada. Nesta terça-feira, 23, a CPI do Ataque à Democracia será instalada. O PL — a principal legenda do bolsonarismo — tentou manobrar para ter ingerência sobre os rumos dos trabalhos da CPI que vai investigar o envolvimento direto de Jair Bolsonaro e alguns de seus principais auxiliares na tentativa de promover um golpe de estado em 8 de janeiro. O partido está em minoria.
A principal legenda da oposição indicou para integrar a CPI alguns de seus ícones, como Alexandre Ramagem (RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e aliado próximo do clã Bolsonaro para a CPI. Completam a bancada da extrema-direita André Fernandes (CE) e Filipe Barros (PR). Entre os suplentes estão Eduardo Bolsonaro (SP) e Nikolas Ferreira (MG). No Senado, o partido escalou Magno Malta (ES), Damares Alves (Republicanos-DF) e Eduardo Girão (Novo-CE).
A base governista no Senado apresentou na quinta, 18, os nomes dos seis titulares e seis suplentes da CPI. O Bloco Resistência Democrática, que apoia o governo Lula, tem maioria na comissão. Foram indicados como titulares Ana Paula Lobato (PSB-MA), Eliziane Gama (PSD-MA), Fabiano Contarato (PT-ES), Rogério Carvalho (PT-SE), Omar Aziz (PSD-AM) e Otto Alencar (PSD-BA). O líder Randolfe Rodrigues (Sem Partido-AP) é suplente.
Diante da falta de espaço para emparedar o governo na CPI do Ataque à Democracia, o PL aposta na outra CPI Mista para encurralar a esquerda e os movimentos populares. Daí a escolha de alguns dos seus indicados. O relator da CPI do MST é investigado pela PF por suspeita de integrar uma organização criminosa responsável pelo tráfico de madeiras nobres do Brasil para a Europa e Estados Unidos. Ele também é suspeito de usar o cargo de ministro para dificultar investigações contra madeireiros que desmatavam a Amazônia. Em maio de 2021, foi alvo de uma operação de busca e apreensão, ordenada pelo ministro Alexandre de Moraes, do por indícios de ocultação de provas.
Além de atacar os movimentos populares e desgastar o governo Lula, Salles pretende utilizar a CPI para se projetar politicamente, interessado em concorrer à Prefeitura de São Paulo.
Durante a reunião de instalação da CPI contra os sem-terra, o deputado Dionilso Marcon (PT-RS), um assentado do MST, questionou o presidente da comissão sobre a escolha do ex-ministro de Bolsonaro para atuar como relator. “Aqui é um palanque eleitoral para quem saiu do governo”, disse. “Quando o senhor apresenta o homem da boiada para ser relator, mostra que essa CPI é só política. O cara [Salles] está sendo investigado e é relator de uma CPI que investiga. Já está desmoralizado”, acrescentou.
O líder do PT na Câmara dos Deputados, Zeca Dirceu (PR), indicou na quarta-feira, 17, os nomes dos oito parlamentares que vão a integrar a CPI do MST: Camila Jara (MS), Gleisi Hoffmann (PR), Dionísio Marcon (RS), João Daniel (SE), Nilto Tatto (SP), Padre João (MG), Paulão dos Santos (AL) e Valmir Assunção (BA).
“O MST é um movimento que tem uma história já bastante consolidada na produção de alimentos, por meio das agroindústrias, cooperativas e outros meios de produção no campo”, destacou o líder. “Não por acaso que, entre outros fatores, o Brasil voltou para o mapa da fome. O nosso trabalho, o trabalho dos parlamentares comprometidos com o país, é mostrar a verdade nesta CPI, mostrar a organização, qualidade e a história do MST e de outros movimentos que possam sofrer qualquer tipo de perseguição”. •