Sérgio Buarque de Holanda sempre assumiu atitudes e responsabilidades de natureza política, em sentido estrito e em sentido amplo. Membro fundador, em 1945, da Esquerda Democrática (denominada a partir de 1947 Partido Socialista Brasileiro), desempenhou também, inclusive como presidente, papel importante na liderança da Associação Brasileira de Escritores, fundada em 1942 no Rio de Janeiro para defender os interesses profissionais dos autores, mas também para desenvolver contra a ditadura do Estado Novo atividades culminadas em janeiro de 1945 no 1° Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo, do qual resultou uma declaração de princípios em defesa da democracia. Sérgio participou dele, como participou em 1949 do 2° Congresso Paulista de Escritores, em Jaú, no qual deu redação final à declaração que abria uma fase nova na vida daquele tipo de associações, ao afirmar que, sem prejuízo da eventual participação política como cidadão, o escritor era livre para cultivar a sua vocação, sem injunções ideológicas.  

Durante a ditadura militar, instaurada pelo golpe de 1964, ele não apenas participou ativamente do Centro Brasil Democrático, foco de oposição, como tomou a iniciativa de atos contrários ao regime. Não espanta, portanto, que em 1980 tenha aderido imediatamente ao Partido dos Trabalhadores, sendo objeto de ovação consagradora na sessão do Colégio Sion, em fevereiro. 

Na sua obra, é importante destacar certos traços que mostram como era avançada a sua concepção da história do Brasil. Assim, não supervalorizava a herança portuguesa, ao contrário dos historiadores de corte conservador, indicando, pelo contrário, a sua superação na fase nova, aberta pela Abolição e a República, que propunha fosse denominada “americana”, a fim de marcar o afastamento progressivo em relação às origens coloniais. É o que vemos em Raízes do Brasil, de 1936, onde rejeita as correntes autoritárias em moda, representadas aqui, sobretudo, pelo integralismo. No mesmo livro, deixa clara a sua confiança na iniciativa do povo, contrariando a tendência vigente de entregar o destino deste às elites esclarecidas. Esses exemplos sugerem de que maneira as convicções democráticas marcaram sua obra. 

Mas ele foi sobretudo um intelectual de ampla e rara envergadura. Como historiador, o seu interesse principiava na esfera da cultura material: o artefato, o mister, a técnica de sobreviver, de caçar, de transportar, e seu papel respectivo na grande aventura de ocupação do território pelo colonizador, como se pode ver em Monções (1945) e nos escritos reunidos em 1957 no livro Caminhos e fronteiras. Daí partiu para o estudo das representações mentais, que abordou à luz da nossa formação histórica em Visão do Paraíso, grande obra de 1959 que o situa no nível dos maiores historiadores do mundo contemporâneo. 

Pode-se dizer que esse percurso da cultura material à representação mental se completa pela sua longa atividade na crítica e na história literária, isto é, na investigação e análise dos produtos da imaginação, que constituem o que já se chamou “o sonho acordado” dos homens. Como crítico, Sérgio foi um mestre incomparável, talvez o mais importante do Brasil no século XX. 

Ao tomar por patrono do seu centro de documentação e memória esse petista de alto voo, a Fundação Perseu Abramo deixa clara a disposição de nortear-se segundo as concepções às quais ele foi sempre fiel. 

 

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