Por Hamilton Pereira da Silva (Pedro Tierra), ex-Presidente da Fundação Perseu Abramo.

A imagem de Sérgio Buarque de Holanda assinando a ata de Fundação do Partido dos Trabalhadores no 10 de fevereiro de 1980, fotografado por Nair Benedito, talvez fosse suficiente para entendermos porque o Centro de Memória e História do Partido escolheu seu nome para identificar-se diante da sociedade brasileira e das forças comprometidas com sua transformação democrática.

A participação militante de protagonistas de grande envergadura, menciono o professor Antonio Cândido e o companheiro Marco Aurélio Garcia, nos primeiros passos da Fundação Perseu Abramo, constituída em 1996, nos ajudam a compreender a perspectiva traçada para construir uma instituição pioneira entre os partidos políticos no país: ancorada na referência histórica das lutas dos trabalhadores para ocupar o espaço que lhes cabe na construção de uma sociedade democrática e socialista no Brasil. E erguer com ela um ambiente de diálogo plural, permanente e autônomo em relação aos partidos instituidores, com o pensamento das esquerdas no Brasil, na América Latina e no mundo.

A conversão do Projeto Memória, conduzido inicialmente por MAG, no Centro Sérgio Buarque de Holanda, Documentação e Memória Política responde à percepção ou à intuição que partilhávamos, do significado histórico da emergência do Partido dos Trabalhadores como expressão das “classes subalternas” buscando fazer-se ouvir com voz própria, sem intermediários, numa sociedade excludente, marcada pela desigualdade e o preconceito.  

Talvez ali se realizasse o sonho mencionado pelo professor Antônio Cândido, quando nos contava, nas reuniões do Conselho Editorial, como convenceu Sérgio Buarque de Holanda, já com a saúde frágil, a ir ao Colégio Sion no 10 de fevereiro de 1980: “Sérgio não podemos faltar, estamos diante da realização do que sonhávamos quando criamos a Esquerda Democrática, nos anos 40: vamos responder ao chamado dos trabalhadores”. Reproduzo de memória, sujeito, portanto, a imprecisões. Mas o conteúdo era esse.

Criado em setembro de 2001, o Centro Sérgio Buarque de Holanda constituiu-se como uma referência indispensável para a pesquisa sobre a trajetória dos movimentos sindicais e populares que precederam e deram impulso à construção do Partido dos Trabalhadores. E ao longo de quase duas décadas, vem sendo destinatário de um acervo indispensável da produção teórica e política do PT, por meio da Fundação Perseu Abramo e do pensamento mais amplo das esquerdas brasileiras.

A aproximação com o Arquivo Edgar Leuenroth – AEL, mediada por Marco Aurélio Garcia, estabeleceu um vínculo formal com experiências avançadas de constituição e guarda de acervos de organizações populares e incorporação de padrões contemporâneos para o tratamento da memória documental das nossas lutas, por uma instituição jovem, carente de uma cultura profissional para a preservação dos seus documentos.

Identificar-se com o nome da envergadura de Sergio Buarque de Holanda para a cultura brasileira, cobra do nosso CSBH, Documentação e Memória Política o rigor e a ousadia nas iniciativas editoriais, no recolhimento e catalogação de materiais históricos, na articulação de ambientes de discussão com entidades congêneres para consolidar o tecido da memória histórica das lutas dos trabalhadores. E trata-los como elementos indispensáveis da disputa ideológica estabelecida numa sociedade que gera continuamente obstáculos à construção daquela memória histórica para seguir garantindo a prevalência dos valores oligárquicos, patriarcais, racistas ancorados na extensa tradição escravocrata herdada das relações sociais da colônia.

Há uma convergência de fundo entre as concepções que orientam os objetivos do CSBH e as preocupações do seu inspirador: “(…) Sérgio Buarque de Holanda traçou um perfil do mal-entendido que sempre foi a democracia no Brasil e deixou evidente, mais uma vez que a sua maior preocupação como intelectual era com a inclusão e com a participação popular. Tratava-se de transpor o abismo existente entre a vida política e a vida social, entre as elites dominantes e a grande massa do povo, de fortalecer a sociedade civil e os espaços públicos”. (Marcos Costa, Introdução à “Por uma Nova História”, EFPA, 2004).

A consolidação do Partido dos Trabalhadores como protagonista da resistência à ditadura civil-militar, da construção da democracia, da condução de governos populares por quatro mandatos consecutivos à frente do país, interrompidos pelo golpe de estado de 2016, do retorno à resistência ao golpismo e ao neofascismo, seguirá exigindo um constante aprimoramento desses dois mecanismos da disputa de ideias na sociedade brasileira: a Fundação Perseu Abramo e o Centro Sérgio Buarque de Holanda por ela constituído.

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