O populista de extrema direita Javier Milei não consegue vencer o primeiro turno das eleições presidenciais argentinas. O candidato peronista subiu 15 pontos em relação às primárias

Na Argentina, Massa sai na frente rumo ao segundo turno
ARRANCADA Ministro da Fazenda, o candidato peronista Sergio Massa surpreende e sai vitorioso no primeiro turno

A força do peronismo provocou uma reviravolta nas eleições presidenciais da Argentina, ocorridas no último domingo, 22, levando o candidato Sergio Massa não apenas a ir para a disputa no segundo turno, como chegar à frente do principal adversário, o candidato de extrema-direita Javier Milei. Massa obteve 36,6% dos votos nas urnas, enquanto Milei ficou com 30%. A candidata de direita, Patricia Bulrich conquistou 23,8% dos votos.

Os apoiadores de Milei, um forasteiro político desbocado descrito como uma mistura argentina de Donald Trump, Jair Bolsonaro e Boris Johnson, esperavam que ele estivesse a caminho de uma vitória semelhante ao surpreendente triunfo do líder da extrema direita brasileira em 2018. Milei prometeu abolir o banco central da Argentina e evitar os seus maiores parceiros comerciais, a China e o Brasil.

“Foi um domingo de cortar o coração, daqueles que a democracia argentina – que comemora 40 anos – dá de vez em quando. Um tempo de tensão, de incerteza com forças que promovem o negacionismo, a destruição do Estado e a ruptura das redes sociais de contenção, às quais se opuseram o trabalho, a militância, o Estado, o esforço e a política para que até ao final deste domingo de eleições chegue a recompensa”, descreve o articulista Felipe Yapur, do jornal argentino Página 12. “Agora chega um novo momento, quatro semanas intermináveis até o segundo turno”. 

Sergio Massa não perdeu tempo e já começou a buscar os votos necessários para assegurar a continuidade de um projeto de centro-esquerda para a Argentina. Ele acenou à esquerda, no peronismo de Córdoba, nos radicais, mas também nos desencantados que votaram em branco ou estiveram ausentes. “Digo a todos eles que farei o maior esforço para ganhar a sua confiança”, disse o ministro da Fazenda. 

“Muitos dos que votaram em nós são os que mais sofrem, não vou decepcioná-los. Saibam que em 10 de dezembro não vou decepcioná-los”, discursou, na sede do comitê central de campanha em Buenos Aires. “A Argentina é uma grande família e precisa de alguém que trabalhe 24 horas por dia, 7 dias por semana, para protegê-la”. Ele promete liderar um governo de unidade nacional que vai dar início a “uma nova fase na história política da Argentina”.

O exótico Javier Milei não passou recibo com o resultado das urnas, exortando os seguidores desanimados a celebrar a “conquista histórica” de chegar ao segundo turno apenas dois anos após a fundação de seu partido, La Libertad Avanza (A Liberdade Avança). 

“Hoje é um dia histórico porque dois terços dos argentinos votaram pela mudança”, declarou Milei, acrescentando: “Ou mudamos ou afundamos”. Ele obteve o apoio do deputado brasileiro Eduardo Bolsonaro, que foi à Argentina explicitar as bandeiras derrotadas do pai no Brasil, como a campanha de armamento da população civil.

O resultado do primeiro turno deixa a Argentina preparada para mais um mês de incertezas políticas, turbulência econômica e notícias falsas antes do confronto final entre Massa e Milei, um economista libertário que só entrou no mundo da política quando foi eleito para o Congresso em 2021. 

Ao votar no domingo, Milei, que alcançou a fama como comentarista de televisão propenso a fazer rapsódias sobre sexo tântrico, afirmou que poderia liderar “o melhor governo da história” se for eleito. “Vamos decidir se podemos tornar a Argentina uma potência novamente ou nos transformarmos na maior favela do planeta”, disse. Milei é um populista de cabelos desgrenhados.

Um vídeo de mídia social brasileiro divulgado na véspera da eleição de domingo comparou Milei a Bolsonaro e exortou os eleitores argentinos a não se deixarem levar pelo discurso libertário dele. “Este homem foi eleito no Brasil e foi um pesadelo”, disse um narrador em espanhol sobre a administração de Bolsonaro, durante a qual centenas de milhares de pessoas morreram de Covid e o Brasil se tornou pária. “A Argentina não precisa passar por isso.”

Uma campanha de cartazes de Sergio Massa alertou os cidadãos sobre as ideias mais radicais de Milei, que incluem a legalização da venda de órgãos humanos, e afirmou que ele mergulharia a Argentina num colapso econômico ao estilo de 2001. “The Economist diz que Milei é um risco para a democracia argentina”, disse um deles. “Você realmente vai votar nele?”

Massa e os seus aliados intensificaram a sua campanha após a impressionante vitória de Milei nas primárias de agosto – um ensaio geral para as eleições – eliminando o imposto sobre o rendimento para a maioria dos cidadãos. A chapa composta por Sergio Massa e Agustín Rossi aumentou os votos obtidos nas primárias em 15 pontos. As razões desse triunfo residem nas políticas implementadas e impostas pelo candidato. 

Os esforços deram frutos no domingo, quando os eleitores escolheram o novo presidente e vice-presidente da Argentina, bem como cerca de metade do congresso de 257 membros, um terço do Senado e vários governadores, incluindo os da cidade e da província. de Buenos Aires. 

O governador Axel Kicillof, um aliado de Massa que buscava um segundo mandato na província de Buenos Aires, saiu triunfante, vencendo por quase 20% de diferença sobre o segundo candidato. O candidato de Milei ficou em terceiro. “Esta votação significa que nunca mais haverá ditadura”, disse Kicillof aos seus apoiadores, referindo-se à decisão de Milei de minimizar o número de pessoas mortas durante o regime militar argentino durante a sua campanha. A província de Buenos Aires foi um campo de batalha eleitoral crucial porque abriga quase 40% de todos os eleitores argentinos.

O governo de Kicillof na província de Buenos Aires serviu de barreira contra as forças libertárias. Daí a vitória retumbante. Também houve a recuperação dos votos perdidos pelo peronismo em províncias como Tucumán e O Rioja.

Tal qual os extremistas brasileiros que exortavam Jair Bolsonaro, os apoiadores desanimados de Milei que se reuniram em frente ao hotel de seu líder alegaram que a votação havia sido fraudada. As denúncias foram feitas sem provas, assim como os devotos de Bolsonaro fizeram depois que ele perdeu as eleições de 2022 no Brasil. •