Chefes de Estado não conseguem chegar a acordo para adoção de imposto sobre emissões de gases de efeito estufa. Lula desabafa: “Se não mudarmos as instituições, o mundo continuará o mesmo. Aqueles que são ricos permanecerão ricos. Os pobres continuarão pobres. É assim que as coisas são”

Os participantes de uma cúpula em Paris interromperam na sexta-feira, 23, acordo para criar um imposto sobre as emissões de gases de efeito estufa produzidos pelo transporte marítimo internacional. O impasse frustou ONGs e ativistas climáticos, que lamentam a falta de respostas ambiciosas dos principais governos do mundo para combater as mudanças climáticas e as desigualdades mundiais.

Presente ao encontro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a cobrar um novo concerto das nações em torno dos principais problemas globais, como a fome, a desigualdade e as mudanças climáticas. “Precisamos deixar claro que, se não mudarmos as instituições, o mundo continuará o mesmo”, lamentou. “Aqueles que são ricos permanecerão ricos. Os pobres continuarão pobres. É assim que as coisas são”.

A reunião dos líderes mundiais e chefes de instituições financeiras terminou sem um grande anúncio, embora os organizadores tenham divulgado um prometido “roteiro” destinado a cumprir a promessa do presidente da França, Emmanuel Macron, de avaliar as reformas do sistema financeiro internacional nos próximos dois anos.

A ideia de um imposto global sobre as emissões de gases de efeito estufa produzidas pelo transporte marítimo internacional vem ganhando força e pode ser adotada em uma reunião de julho da Organização Marítima Internacional, a agência das Nações Unidas que regula o transporte marítimo. O dinheiro poderia ser direcionado aos países em desenvolvimento para ajudá-los a lidar com a mudança climática. Alguns especialistas acreditam que apenas um imposto sobre o transporte poderia arrecadar US$ 100 bilhões por ano, e um forte endosso em Paris teria dado a Macron uma vitória simbólica.

“Este é um setor isento de impostos. E não há razão para não ser tributado”, defendeu Emmanuel Macron. Mas o presidente francês, que sediou a cúpula, sugeriu que a China e os EUA não apoiavam a ideia. “Se a China, os Estados Unidos e vários países europeus importantes não concordarem, colocaríamos um imposto em vigor que não teria nenhum impacto”, acrescentou.

A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, que participou da cúpula, chamou o imposto de “uma sugestão muito construtiva” e disse que os EUA iriam analisá-lo. Mas não ficou claro quais países na cúpula apoiaram a proposta, o que pode ser um passo importante para conseguir que uma indústria altamente emissora  de gases de efeito estufa contribua para o custo da luta contra a mudança climática. Macron disse que 23 nações, que não foram identificadas no comunicado oficial, apoiaram a iniciativa.

O transporte marítimo responde atualmente por quase 3% das emissões de gases de efeito estufa, segundo a Organização Marítima Internacional. Um relatório do Parlamento Europeu alertou que a participação pode aumentar drasticamente até 2050.

A reunião não tinha mandato para tomar decisões formais, mas Macron prometeu entregar uma lista de tarefas que seria acompanhada por uma ferramenta de rastreamento de progresso. Um documento de 15 páginas divulgado logo após o término da cúpula baseou-se fortemente em apelos à ação de grupos como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e outros, na tentativa de mudar a forma como o risco é calculado em projetos no mundo em desenvolvimento e financiar projetos com moeda local.

Ambas as medidas podem reduzir os custos de empréstimos que normalmente são muito mais altos para nações de baixa renda que muitas vezes enfrentam enormes desafios na adaptação às mudanças climáticas ao mesmo tempo em que enfrentam a pobreza e uma série de outras questões.

O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, disse durante a cerimônia de encerramento que as nações africanas não são “mendigos”. “É importante na nova era em que o mundo está agora, que haja uma boa medida de igualdade entre as nações soberanas… Devemos ir para demonstrar que a África nunca deve ser vista como um continente que precisa de generosidade. Queremos ser tratados como iguais”.

Durante a cúpula, o Banco Mundial anunciou um plano para dar uma pausa no pagamento da dívida dos países mais vulneráveis quando são atingidos por uma crise ou catástrofe. Já o Fundo Monetário Internacional disponibilizou US$ 100 bilhões em ativos – chamados Direitos Especiais de Saque – para países vulneráveis. Macron disse que a França compartilharia 40% de seus próprios ativos da pandemia da covid-19.

O primeiro dia da cúpula incluiu anúncios de negócios. Autoridades francesas disseram que a Zâmbia, endividada, chegou a um acordo com vários credores, incluindo a China, para reestruturar US$ 6,3 bilhões em empréstimos. Já o Senegal chegou a um acordo com a União Europeia e aliados ocidentais para apoiar seus esforços para melhorar o acesso à energia e aumentar a participação em energia renovável para 40% até 2030.

ONGs e ativistas climáticos observaram alguns resultados positivos da cúpula, mas disseram que ainda são insuficientes. “Estamos desapontados ao ver que a maioria dos líderes das nações mais ricas do mundo e das instituições mais poderosas mais uma vez se reuniram e emergiram com soluções insuficientes e promessas levianamente realizadas”, apontou a ONG Global Citizen em comunicado à imprensa.

“Ao se aproximar das fontes de financiamento privado e ajustar os limites dos bancos multilaterais de desenvolvimento existentes, a cúpula apenas vestiu o antigo com uma nova embalagem, sugerindo, por exemplo, ‘pausas na dívida’ para países pobres atingidos por desastres, em vez do cancelamento total da dívida”, apontou a Rede de Ação Climática em nota.

ONGs e ativistas esperavam um imposto sobre a indústria de combustíveis fósseis e outro sobre transações financeiras, mas nenhuma das propostas parece ter muito apoio das nações mais ricas. “O silêncio sobre a indústria de combustíveis fósseis pagando pela bagunça que eles causaram foi ensurdecedor nesta cúpula”, disse Tracy Carty, especialista em política climática do Greenpeace International.

Muitas autoridades de países pobres e vulneráveis ao clima compareceram, com apenas dois líderes importantes do G7 — o grupo dos sete países mais desenvolvidos — Macron e o chanceler alemão Olaf Scholz presentes ao encontro. Os EUA foram representados por Yellen e pelo enviado climático John Kerry. Outros participantes incluíram o primeiro-ministro da China, Li Qiang, o chefe do Banco Mundial, Ajay Banga, e a presidente do FMI, Kristalina Georgieva.

Ativistas se reuniram no centro de Paris em protesto, pedindo que os países poluidores paguem pelos danos.  “Não haverá justiça climática sem fazer os poluidores pagarem”, disse Patience Nabukala, parte do grupo ativista Fridays for Futures Uganda. “Pessoas de países como o meu, não podemos perder mais vidas, não podemos perder mais propriedades.” •

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