Documentário mostra a atuação do diplomata José Bustani para impedir a guerra do Iraque. Ele sabia que Saddam Hussein não tinha armas químicas, mas foi deposto para dar a George W. Bush e Tony Blair um pretexto para invadir o país. A obra está em exibição em Londres e ganha elogios

Documentário mostra atuação de diplomata para impedir guerra do Iraque

“Poder  é poder”. Este é o lamento de despedida do documentário brasileiro “Sinfonia de um homem comum”, que relembra um episódio quase esquecido do longo preâmbulo da segunda guerra do Iraque, de 2003 a 2011, de um cinismo de tirar o fôlego. A obra está em exibição na Bertha DocHouse, em Londres, em 15 de setembro, e ganhou resenhas positivas na mídia britânica.

O filme é centrado no diplomata brasileiro José Bustani, que em 1997 foi nomeado diretor-geral da Organização Intergovernamental para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ). No auge do otimismo das aldeias globais dos anos 90, foi uma tentativa utópica de abolir esta categoria sádica de armamentos de uma vez por todas.

Após o sucesso inicial de trazer muitos países para o grupo, Bustani tentou fazer com que o Iraque de Saddam Hussein aderisse à Convenção sobre Armas Químicas da organização. A OPAQ sabia que a primeira invasão tinha destruído a sua capacidade de produção de armas químicas e que quaisquer estoques restantes tinham ultrapassado o prazo de validade. 

Permitir a entrada de inspetores de armas das Nações Unidas beneficiaria a todos, incluindo os iraquianos comuns que foram pressionados pelas sanções. Todos, menos a administração de George W Bush, claro. Precisando de um pretexto para invadir e não querendo que Bustani desse passe livre a Saddam Hussein,  a Casa Branca iniciou uma campanha para expulsá-lo da organização.

Conforme descrito aqui por figuras que incluem membros da OPAQ, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, a história se desenrola como uma versão da vida real do filme de George Clooney, “Síria”, com um idealista em apuros tentando resistir a forças esmagadoras.

Os americanos grampearam o gabinete de Bustani, cooptaram o seu próprio chefe de segurança contra o diplomata brasileira e finalmente usaram a sua influência, na pessoa do assessor brigão de Bush, o republicano John Bolton, para minar o apoio anteriormente favorável dentro da OPAQ. Enfim, a realpolitik triunfou.

Quando Tony Blair foi mais tarde confrontado por Bustani, então embaixador do Brasil na Grã-Bretanha e ainda inflexível que o Iraque não tinha armas de destruição maciça, o então primeiro-ministro britânico alegadamente corou e disse: “Espero que ele não esteja certo”.

Bustani tinha status suficiente para sobreviver às consequências – e agora passa sua aposentadoria como pianista concertista. Talvez a orquestra que o vemos liderar seja uma metáfora para a concordância global que ele não conseguiu garantir.

Mas os EUA podem ter prejudicado permanentemente a credibilidade da OPAQ, com a organização novamente a tornar-se um futebol político no furor em torno de uma alegada arma química de 2018, como no ataque em Douma, na Síria. 

Este incidente é ainda mais opaco e o diretor José Joffily luta para alinhá-lo totalmente com a sua tese. Mas com a Rússia a tentar contornar ainda mais a OPAQ, este filme friamente indignado mostra como o unilateralismo de Washington tem sido um presente para partidos ainda mais beligerantes.

E mais:

Bebel Gilberto lança disco

A bossa nova está no sangue. O pai é João Gilberto. A mãe, a cantora Miúcha. Pois Bebel Gilberto, a cantora brasileira nascida em Nova York em 1966, filha de duas lendas, lançou seu sétimo disco, intitulado ‘João’, uma bela e radiante homenagem ao pai. Para construir o álbum, Bebel explorou o vasto repertório do pai, falecido em 2019 após dez anos de reclusão voluntária. 

“Tirei dos meus discos preferidos, pegando as músicas que ele adorava, e da minha mãe também”, explica a artista de 57 anos. O primeiro single de ‘João’, o álbum tributo, é a canção “É preciso perdoar”.

Bebel Desenvolveu o seu trabalho ao longo de duas décadas, lançando 14 álbuns, incluindo sete em estúdio, todos imbuídos das invenções sonoras dos produtores eletrônicos anglo-saxónicos. A capa de ‘João’ é comovente: Bebel ainda criança, beijando o pai no canto da boca, numa explosão de absoluta sinceridade.

Tudo é feito em família. No álbum, Bebel convocou Chico Brown, seu sobrinho-neto. A mãe, Helena, é filha de Chico Buarque, o pai é Carlinhos Brown. Neste universo, todos são de esquerda. Principalmente na família materna de Bebel, os Buarques, alérgicos à extrema direita.

Em julho de 2022, pouco antes das eleições presidenciais brasileiras, num concerto na Califórnia, Bebel pisoteou no palco a bandeira nacional, verde e amarela, que se tinha tornado um símbolo dos apoiadores extremistas de Jair Bolsonaro. A televisão deu grande importância a isso, ela se desculpou, descrevendo sua ação como “instintiva”. •