A obra-prima que virou a indústria fonográfica do avesso, sexto álbum da carreira solo de Michael Jackson, emplacou nada menos que sete hits no mundo. A obra mudou a história do videoclipe e firmou o popstar como um dos maiores dos anos 1980

“Quase tudo o que amávamos em Michael estava nos videoclipes e nos trechos de programas de TV, antes da existência dos videoclipes. A criança bonita de roupas extra cool que cantava “ABC” — “Tão fácil como 1,2,3/ tão simples como dó, ré, mi” — e dançava “como um cafetão”(…). O cafonérrimo, mas alegríssimo, clipe da brilhante “Don’t Stop ‘Til Get Enough”, hit máximo de pistas de dança até hoje, feito na época em que Michael ainda sorria. Os clipes-arte dos discos “Thriller” e “Bad”. E, mesmo quando Michael já era uma entidade pop estranhíssima, dos anos 90 em diante, ainda assim emanava uma força maluca quando encarnava o personagem de si mesmo para apresentar sua música para o mundo via televisão”.

Esse texto foi escrito poucos dias depois da morte de Michael Jackson em 2009 por mim mesma, como colaboração para a Folha de S. Paulo. Apesar de Michael Jackson àquela época, ter se tornado uma entidade pop ainda mais bizarra do que nos anos 1990, o impacto de sua morte foi impressionante. De verdade, chorei como se tivesse perdido um amigo — o que, de certa forma, era mesmo o que tinha acontecido.

Quem quer que estivesse vivo nos anos 1970 e 1980 há de lembrar o enorme impacto de Thriller, lançado em 30 de novembro de 1982. Não se podia escapar de vê-lo ou ouvi-lo, nas vitrines de lojas de disco em qualquer parte da cidade, com a capa icônica na qual Michael, ainda um homem de 24 anos, lindo de terno branco e camisa preta, olha diretamente para o fã como se dissesse: “Vem cá que vai ter música como nunca ouviu igual.”

E era verdade. Produzido por Quincy Jones, um sujeito com formação de jazz e uma espécie de mago da produção, cuja parceria com Michael rendeu pelo menos três grandes discos: Off the wall (1979), Thriller (1982) e Bad (1987). Se em Off the Wall, Quincy e Michael surfam no que restava ainda da era da discothéque que tinha dominado o mercado americano dos anos 1970, em Thriller, a dupla dá um passo além, fazendo um disco extra-diverso, com baladas — como “The Girl Is Mine”, em dupla com Paul McCartney, uma cançãozinha romântica e sem graça, que foi a primeira música a ser trabalhada nas rádios e programas de vídeoclipe, mas que ainda assim emplacou pela parceria com o ex-Beatle.

Thriller, no entanto, teria ainda pelo menos mais seis hits astronômicos: a própria canção-título, “Beat it”, “Billie Jean”, “Wanna be Startin’ Something”, “Human nature” e “P.Y.T. (Pretty Young Thing)”. Isso fez o álbum, um ano e meio depois de seu lançamento em 1984, ainda estar colocando músicas nos rankings de mais ouvidas da Billboard.

E tinha os clipes, que estreavam no “Fantástico”, da Rede Globo, e eram aguardados ansiosamente por quem gostava de música. “Thriller” era um videoclipe com uma história completa de terror, dirigida pelo cineasta John Landis, que, à época, era diretor de certo sucesso de bilheteria em Hollywood. Com 14 minutos de duração, a música mesmo só vai começar depois de quase 5 minutos, com uma coreografia de dançarinos caracterizados como zumbis que se tornou icônica.

Aliás, a importância da coreografia nos videoclipes de Michael Jackson era sempre central. O jornalista que escreveu que Michael dançava como um cafetão estava apenas parcialmente correto. Na verdade, ele dançava como um demônio que parecia não ter ossos da cintura para baixo. E cantava ainda como um anjo — MJ entoava quase num falsete sobre o qual ele tinha um controle absurdo. Essa ambiguidade entre voz afinadíssima, aguda e quase que a mesma quando ele era criança e sensualidade de suas coreografias, em palco ou em clipes, criava um contraste impressionante.

Não à toa, a gravadora e o próprio Michael Jackson, que como o maior vendedor de discos dos anos 1980 tinha voz ativa nas estratégias de marketing, investiam tanto nos clipes. Só ainda do Thriller, pelo menos “Billie Jean” e “Beat It” são dois clipes brilhantes, com referências cinematográficas. A primeira tem um clima do filme noir dos anos 1980. A segunda retoma o clima dos filmes de gangues, contando ainda com a guitarra incendiária de Eddie Van Halen. E ainda tinha as coreografias impressionantes, e uma espécie de uniforme que Michael fez virar febre: jaqueta vermelha, calça preta justa, mocassim preto e meias brancas.

O mais notável sobre Thriller é que, passados 40 anos, o álbum ainda soa novo e fresco. Fora que, quando se toca qualquer um dos hits mais dançantes, é garantia do que os americanos chamam de floorfiller. Ou seja, se uma festa estiver assim caída, é só botar “Beat it”, “Billie Jean” ou “Thriller” que a pista enche em segundos.

Confiem: já testei em pistas com pessoas de diversas faixa etárias, inclusive tão jovens que talvez nem saibam mais quem é Michael Jackson, mas acreditam no “beat”. •

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