O revolucionário disco da banda inglesa Pink Floyd continua relevante e atual ao abordar questões existenciais que afligem a humanidade. A obra ganha agora uma nova edição luxuosa

A banda Pink Floyd se tornou uma das principais pontas de lança do rock inglês nos anos 70 com o álbum ‘The dark side of the moon’, o famoso disco do prisma, que vendeu nada menos do que 50 milhões de cópias ao redor do mundo, desde que foi lançado em 1º de março de 1973. A banda já vinha executando as canções do álbum no anterior, tendo realizado concertos históricos entre 20 de janeiro e 9 de dezembro de 1972.

O álbum permaneceu ao longo das últimas cinco décadas como um dos mais importantes discos da história do rock, figurando ao lado de lendas como “Revolver” e “Sargent Pepper’s”, dos Beatles. Ou “Led Zeppelin II” ou “IV”, do grupo liderado por Jimmy Page. E mesmo “Tommy”, do Who. ‘Dark side’ é detentor ainda de um recorde histórico: 937 semanas na parada de álbuns mais vendidos da Billboard, nos Estados Unidos.

‘Dark side’ é um marco na história do rock e soa atual e fresco até hoje. Uma nova edição será lançada em março deste ano, com nova remixagem e discos extras, além de um livro com 190 fotos inéditas da banda naquele período. Em dezembro passado, o grupo divulgou nos serviços de streaming de música 18 álbuns ao vivo dessa era de ouro para os fãs e amantes do rock. Parece exagero, mas isso deixa os fãs inquietos.

O disco soa atual porque é direto e traz em torno de si um conjunto de sensações e percepções dos jovens do mundo sobre  o fim da adolescência e a difícil transição para a vida adulta, mais ainda sobre o envelhecimento, as pressões do trabalho e viagens, a injustiça social, o dinheiro e um pouco daquela questão primária, que um dia a todos afligiu: “Quem pode dizer quem é louco e quem não é?”

Essas questões são embaladas em dez faixas, que exploram preocupações universais. A saúde mental foi um tema que surgiu do trauma da banda, que perdeu em 1968 o seu principal letrista e força motriz: o guitarrista, cantor e compositor Syd Barrett. Ele deixou o grupo em 1968 depois de sofrer um colapso pelo alto consumo de LSD. A banda havia sido fundada por ele em 1965.

Com letras de Roger Waters (baixo e voz) e canções dos quatro integrantes (David Gilmour, guitarras e voz; Richard Wright, teclados e voz; e Nick Mason, bateria), o álbum ‘Dark side of the moon’ é inovador e, por isso mesmo, considerado a obra-prima da banda.

ÍCONE Acima, a arte da capa produzida pelo estúdio Hypgnosis. Abaixo, o Floyd em seu apogeu: Richard Wright, Roger Waters, Nick Mason e David Gilmour (da esquerda para a direita)

O disco contrasta entre a sutileza e o realismo, com sons de vozes, baladas de sinos e relógios, gritos, caminhadas. Ao mesmo tempo, traz uma banda de rock estridente e de grande força sonora, colocando o ouvinte diante de poesia sônica potente e de grande impacto sensorial.

O lado escuro da lua é uma experiência sonora impressionante, capaz de capturar ouvintes incautos e que dificilmente não se deixam ser fisgados pelo Pink Floyd. Além do mergulho musical, o álbum ainda é porta para divagações filosóficas. Tanto que acabou servindo à banda para lidar com as forças sombrias da natureza humana no álbum que mergulhou o ouvinte pela primeira vez em territórios incomuns para o pop.

Além de doenças mentais, da loucura do dinheiro e da própria percepção da mortalidade, outro tema que está no disco são as dolorosas cicatrizes da Segunda Guerra Mundial para a geração baby boom — é assunto de “Us and Them”.

Este mesmo painel emotivo ainda voltaria a ser explorado por Waters em “The Wall” (1979) e “The Final Cut” (1983), os dois últimos álbuns que seriam produzidos pela banda original dos quatro jovens ingleses de Cambridge. Em seguida, o baixista largaria o grupo, que passaria a ser dirigido artisticamente por David Gilmour, a partir de 1987. Fãs do grupo reconhecem que a alquimia funcionava melhor com os dois à frente do quarteto 

Mas ‘Dark side’ é o apogeu criativo da banda, que ainda atua coesa e colaboracionista, com cada um dos integrantes participando de maneira ativa da criação do disco. Foi o primeiro álbum com Roger Waters assumindo o processo de escrever as letras — o que acabaria sendo o estopim para o divórcio do grupo.

O Floyd estava no auge entre 1972 e 1973. O álbum foi gravado no famoso Abbey Road Studios, em Londres, em diferentes sessões entre junho de 1972 e janeiro de 1973. A banda trabalhou ao lado de Alan Parsons, que já era uma lenda como engenheiro de som por ter participado da gravação de ‘Abbey Road’, o canto do cisne dos Beatles, no ano da graça de 1969.

Aliás, para quem não sabe, há um curiosa participação de Paul McCartney e dos Wings durante a gravação deste disco do Floyd. O ex-beatle estava gravando “Red Rose Speedway”, com o novo grupo, e foi convidado a participar de uma sessão de perguntas e respostas que é a chave da primeira faixa, “Speak to me”. Mas o material não foi usado.

A primeira canção a ser registrada em Abbey Road para o disco foi “Us and Them”, gravada em 1º de junho de 1972, seguida de “Money”. As próximas seriam “Time” e “The Great Gig in the Sky”, cujos vocais são da jovem cantora Clare Torry, que tinha apenas 22 anos quando assumiu o vocal da faixa que é considerada a  maior explosão orgástica da história do rock.

Em janeiro de 1973, a banda ainda se reuniria no estúdio para gravar as “Brain Damage”, “Eclipse”, “Any Colour You Like” e “On the Run”. Ali, aproveitou também para realizar pequenas modificações nas faixas já gravadas, incluindo vocal de apoio em “Brain Damage”, “Eclipse” e “Time” formado por quatro mulheres. Dick Parry foi contratado para tocar o saxofone em “Us and Them” e “Money”.

Ainda sobre uma das faixas mais emblemáticas do álbum, “The Great Gig in the Sky”, uma história curiosa. A canção foi gravada por Clare, mas esta não parecia ter noção do que estava fazendo. Na entrevista que deu ao jornalista britânico John Harris, por ocasião do livro sobre o disco, Clare disse que não achou a própria performance tão memorável.

“Eles me disseram sobre o que era o álbum: nascimento e morte e tudo o que existe entre os dois. Achei um tanto pretensioso, para ser honesta”, disse. Ela jura que não percebeu que seu vocal teria ficado fantástico. Pelo contrário. A cantora lembra de ter ficado envergonhada pelos gritos e gemidos, como fora pedido por Gilmour, sons que ficavam entre o orgasmo e o terror.

Relembrando sobre o disco, os dois líderes do Floyd reconhecem que sabiam ter feito algo marcante. Diz o baixista: “Soava especial. Quando o trabalho chegou ao fim, eu levei a fita para casa e a toquei para minha primeira mulher, e me lembro de que ela estava em lágrimas quando terminou. E eu pensei: ‘Sim, é isso o que eu esperava’, porque acredito que ele mexe com as pessoas, emocional e musicalmente. Talvez tenha sido a humanidade do álbum que fez com que ‘Dark side’ durasse por tanto tempo”.

Gilmour também sabia que o álbum atingiu um estágio que a banda não havia conseguido obter antes. “Só não sabia que seria um sucesso por tanto tempo”, contou durante as comemorações dos 40 anos do lançamento do álbum. Dark side colocou o grupo em outro patamar.

Mas, de certa forma, o disco acabou sendo o começo do fim da banda. O próprio Roger Waters reconhece: “Quando ‘Dark side of the moon’ alcançou tanto sucesso, foi o fim. Foi o fim da estrada. Chegamos ao ponto que buscávamos desde que éramos adolescentes e realmente não havia mais nada a fazer em termos de rock’n’roll”. •

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