Livro “O Homem do Sapato Branco” traz um perfil biográfico do apresentador Jacinto Figueira Júnior, feito pelo jornalista Mauricio Stycer, que traça as origens do sensacionalismo e da exploração da violência e da miséria na tevê brasileira

Em maio passado, a Rede Globo reestreou com pompas e honras o programa “Linha Direta”. Comandado por um apresentador “prata da casa” da emissora, Pedro Bial, voltou em roupagem mais tecnológica do que a versão original dos anos 1990, técnica de ficcionalização inspiradas no formato “true crime” que se consagrou em plataformas de streaming, mas o mesmo traço de espetacularização da violência, do crime, da ação policial truculenta. Bial, em diversas entrevistas antes e depois da estreia, amaciar o tom alarmista e justificar as escolhas equivocadas do programa, mas o que se viu até agora é mais do mesmo: sensacionalismo, limites nebulosos entre jornalismo e entretenimento e omissões factuais graves.

Esse tipo de atração televisiva, ora ressuscitado,  praticamente nasce com a TV ao final dos anos 1950. Parte dessa história está no livro-reportagem do jornalista e pesquisador Mauricio Stycer sobre Jacinto Figueira Júnior, o apresentador que ficou conhecido como o “Homem do Sapato Branco”. Entre o perfil biográfico e a investigação sociológica, “O Homem do Sapato Branco – A Vida do Inventor do Mundo Cão na Televisão Brasileira”, Stycer traz à luz ao mesmo tempo um personagem notável, cuja biografia é bastante lacunar, e uma sólida pesquisa sobre métodos e procedimentos que deram a cara para esse gênero na TV brasileira.

Nascido em São Paulo em 1927, Jacinto até que tentou carreira como cantor no rádio , mas foi na televisão que encontrou sua vocação. Tipo frequentador do bas fond e da boêmia de São Paulo, acabou se interessando pela televisão, ainda um eletrodoméstico caro à procura de programação no início da década de 1960. Acabou concebendo, produzindo e apresentando um programa que combinava reportagem com reencenação de crimes, que tinha entrada nas delegacias e seguia de perto ações policiais nas ruas. Criou um alter-ego, a um tempo repórter e apresentador, e que também fazia o papel de julgar os crimes, intimidar os criminosos, no viés da moralidade e da defesa da família. Com a vestimenta característica – terno escuro, sapatos brancos –, Jacinto se notabilizou pelo estilo agressivo e direto de entrevistar quase no limite do interrogatório.

O programa, que estreou na TV Globo paulista em 1966, fez tanto sucesso que levou Jacinto a alçar vôos mais ambiciosos: candidatou-se e elegeu-se como o deputado estadual mais votado nas eleições daquele ano. Usou a cadeira Legislativo de forma assistencialista e teve carreira medíocre como político. Depois do AI-5, o programa começou a ter problemas com a censura até sair do ar em 1969. Jacinto também acabou tendo o mandato cassado. Retornou à televisão dez anos depois, já no período da redemocratização.

Nos anos 1980, novamente Jacinto Figueira Júnior fez escola, ressuscitando o Homem do Sapato Branco no SBT, na Record e na Bandeirantes, emissoras que tentavam fazer frente a mais de uma década de hegemonia de audiência da Rede Globo com programação mais popular. O estilo encontrado por Jacinto ali no final dos anos 1960 sofreu algumas modificações no sentido da profissionalização, mas os sensacionalismo, a exploração das tragédias e dos crimes, dos casos bizarros seguia intacta.

Jacinto não apenas permaneceu na televisão, com o programa próprio ou em aparições esporádicas até o final dos anos 1990, como criou escola. Não apenas apresentadores como Ratinho, José Luiz Datena, Siquêra Jr.., Luiz Bacci seguiram de onde parou o Homem  do Sapato Branco como o hibridismo de jornalismo e entretenimento tornou-se uma característica quase inescapável da produção de conteúdo, sobretudo o audiovisual.

“O Homem do Sapato Branco” reúne um meticuloso trabalho de pesquisa – Stycer encontrou documentos inéditos que provam a perseguição da Censura ao apresentador – como uma escrita fluente, plena de histórias sobre as manias e os métodos inusitados de fazer televisão de Jacinto, para contar esse capítulo semi obscuro do telejornalismo policial brasileiro. Em livro cuja atualidade se justifica pela permanência do formato em diversas plataformas, Mauricio Stycer vem se firmando como um pesquisador  sobre aspectos negligenciados da  história da televisão brasileira.   •

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