O Brasil vinha se conduzindo em 2013 como uma nação em franca ascensão, com economia em alta, desemprego em baixa e muitas oportunidades para todos. E então o país começou a ser chacoalhado por uma onda de revolta volta contra a classe política, os serviços públicos e, de repente, a convulsão começou. Em apenas três anos, veio o golpe

Em junho de 2013, o Brasil mergulhou numa agitação política e social sem precedentes. Nada seria como antes. Uma década de prosperidade quase ininterrupta havia colocado a maioria dos brasileiros aparentemente feliz e otimista em relação ao futuro. Em uma pesquisa nacional publicada no final de 2012, mais precisamente na véspera do Ano Novo, pela Folha de S.Paulo, apontava que 92% dos entrevistados esperavam que sua situação econômica melhorasse ou permanecesse estável naquele ano que estava começando. 

Notavelmente, em um país ainda notório por sua desigualdade, o otimismo era igualmente difundido entre todas as classes socioeconômicas, apontava o Datafolha. A presidenta Dilma Rousseff começava o ano de 2013 como uma das líderes mais populares do mundo, com exatamente a mesma porcentagem de brasileiros – 92% – classificando seu governo como “bom”, “ótimo” ou “regular”. 

Apenas 7% apontavam a presidenta como “ruim” ou “terrível”. O maior desafio no horizonte do Brasil parecia ser a Copa das Confederações, o torneio mundial de futebol que o país sediaria em junho e que era uma espécie de aquecimento para a Copa do Mundo de 2014. Os novos estádios ficariam prontos a tempo? As estradas e aeroportos lotados do país lidariam com o fluxo de visitantes? As praias do Rio seriam suficientemente seguras? Essas eram as perguntas mais prementes feitas nas mesas de jantar, nos botecos e na imprensa.

E então, protestos surgiram para pedir a redução de 20 centavos nas tarifas de ônibus. O movimento era encabeçado pelo Movimento Passe Livre (MPL). Os protestos pela redução das passagem de ônibus, a primeira manifestação ocorreria em 6 de junho, pareciam justos e razoáveis. Mas logo depois, mais de 1 milhão de pessoas saíram às ruas em uma única noite para protestar contra uma variedade estonteante de queixumes, desde o transporte público de má qualidade até as denúncias de corrupção no governo, assim como reclamações por melhores hospitais. 

O movimento das Jornadas de Junho, chamada na imprensa estrangeira de “Primavera Tropical” começara com um protesto legítimo, que recebeu dura repressão policial e, por conta disso,  desencadeou protestos muito mais amplos que começaram a varrer várias cidades do país. E então, a pauta definida em torno de uma demanda específica pelo movimento estudantil foi por água abaixo. Havia muita gente ali ocupada em protestar, reclamar e criticar — contra todos e contra ninguém —, com a pauta do aumento da passagem deslocada para um segundo plano.

Nas franjas daquele movimento, o ovo do fascismo e da extrema-direita começava a ganhar corpo. Surgiam ali os grupos ligados à direita radical, como o Movimento Brasil Livre (MBL), que seria fundado em novembro de 2014, a turma raivosa do Vem Pra Rua e  ainda dos Revoltados Online. Todos, posteriormente, iriam ganhar apoio e tomar as ruas pelo impeachment de Dilma Rousseff.

O ano de 2013 também foi o ano que catalisou o extremismo nacionalista ultraconservador, calcado em princípios morais da família tradicional e das crenças cristãs. Este caldo se transformaria mais adiante num catalisador de votos. Não havia ainda o jogo sujo das fake news, que desencadearia no uso do alerta das mamadeiras de piroca que seriam distribuídas por Fernando Haddad, em 2019, caso ganhasse as eleições presidenciais que pariram Jair Bolsonaro. Mas o caldo do uso das redes sociais para definir uma agenda difusa de ultradireita já começara a ser urdida.

Na última semana, o professor Marcos Nobre, titular de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), escreveu um artigo no caderno ‘Ilustríssima’, da Folha de S. Paulo, para dizer que a esquerda se equivoca ao apontar junho de 2013 como responsável direta pelos desastres do país vividos a partir de 2016, com o Golpe de Estado que tirou Dilma Rousseff do poder não por um crime de responsabilidade, mas pela falta de apoio político.

O equívoco da esquerda, talvez, tenha sido não perceber de imediato que aquele ensaio de protesto social, embora legítimo, poderia ser sequestrado pela nova direita. Os novos atores do fascismo tupiniquim rapidamente se espalharam pelas ruas vislumbrando a possibilidade de crescer diante da retirada das bandeiras de partidos de esquerda e dos movimentos sociais que sempre estiveram nas ruas.

As caras da nova direita avançaram com as bandeiras e gritos de guerra “sem partido” e “contra a corrupção”. Ensaiaram e obtiveram na mídia comercial, uma repercussão que foi ganhando a opinião pública. A grande imprensa rapidamente transformou o movimento da direita numa “manifestação espontânea”, sem vínculos com movimentos, como se tudo fosse a eclosão de um grito “por melhores serviços” de um brasil profundo. Uma leitura claramente equivocada. Sem enxergar que havia ali havia o início de uma guerra híbrida que desencadearia num redesenho institucional e político brasileiro dali a apenas cinco anos. •

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