Junho de 2013 foi o período que abriu as portas para o terror que o país passou a viver com uma direita assanhada ocupando ruas e debates, distorcendo e agredindo. As análises sobre o período estão em toda rede, nos jornais, nas teses. Mas fazem parte desta história também os ataques e violências que foram cometidos naqueles dias. Foram dias sombrios…

Sérgio Silva era um fotógrafo iniciante em junho de 2013, repleto de coragem e disposição para acompanhar as pautas dos movimentos sociais. O dia que levou o tiro de borracha que feriu e cegou seu olho esquerdo seria mais um de manifestações grandes e intensas, mas com muita violência policial. Sérgio poderia não ter ido, foi inclusive aconselhado por um amigo para que tomasse cuidado. Foi porque naqueles dias todos queríamos registrar e testemunhar o que na verdade nem sabíamos o que viria a ser o desfecho. E porque não era razoável para uma pessoa que acompanha os fatos da vida por meio de suas lentes prever a barbaridade que ocorreu.

Dez anos depois, o fotógrafo ainda percorre os corredores dos tribunais em busca de reparação e justiça. Até hoje o Estado não reconheceu o crime cometido, na verdade, nem reconhece que tenha havido um crime, e por meio de desembargadores empolados, questionou inclusive o motivo do fotógrafo estar onde esteve. Por muito pouco a vítima quase é transformada em réu.

Dez anos depois, a vítima deu a volta por cima, apesar das injustiças e inseguranças jurídicas do caso, tem dois livros publicados sobre a tragédia, realizou exposições, debates e entrevistas onde sempre consegue expor com nitidez o que lhe ocorreu. Sérgio apurou o olhar, pela deficiência provocada pela violência policial – o PM mirou deliberadamente e atirou no olho que se preparava para focar uma cena – e por vingança, como ele mesmo explica.

A vingança foi conseguir se manter vivo e continuar fotografando e, mesmo com um olho só, oferecer imagens cheias de qualidade e poesia. Desde o tiro, Sérgio Silva integra a equipe de Comunicação da Fundação Perseu Abramo, fez graduação em fotografia, aprimorou os cliques, e segue na luta.

As batalhas jurídicas em São Paulo não foram favoráveis a ele, muito pelo contrário, até porque, lutar por reparação de uma ação violenta do Estado, da Polícia Militar, é uma guerra sem data para terminar. Mas nem ele nem seus advogados deixaram de acreditar que será possível, na ida do processo para o Supremo Tribunal Federal, de alcançar a vitória e a justiça.

Dez anos depois, na avaliação do fotógrafo, “o sistema judiciário no Brasil é falho. No meu caso, a estrutura agiu de maneira equivocada ao não investigar as ações violentas praticadas pela repressão policial naquela noite de 13 de junho de 2013. É revoltante ter que conviver todo este tempo com as decisões desumanas que o Tribunal de Justiça de São Paulo sentencia em cada audiência”.

A avalição não deixa de seguir com esperança “que a justiça, de fato, seja feita. Este processo não pode continuar com esta inversão de valores no qual, quem saiu sem um olho, precisa provar que o tiro foi da polícia. Além da reparação, outra expectativa é que o Estado seja responsabilizado pelo dano causado”, comenta.

A chegada do processo em Brasília ainda não tem data marcada. O que Sérgio nos conta é que seus advogados trabalham para que isto ocorra o mais breve possível: “quanto mais tempo demora, mais cansativo fica a luta por justiça”.

As fotos que ilustram essa história são as últimas que Sérgio fez antes de ser abatido pela PM. Dez anos depois, foi a primeira vez que ele se debruçou sobre elas, que foram redimensionadas em escala maior e utilizadas na conclusão da graduação do fotógrafo. •

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