Reescrevendo o passado
O ex-presidente Michel Temer não gosta de ser chamado de golpista. Ele reagiu mal à declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Buenos Aires, apontando que Dilma Rousseff sofreu um golpe de Estado em 2016, com a aprovação pelo Congresso Nacional do impeachment. Mas Temer é um réu confesso.
O fato é que o vice-presidente traiu Dilma, ao se lançar como solução para a crise política que o país estava mergulhado com as pautas-bomba urdidas pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em 2015.
Temer e o PMDB traíram o governo do qual participavam e foram levados pelo voto em 2010 e em 2014. Dilma tinha um programa de governo progressista. Mas Temer queria dar uma guinada ideológica de 180 graus e adotar uma política ultraliberal com a Ponte para o futuro. O mesmo programa que Bolsonaro adotou a partir de 2019, com venda das estatais, desmonte da legislação trabalhista e reversão dos investimentos sociais.
Na quinta, 25, Temer soltou uma nota dizendo que Lula “mantém os olhos no palanque e os olhos no retrovisor”. E declarando que “o país não foi vítima de golpe algum”. O tom de indignação da nota não esconde a verdade e nem pode edulcorar a realidade.
Temer participou de uma conspiração ao lado de militares para a destituição de Dilma da Presidência da República. Atuou ainda em 2014 pela promoção do impeachment, logo depois da reeleição. E quem diz isso é o próprio Temer. A confissão está no livro “A Escolha…”, em que admite ter mantido contato com militares – incluindo os generais Sérgio Etchegoyen e Villas Bôas – conspirando pela queda de Dilma.
Em 16 de setembro de 2019, em entrevista ao Roda Viva, Temer já admitira que o impeachment tinha sido um golpe de Estado. Num ato de sincericídio, disse que ela sofreu um golpe e que se Lula tivesse ido para o governo, não teria sido aprovado o impeachment.
Em outra entrevista, à Band, em abril de 2017, admitiu que se Dilma tivesse atendido aos pedidos de Cunha para que o PT votasse ao seu lado na Comissão de Ética, não teria havido o impeachment. Ou seja, o golpe só aconteceu porque Dilma não se submeteu a uma chantagem.
Temer trai a si mesmo. Os atos falhos e sincericídios citados aqui mostram que o esforço para moldar a imagem de um democrata não esconde que ele foi apenas um traidor, tramando um golpe de Estado. •