Fora do poder, ex-presidente Jair Bolsonaro vai enfrentar o banco dos réus em Haia, na Holanda. O caso no TPE está avançado e ele já foi condenado pelo Tribunal Permanente dos Povos, por sua ação durante a pandemia de covid-19

O Tribunal Penal Internacional diz que o genocídio é caracterizado pela “intenção específica de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, matando seus membros por outros meios, causar lesões corporais ou mentais graves, impor deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a destruição física total ou parcial, impor medidas destinadas a prevenir nascimentos ou transferir forçadamente crianças de um grupo para outro”.

A jurista Sylvia Steiner, única brasileira que foi juíza da corte de Haia entre 2003 e 2012, explica que “genocídio não é qualquer matança”. “Tem que existir a intenção de destruir um grupo por causa da nacionalidade, da etnia, da raça ou da religião dele”, resume. Ela lembra ainda que há uma diferença entre genocídio e crimes contra a humanidade.

“Crimes contra a humanidade são aqueles praticados por parte de uma política de um Estado ou de uma organização que atacam a população civil. Eles incluem assassinato, violência sexual, deportação forçada, perseguição, extermínio, escravidão”, lista Steiner. “Nesse caso, não existe um dolo especial, ou seja, a intenção clara de eliminar um grupo por questões como nacionalidade, etnia, raça, religião”, complementa.

Localizado em Haia, o Tribunal Penal Internacional julga casos de genocídio e crimes contra a humanidade. Segundo a BBC, o advogado Belisário dos Santos Junior, da Comissão Internacional de Juristas, lembra que o Brasil possui uma lei sobre o genocídio desde 1956. “Ela foi aprovada ainda no governo de Juscelino Kubistchek, que reconhece não apenas a ação direta, mas também a incitação ao genocídio”, cita.

Em setembro de 2022, o Tribunal Permanente dos Povos condenou Bolsonaro por crimes contra a humanidade cometidos durante a pandemia da covid-19 e indicou que uma outra política teria salvo pelo menos 100 mil pessoas. A condenação, porém, não deve ter consequências práticas contra Bolsonaro. O órgão internacional, criado nos anos 70, não tem o peso do Tribunal Penal Internacional, em Haia, nem a capacidade de tomar ações contra um estado ou chefe de governo.

A sentença declarou que o brasileiro foi diretamente responsável por graves violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade. Bolsonaro, segundo o tribunal, cometeu “atos dolosos” e “intencionais” contra sua população. Os membros do órgão ainda recomendam que o Tribunal Penal Internacional avalie a possibilidade de genocídio cometido pelo Estado, ao longo de décadas e intensificada mais recentemente.

Na época, um dos membros da corte, Gianni Tognoni, declarou que o tribunal recebeu “indícios substanciais” e que o governo  Bolsonaro jamais respondeu aos convites da entidade para participar do processo. O principal foco do tribunal foi a “violação sistemática” dos direitos do povo brasileiro, diante das políticas adotadas durante a covid-19. “Ao violar profundamente seus poderes, o governo e o presidente transformaram uma emergência severa, que pedia proteção adequada, em uma ocasião para atacar populações já discriminadas, qualificadas como descartáveis”, disse. Segundo ele, a vacinação foi prova disso.

Com sede em Roma, na Itália, e definido como um tribunal internacional de opinião, o TPP se dedica a determinar onde, quando e como direitos fundamentais de povos e indivíduos foram violados. Dentro de suas atribuições, instaura processos que examinam os nexos causais de violações e denuncia os autores dos crimes perante a opinião pública internacional.

Um exemplo de sua relevância remete à sessão sobre a Argentina, na década de 1980, quando foi apresentada a primeira lista de desaparecidos políticos do regime militar no país. O tribunal pioneiro foi organizado em 1966 pelo filósofo britânico Bertand Russell, com mediação do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre e participação de intelectuais da envergadura do político italiano Lelio Basso, da escritora Simone de Beauvoir, do ativista norte-americano Ralph Shoenmane do escritor argentino Julio Cortázar. Na ocasião, o tribunal investigou crimes cometidos na intervenção militar norte-americana no Vietnã.

Nos anos seguintes, tribunais semelhantes foram criados sob o mesmo modelo, investigando temas como as violações de direitos humanos nas ditaduras da Argentina e do Brasil (Roma, 1973), o golpe militar no Chile (Roma, 1974-1976), a questão dos direitos humanos na psiquiatria (Berlim, 2001) e as guerras do Iraque (Bruxelas, 2004), na Palestina (Barcelona, 2009-2012), no leste da Ucrânia (Veneza, 2014). •

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