por Cyntia Campos, jornalista e companheira de trabalho na Secretaria Nacional de Comunicação do PT no início dos anos 1990

William Aguiar

Mais de 30 anos depois de ter encontrado William Aguiar pela primeira vez, ainda me custa encontrar uma palavra pra definir meu velho amigo.

Corajoso, desafiador, escrachado, talentoso, doce, trepidante, esfuziante, melancólico? Mas por que uma palavra, se William era tantas coisas ao mesmo tempo, com velocidade, força e intensidade às vezes tão impossíveis de acompanhar?

Conheci Will quando trabalhávamos no Diretório Nacional do PT, na velha sede da Conselheiro Nébias, em 1991.

Ele integrava o Grupo de Apoio (GA), uma espécie de secretaria coletiva que atendia aos dirigentes do partido, digitava textos — nossos capas pretas ainda engatinhavam no uso dos computadores — fazia xérox, despachava correspondências e operava o aparelho de fax.

Era para ser apenas um enclave burocrático. Mas o Grupo de Apoio acabou virando um dos espaços mais efervescentes do dia a dia partidário: atire o primeiro crachá o funcionário, dirigente ou visitante que nunca passou pelo Grupo de Apoio para ouvir as versões William das notícias, deliberações e embates de cada dia.

William era um gênio da caricatura verbal, mas também desenhava brilhantemente. Não demorou muito para essas crônicas verbais, que ele urdia com Clau Monteiro e Miro, seus companheiros no GA, acabassem virando um jornal clandestino feito às escâncaras. A Tocha virou a dor e a delícia de quem circulava pela Nébias: ser retratado naquelas páginas era menos desconfortável do que ser ignorado por elas.

Não demorou muito para Secretaria Nacional de Comunicação do PT arrancar William do GA e incorporá-lo à equipe do Boletim Nacional e passar a contar com seus textos, fotos, charges e

diagramação impecável da publicação.

Foi mais ou menos nessa época que William começou a articular o Núcleo de Homossexuais do PT — que passou a se reunir uma vez por semana — às quartas, se a memória não falha — na sala da Comunicação, a partir das 20 horas.

A criação do núcleo e as reuniões na sede do partido não foram digeridas com muito conforto por alguns companheiros mais conservadores nos costumes. Alguém até sugeriu um batismo mais eufemístico para a nascente organização: “Não, nós somos homossexuais e vamos nos chamar pelo nosso nome”, reagiu o fundador.

O desconforto foi rapidamente aplainado por dois apoiadores silenciosos, mas incontestáveis. Um se chamava Luiz Inácio e era o presidente da “casinha”, que não perdia a oportunidade de manifestar interesse e simpatia pelo existência e funcionamento do núcleo.

O segundo aliado foi Perseu Abramo, o companheiro pra quem todo mundo olhava quando precisava checar a direção certa das coisas. Foi ele quem calou os resmungos, perguntando se as reuniões do Núcleo de Homossexuais do PT estariam abertas a pessoas solidárias com a causa.

Conviver com William era sempre uma farra e um desafio. Tipo ter que lidar com a falta de ar das gargalhadas que não deixavam ninguém dormir numa pousada de mochileiros de Cusco ou a bordo de um ônibus lotado de skinheads na noite paulistana, enquanto ele desafiava os marombados.

Conviver com William era ser permanentemente instigada pela torrente de assuntos de conversas que nunca tinham hora para acabar. Tem coisa melhor do que um amigo que sempre me provoca a pensar?

E que voz linda que ele tinha. Nosso Jeff Buckley, versão paraense, que cantava Beatles e Caetano como poucos. Nunca vai bastar uma palavra para definir William Aguiar, mas, se eu tivesse escolher, seria essa: encantador, em todas as dimensões da vida.

Textos publicados por William Aguiar

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O boom gay e lésbico | EDIÇÃO 26 – 01/09/1994 – William Aguiar

A identidade como bandeira de luta | EDIÇÃO 82 – 10/05/2009 – William Aguiar

A esquerda GLBT EDIÇÃO 77 – 01/05/2008 – William Aguiar

Solidariedade ‘ma non troppo’ | EDIÇÃO 29 – 02/07/1995 – Bia Abramides, Marcos Bandini, Sonia Hypolito e William Aguiar

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