Direito à comida e a ficar em casa
Por Tereza Campello
A fome volta às manchetes, mesmo sendo o Brasil um dos cinco maiores produtores de alimentos do mundo. Os dados são do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan).
Mais da metade dos brasileiros (55,2%) estão em insegurança alimentar. São 116,8 milhões que não sabem se terão alimentos no próximo período e que relataram algum nível de privação de qualidade ou quantidade de alimentos entre outubro e dezembro. Destes, 19,1 milhões estavam em insegurança alimentar grave: a fome.
Há quem queira atribuir o flagelo da volta da fome à Covid-19, da mesma forma que no passado se responsabilizava a seca. Mas um olhar atento à série histórica no gráfico abaixo permite identificar dois períodos completamente distintos.
O primeiro, nos governos Lula e Dilma, onde o Brasil se tornou referência mundial ao reduzir a fome em mais de 82%, graças à bem sucedida estratégia brasileira de combate à fome e pobreza, que combinou: 1) liderança política; 2) aumento da renda dos mais pobres com a geração de 21 milhões de empregos formais, e aumento real em 74% do salário mínimo; 3) 14 milhões de famílias no Bolsa Família e políticas de proteção social; 4) comida de verdade na merenda escolar, beneficiando 43 milhões de crianças e jovens; 5) fortalecimento da Agricultura familiar; 6) governança, transparência e participação da sociedade, com a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e SISAN. (FAO, 2014).
O segundo período é marcado pela volta da insegurança alimentar e da fome, que já podia ser aferida no governo de Michel Temer, e que, portanto, não pode ser atribuída apenas à Covid-19. Em 2018, a segurança alimentar já havia caído de 77,1%, em 2013, para 63,3%. Ou seja, já estávamos em uma situação pior que a do começo do governo Lula. E o índice atinge o pior momento em em dezembro de 2020: 44,8%.
Este quadro dramático é o resultado do desmonte das seis frentes estratégicas listadas acima, somadas à condução desastrosa do governo Bolsonaro em meio à pandemia. É a aniquilação das políticas de proteção social e de proteção ao trabalhador, do desbaratamento das várias políticas voltadas à agricultura familiar e ao direito a alimentação que abrem o caminho para a volta do Brasil ao Mapa da Fome. A Covid-19 encontra a população desprotegida e acirra ainda mais este quadro.
A situação, em abril de 2021, certamente é pior que a registrada no inquérito, em dezembro de 2020, como resultado da interrupção do auxílio emergencial, com 67 milhões de brasileiros e suas famílias completamente desassistidos pelo governo federal. O desamparo às populações virou política de Estado no governo Bolsonaro, com a condução da política fiscal de Paulo Guedes.
A divulgação da pesquisa da rede Panssan se dá em momento fundamental, fortalecendo a luta por um auxílio emergencial de R$ 600, como defendem os partidos de oposição no Congresso. Este valor é o equivalente ao preço de uma cesta básica.
O auxílio emergencial tem a função primordial de garantir o direito à população vulnerável de ficar em casa. Sem esse benefício básico em patamares dignos, o povo é obrigado a ir às ruas, inviabilizando as medidas sanitárias de redução do contágio, enquanto a vacina não é assegurada de forma universal.
* Economista, foi ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Dilma Rousseff.