Heleno queria dar um golpe
Ministro-chefe do GSI de Bolsonaro, o general da reserva atuou nos bastidores do governo insuflando a malta de golpistas adoradores do ex-capitão do Exército às vésperas da posse de Lula. Agora, ele tentou desqualificar a delação do tenente-coronel Mauro Cid, mentiu diante da CPI dos Ataques à Democracia, mas levou invertida da relatora Eliziane Gama (PSD-MA). Furioso, apelou no Congresso e partiu para o xingamento: “É para ficar puto”
Ele foi ajudante de ordens do general Sylvio Frota, o militar linha dura que tentou dar um golpe de Estado em plena ditadura militar, no governo Geisel, porque considerava o presidente um frouxo com os comunistas. Não surpreende, portanto, as revelações da revista “Fórum”, na quarta-feira, 27, dia do depoimento explosivo do ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República no governo Bolsonaro, mostrando o envolvimento direto do general reformado Augusto Heleno na tentativa de um golpe nos meses que sucederam a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.
O general tramou e incitou bolsonaristas para impedir a posse de Lula, em 1º de janeiro, no esforço de tentar reverter a inevtável saída do ex-capitão do Exército — eterno pupilo de Heleno desde quando este ainda era instrutor da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), nos anos 70, no estado do Rio de Janeiro. A trama revelada pela “Fórum” mostra claramente a ameaça golpista de Heleno, no áudio distribuído ainda em dezembro pelas redes golpistas de Bolsonaro. Naquele momento, milhares permaneciam acampados na frente dos quartéis do Exército espalhados por algumas cidades do país. O tom de Heleno é pelo rompimento da legalidade.
“As Forças Armadas não irão obedecer às ordens de um condenado pela Justiça [referência ao recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ganhara a disputa em outubro]… Porque senão ela [a Força] desonra toda a sua estrutura moral perante o povo brasileiro, e aí pode levar o país a uma guerra civil, porque se o povo perder a confiança nas Forças Armadas, acabou! O Brasil acabou! Nós vamos sim entrar numa guerra civil… E o que caracteriza uma guerra civil? É quando o povo de um país não confia mais nas suas instituições, e assim sendo, torno a dizer, eles podem tentar, são livres para fazê-lo”.
As palavras ameaçadoras foram pronunciadas por Heleno, conforme aponta laudo técnico produzido por especialistas da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da Universidade de São Paulo (USP). Mario Alexandre Gazziro, professor adjunto de Engenharia da Informação da Universidade Federal do ABC (UFABC), pós-doutorando e pesquisador visitante na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), da Universidade de São Paulo (USP), assina o laudo. Alunos de extensão das duas universidades públicas, do grupo Ganesh, da USP, e Greenteam, da UFABC, participaram da análise dos dados com Gazziro. O discurso [leia a íntegra de um dos áudios na página 15] é de fato de Heleno, embora ele tenha negado em dezembro que fosse o autor das mensagens de voz espalhadas pelo WhatsApp.
As ameaças do general, um dos pilares do governo militar liderado por Jair Bolsonaro entre 2019 e 2022, são perturbadoras porque foram amplamente distribuídas entre os radicais. Muitos deles viriam a se deslocar para Brasília ainda no início de janeiro para promover o quebra-quebra e tentar derrubar o governo eleito. Quando os extremistas radicais do bolsonarismo desceram em massa para a Praça dos Três Poderes em Brasília, o mantra de que o Exército deveria promover uma “intervenção constitucional” era repetido ad nauseam pelos golpistas que invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.
Apesar das fortes evidências de que Heleno foi um dos alicerces da conspiração que buscava detonar o governo eleito e rasgar a Constituição, o general tentou de toda forma mostrar que jamais esteve envolvido na trama. Na manhã da quarta-feira, ao prestar depoimento à CPI dos Ataques à Democracia, mesmo tendo recorrido ao mesmo STF tantas vezes ameaçado e atacado por Bolsonaro, Heleno tentou se passar por um inofensivo militar de pijamas. E ainda teve a pachorra de apontar que a delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, era fantasiosa e que o tenente-coronel jamais participou de reuniões no Palácio do Planalto com comandantes das Forças Armadas. “Não existe um ajudante de ordens sentar numa reunião com comandantes das Forças. Isso é fantasia”, disse. “Aconteceu nos últimos meses uma supervalorização do papel de auxiliares cujo limite de atuação era muito estreito. Eles trocavam mensagens que não significavam absolutamente nada para o contexto dos chefes militares”.
Era mais uma mentira ou tentativa de escamotear a gravidade das revelações feitas por Cid. O deputado Rogério Correia (PT-MG) confrontou Heleno ao apresentar uma foto do então ajudante de ordens em uma das reuniões de Bolsonaro com os comandantes das Forças Armadas no Planalto, no ano de 2019, que contou inclusive com a participação do ex-chefe do GSI. O militar ainda afirmou que o ajudante de ordens “não participava ativamente” dos encontros. Outra cascata.
Sobre o plano do golpe, que havia sido desenhado em documento apócrifo apreendido na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o general negou que tivesse conhecimento do rascunho. “Nunca ouvi falar na minuta de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), minuta do golpe. O presidente da República (Bolsonaro) disse, várias vezes, que jogaria dentro das quatro linhas, e não era minha missão convencer o presidente a sair das quatro linhas. Pelo contrário”, ressaltou. A relatora da CPI, Eliziane Gama (PSD-MA) apontou que o militar se contradisse e mentiu claramente ao longo do depoimento ao colegiado.
No depoimento à CPI, Heleno caiu em contradições e repetiu uma frase dita por ele em 18 de dezembro, quando insinuou o golpe às vésperas da posse de Lula. Indagado por apoiadores do ex-presidente Bolsonaro se “bandido subiria a rampa”, em alusão à prisão de Lula em 2018 pela Operação Lava Jato, o general respondeu que “não”, que Lula jamais seria empossado. Vale lembrar que teve as suas condenações anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021, por conta da avaliação dos ministros da corte de que o ex-juiz Sergio Moro foi imparcial e cometeu ilegalidades ao condenar o ex-presidente.
Ao ser questionado pela relatora se ainda tinha a mesma percepção sobre Lula, o general reiterou: “Continuo achando que bandido não sobe a rampa”. Neste momento, Heleno recebeu aplausos de parlamentares seguidores de Bolsonaro na CPI. Em seguida, se irritou com os questionamentos da senadora da República. Eliziane perguntou se ele ainda acreditava que tenha havido fraude no resultado das eleições. Em resposta, o ex-ministro respondeu: “Já tem o resultado das eleições, já tem novo presidente da República, não posso dizer que foi fraudado”.
Eliziane então disse que o ex-chefe do GSI havia “mudado de ideia”. Neste momento, Heleno se irritou e reagiu com xingamentos. “Ela fala as coisas que ela acha que está na minha cabeça. Porra, é para ficar puto, né? Puta que pariu. Vai se foder”, disse. A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) reagiu: “Senhor presidente, ele está se exaltando. É muito desrespeito”. Heleno teve de ser contido pelo seu advogado Matheus Mayer Milanez. Não adiantou. A relatora não se mostrou incomodada e apontou que estava convencida de nada do que o general falou. “Ele [Heleno] se irrita porque ali infelizmente não consegue encarar uma realidade que está diante deles”, disse.
As ameaças do general
Em mensagem aos baderneiros inconformados com a derrota do capitão, Heleno foi claro. “Lula não pode assumir a Presidência da República. Foi condenado”
Eu me lembro que o José Dirceu e o ministro Barroso fizeram uma piada que eleição não se ganha, se toma… Eles podem tentar, ué… Todo mundo é livre pra fazer ou tentar o que bem quiser, o problema é se vai colar…
O que nós temos aqui é um problema muito delicado: as Forças Armadas brasileiras são constitucionais, elas obedecem às leis, mas desde que começou o pleito eleitoral já vem ocorrendo uma sucessão de problemas na confiabilidade das urnas e do pleito em si.
Na imediação de dizer que o Lula ganhou, tem um sério problema: Lula não pode assumir porque é um condenado político… As ações judiciais sobre Lula não terminaram, foi apenas deslocado o eixo do tribunal para se começar a investigar, colocaram no zero novamente.
É mais ou menos como se eles dissessem que 20 juízes são incompetentes e todas as provas estão invalidadas… Só que não existe dispositivo no Código de Processo Penal pra proceder assim.
Além da interferência sobre poderes alheios, a afronta à Procuradoria-Geral da República e o confronto com as Forças Armadas. E aqui nós temos um problema: as Forças Armadas não irão obedecer às ordens de um condenado pela Justiça… Porque senão ela desonra toda a sua estrutura moral perante o povo brasileiro, e aí pode levar o país a uma guerra civil, porque se o povo perder a confiança nas Forças Armadas, acabou! O Brasil acabou!
Nós vamos sim entrar numa guerra civil. E o que caracteriza uma guerra civil? É quando o povo de um país não confia mais nas suas instituições, e assim sendo, torno a dizer, eles podem tentar, são livres para fazê-lo. O problema é se vai colar. Porque as ruas têm demonstrado uma coisa e as pesquisas, que são mentirosas e manipuláveis, demonstraram outra.
O Lula, nesse tempo todo, não conseguiu fazer campanha nas ruas diante do povo, a não ser diante daquele grupinho dele, fechado, em ambiente fechado, ou com seus próprios seguidores.
E ele, o Luiz Inácio Lula da Silva, é um condenado da Justiça ainda, ele não pode assumir a Presidência da República, isso é simplesmente rasgar a Constituição, é rasgar o Código Penal, o Código de Processo Penal.
E eles já ofenderam por demais a Procuradoria-Geral da República, o presidente da República… Você via a entrevista do desembargador-corregedor que pediu a aposentadoria, afirmando que ele não gostaria e que não se sentiria bem de continuar no tribunal onde ele diz que 80% dos juízes não aceitam as regras do Supremo Tribunal Federal.
Então eu torno a dizer: eles podem tentar, levar é outra coisa… Vão provocar um cisma, porque o povo já não confia nas urnas e agora esse pronunciamento de Alexandre de Moraes que ‘o Exército vai ter o que eu quero’?
Como se as Forças Armadas, que são a quarta instituição constitucional, não têm o direito de fazer apuração paralela… Ele está afrontando as Forças Armadas… E aí vem a questão: poder, eles podem, se vão levar, é outra história.
O Ciro Gomes, de quem eu não tenho simpatia, já falou sobre isso… ‘Se Lula ganhar a eleição, no dia seguinte é guerra civil’… É evidente que o Brasil vai entrar em crise institucional, nem tanto por parte do povo, mas por parte das Forças Armadas que não vão aceitar bater continência para um criminoso, porque se o fizer, estão mancomunados e aceitando que um criminoso comande as Forças Armadas, simples assim, dois e dois são quatro”. •