8 de janeiro: as primeiras condenações

Supremo dá início ao julgamento dos fascistas que atacaram as sedes dos Três Poderes em 8 de Janeiro. E as sentenças são duras; até 17 anos de prisão por conspiração e tentativa de golpe. Ainda falta julgar quem está por trás de tudo: Bolsonaro

Demorou, mas a Justiça começa a ser feita. Os primeiros extremistas que participaram dos ataques à democracia em 8 de janeiro, quando as sedes do Executivo, do Congresso e da Suprema Corte foram invadidas e depredadas, começaram a ser condenados na última semana. O Supremo Tribunal Federal condena dois réus a 17 anos de prisão e outro acusado de participar da tentativa de golpe de Estado a 14 anos de prisão. Todos estavam diretamente envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. Ainda há de chegar a hora do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro enfrentar as barras do tribunal por seu envolvimento direto nos eventos que abalaram a República e quase soterraram a democracia. 

Em uma sessão histórica, marcada por um embate entre os ministros Alexandre de Moraes e André Mendonça, o STF condenou na quinta-feira, 14, os três primeiros réus por envolvimento nos atos golpistas de 8 de janeiro. Todos foram detidos no dia das invasões das sedes dos Três Poderes, em Brasília. As penas de 17 anos de prisão foram dadas a Aécio Lúcio Costa Pereira e Matheus Lima de Carvalho Lázaro. Já a condenação de Thiago de Assis Mathar foi de 14 anos. Todos ainda terão de pagar multa de aproximadamente R$ 44 mil.

Aécio Lúcio Costa Pereira, ex-funcionário da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), foi preso em flagrante no Senado Federal. A avaliação dos ministros é que as provas produzidas pelo próprio Aécio, que gravou vídeos nas dependências do Congresso, são suficientes para fundamentar a sentença. “Nós poderíamos estar em algum lugar contando a história da nossa derrocada, mas nós estamos aqui, graças a todo um sistema institucional, contando como a democracia sobreviveu”, afirmou Gilmar Mendes.

A pena a Aécio é dura. Por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, ele foi condenado a 5 anos e seis meses. Por golpe de Estado, mais 6 anos e seis meses. O crime de dano qualificado pela violência e grave ameaça rendeu mais 1 ano e seis meses. E a deterioração de patrimônio tombado, outro 1 ano e seis meses. Mais a associação criminosa armada: 2 anos. O sinal é claro aos outros golpistas: não haverá perdão pelos ataques. Os três condenados pelo envolvimento direto na insurreição são apenas os primeiros de um rol de mais de 1.300 réus que ainda enfrentarão julgamento nas próximas semanas e meses. 

8 de janeiro: as primeiras condenações

“Eles não vieram por diversão, mas sim com o objetivo de lançar um golpe”, disse Alexandre de Moraes durante o julgamento na quarta-feira. “O que aconteceu em 8 de janeiro foi um ato muito violento contra o Estado Democrático de Direito”. O ministro Cristiano Zanin não aliviou ao descrever a atuação de Aécio: “O réu não ingressou no Senado para um passeio ou uma visita. Ele ingressou juntamente com uma multidão em tumulto, que defendia, mediante violência física e patrimonial, o fechamento dos Poderes constitucionalmente estabelecidos, além da deposição do governo democraticamente eleito”.

Apesar da decisão, houve quem achasse que os ataques a 8 de janeiro não eram uma tentativa de golpe de Estado. Os dois ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Kássio Nunes Marques e André Mendonça, foram os únicos a defender que não houve tentativa de golpe de Estado. 

Prevaleceu, contudo, o posicionamento do relator do processo, Alexandre de Moraes, acompanhado por outros ministros, como o decano da Corte, Gilmar Mendes. Ambos defenderam a necessidade de se contextualizar os fatos para que se compreenda o que ocorreu naquele fatídico 8 de janeiro: houve uma tentativa de golpear o Estado Democrático de Direito. Isso é crime. 

Gilmar Mendes se mostrou surpreso quando Kássio Nunes Marques sugeriu uma pena mais leve a um dos dois réus condenados na quinta. “Vi essa consideração sobre o passeio no parque. Jamais houve passeio no parque. Não se tratava de passeio no parque, ministro Kassio. Nem de um incidente. A cadeira que o senhor está sentado estava lá na rua, no dia da invasão”, lembrou o decano.

8 de janeiro: as primeiras condenações
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Os três réus foram condenados pela prática de cinco crimes: associação criminosa armada; abolição violenta do Estado Democrático de Direito; tentativa de golpe de Estado; dano qualificado pela violência; e deterioração de patrimônio tombado. As penas anunciadas por Alexandre Moraes foram seguidas pela maioria, com diferentes gradações para os condenados. Houve divergências em relação à dosimetria da pena ou em outro aspecto.

Nesta primeira leva de julgamentos, ainda estava prevista a análise do caso de Moacir José dos Santos, mas o processo deve ser reagendado. As ações penais estão sendo julgadas individualmente. Ao todo, a Procuradoria Geral da República apresentou denúncia contra 1.345 pessoas. Todos estavam diretamente envolvidos nos ataques às instituições uma semana depois da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ao proferir o seu voto no primeiro julgamento, ainda na quarta-feira, Moraes afirmou que, apesar do “negacionismo” de uma parcela da população, o 8 de janeiro não foi um “domingo no parque”. O relator também adotou o entendimento jurídico de que houve crimes multitudinários, ou seja, praticados por uma multidão. Para ele, uma “turba de golpistas” colocou em prática atos contra a democracia, para depor um governo legitimamente eleito.

Ao se manifestar sobre o mesmo caso, já na quinta-feira, 14, Mendonça defendeu que as pessoas que invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes não tinham como objetivo depor Lula, que havia derrotado Jair Bolsonaro nas urnas, nos dois turnos, em outubro de 2022. Nenhuma palavra do ministro aos ataques proferidos pelo ex-mandatário ao longo da campanha ao Tribunal Superior Eleitoral ou ao próprio Supremo. “Golpe de Estado pressupõe a destituição do poder e instituir uma nova ordem. Isso demandaria uma série de planejamento e condutas que não vi nesses manifestantes”, justificou o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.

Para Mendonça, o grupo tentou criar um clima de instabilidade no país, mas a instauração de um golpe dependeria da atuação de outras forças, como os militares, o que não aconteceu. A posição dele foi confrontada diretamente pelo relator do processo. Alexandre de Moraes lembrou que cinco ex-oficiais da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal em Brasília foram presos por conspirarem contra o Estado.

Ele e Moraes chegaram a discutir durante a sessão, depois de Mendonça questionar a suposta facilidade com que os golpistas invadiram o Palácio do Planalto e por que o ministro da Justiça, Flávio Dino, não utilizou o efetivo da Força Nacional para proteger o local. “É um absurdo, com todo respeito, querer falar que a culpa do 8 de janeiro foi do ministro da Justiça. Tenha dó”, rebateu Moraes. Mendonça então reagiu. “Não coloque palavras na minha boca. Tenha dó Vossa Excelência”, disse.

Sobre os condenados, Moraes e outros ministros da Corte lembraram que todos estavam atuando frontalmente contra as instituições quando foram detidos em 8 de Janeiro. Aécio Lúcio Costa Pereira foi detido em flagrante no dia dos atos, dentro do plenário do Senado. A Polícia Federal encontrou em seu telefone celular uma série de conversas que incentivavam a instauração de uma ditadura militar no país.

Já Thiago de Assis Mathar foi preso dentro do Palácio do Planalto. A defesa negou que ele tenha participado dos atos de vandalismo. Matheus Lima de Carvalho Lázaro, por sua vez, só foi capturado pela polícia quando já tinha se afastado da Esplanada dos Ministérios. Para Moraes, esse era o processo com o maior número de provas: confissão, vídeo e fotos. Em seu voto, o relator citou mensagens por áudios que Lázaro enviou à companheira, que estava no Paraná. “Melhor nós quebrar tudo agora do que eles tomarem o país, e virar uma Venezuela”, disse.

Durante os julgamentos, os advogados que defenderam os réus também viraram protagonistas. Na quarta-feira, o ex-desembargador Sebastião Coelho, que defendeu Aécio, disse que os ministros eram “as pessoas mais odiadas deste país”. O advogado de Mathar, Waldir Kattwinkel Junior, por sua vez, reproduziu uma “fake news” contra o ministro Luís Roberto Barroso na tribuna da Corte. Ele foi rebatido pelo próprio ministro e por Moraes, que ironizou o fato de o advogado ter confundido, em uma citação, “O Príncipe”, de Maquiavel, com “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry. “Patético e medíocre”.

Já a advogada de Lázaro, Larissa Lopes de Araújo, chorou durante a sua sustentação oral e se queixou do tratamento conferido aos advogados durante o julgamento no tribunal. Após a repercussão das manifestações dos defensores, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) enviou um ofício ao STF expressando solidariedade à Corte. “A OAB se solidariza com o tribunal ante ataques que sofre pela incompreensão do papel da Suprema Corte ao efetuar julgamentos que ferem interesses. O discurso de ódio não se coaduna com o necessário equilíbrio que deve pautar a atuação dos Poderes e de todos em sociedade.

Durante o julgamento, Moraes e outros ministros lembraram que os tumultos de 8 de Janeiro começaram depois que milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro marcharam em Brasília em protesto contra a eleição de Lula. Ao chegar ao centro nervoso da cidade, encontraram o Congresso, o Supremo e o Palácio  do Planalto sem proteção e invadiram os edifícios sede dos Três Poderes.

Embora haja relatos de poucos feridos na invasão em si, já que os ataques ocorreram quando os prédios estavam sem funcionários nem autoridades presentes, os manifestantes causaram danos materiais substanciais. A presidenta da Suprema Corte, ministra Rosa Weber, descreveu o vandalismo como um “cenário de devastação ao estilo de Dante”.  •