O tenente-coronel Mauro Cid diz em delação premiada à Polícia Federal que Jair Bolsonaro consultou a cúpula militar sobre a execução de um golpe que impedisse Lula de assumir a Presidência. Revelações comprometem ainda mais o ex-mandatário, que parece cada dia mais perto da prisão

CONSULTA Segundo o ex-ajudante de ordens do presidente, Bolsonaro esteve com a cúpula das Forças Armadas
em dezembro para discutir a possibilidade de apoio a um golpe de Estado que o levasse a se manter no poder
Foto: Ed Alves/CB/D.A. Press. Brasil. Brasilia – DF

Era questão de dias ou horas. Uma semana depois que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, homologou o acordo de delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, a bomba explodiu. Na quinta-feira, 21, o UOL divulgou reportagem de Aguirre Talento, apontando que, num dos trechos do acordo fechado com a Polícia Federal, Cid informa que o ex-presidente consultou a cúpula das Forças Armadas para desencadear um golpe de Estado.

No final de dezembro, o chefe das Forças Armadas se encontrou com os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica com o objetivo claro de tomar o poder e impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, que havia sido eleito em outubro. Cid disse ainda que o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, manifestou-se favoravelmente ao plano golpista durante as conversas de bastidores, mas não houve adesão da cúpula militar.

Cid disse que Bolsonaro recebeu o rascunho de um decreto, das mãos do ex-assessor de política externa do Palácio do Planalto, Filipe Martins, que delinearia planos para convocar novas eleições e a prisão de rivais políticos. Martins e Bolsonaro teriam realizado a “reunião secreta” em 18 de dezembro de 2022. Bolsonaro divulgou nota em que repete seu mantra de que sempre agiu “dentro das quatro linhas da Constituição”, mas não se refere às acusações específicas de seu ex-assessor.

A situação jurídica do ex-presidente é crítica e até articulistas como Merval Pereira, colunista do jornal O Globo, defendeu a prisão do ex-presidente, diante das evidências de que ele conspirou contra a democracia. Na Câmara, o deputado Rogério Correia (PT-MG) disse que o conteúdo da delação de Cid deixam Bolsonaro cada vez mais perto da prisão. “Para mim, o indiciamento de Bolsonaro são favas contadas”, comentou.

O tenente-coronel fez um acordo judicial com a Polícia Federal  ainda em setembro depois de ser preso em maio. O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro disse à polícia que o então comandante da Marinha avisou o então presidente que “suas tropas estavam prontas para agir [e estavam] apenas aguardando sua ordem”. Cid é visto como o flanco mais fraco do ex-presidente. O tenente-coronel conviveu diariamente com ele durante todo o seu mandato, sendo o responsável por acompanhá-lo todos os dias.

Ex-ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno negou ter conhecimento de tal conspiração. “Essa conversa nunca aconteceu durante o governo do presidente Bolsonaro. Desde o início ele sempre falou em jogar dentro das quatro linhas [da Constituição]”, disse.

O envolvimento de militares num plano para tomar o poder já vem sendo denunciado por parlamentares e a própria imprensa desde janeiro deste ano, quando no dia 8, apoiadores de Bolsonaro tomaram a capital federal, invadiram as sedes dos Três Poderes e pregaram abertamente uma intervenção das Forças Armadas.

Há duas semanas, Rogério Correia disse que, embora o conjunto das Forças Armadas não tenha aderido ao golpe, alguns oficiais estavam prontos para rasgar a Constituição. “É fato que as Forças Armadas, no seu conjunto, não foram nesta onda, mas (…) é óbvio que houve conivência de setores das Forças Armadas com o processo de golpe. Isso tem de ser esclarecido, e aqueles que assim agiram terão de ser punidos”, disse.

Correia tomou o depoimento do general Gustavo Henrique Dutra de Menezes na CPI dos Ataques à Democracia. Até janeiro de 2023, Dutra era comandante militar do Planalto e, portanto, responsável pela área do Quartel General do Exército em Brasília, onde golpistas acamparam por 69 dias até atacar, em 8 de janeiro, os edifícios do Palácio do Planalto, Congresso e Supremo.

Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral e está proibido de concorrer às eleições pelos próximos oito anos. Além deste caso, ele também é investigado em uma longa série de denúncias. Na investigação aberta pelo Supremo para apurar a tentativa de golpe de 8 de janeiro, ele já é apontado como o suposto instigador do ataque às sedes dos Três Poderes em Brasília, ação executada por milhares de seus seguidores. Os primeiros julgamentos, realizados na semana passada, terminaram em penas de 17 a 14 anos de prisão. Três golpistas foram condenados. Mas ainda há mais de 1.300 no banco dos réus. •

`