Marco fiscal? agora é com o Congresso
O governo Lula entrega finalmente ao parlamento o projeto de lei complementar que permitirá ao país planejar os gastos e investimentos públicos com transparência e respeito aos compromissos sociais celebrados pelas urnas. A medida acaba com o famigerado teto de gastos - herança do Golpe de 2016 – e prevê reajuste acima da inflação para os investimentos
Demorou, mas mesmo sob o signo da descrença de parte da mídia corporativa e desconfiança de setores do mercado financeiro, o governo Lula apresentou formalmente ao Congresso Nacional o projeto de novas regras fiscais que permitirá ao país retomar o caminho do desenvolvimento com justiça social. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregaram o projeto no dia 18, em cerimônia realizada no Palácio do Planalto, diretamente nas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). Horas antes, o texto havia sido distribuído à imprensa. O projeto delimita os gastos e receitas que serão abarcados pelas novas regras fiscais.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), declarou que o projeto deve ser aprovado até maio. A medida põe fim ao chamado teto de gastos, uma herança do governo Michel Temer, aprovada em 2016, que congelava por 20 anos os investimentos na área social. Agora, o chamado arcabouço fiscal prevê reajuste acima da inflação para os investimentos do governo federal. A proposta de lei complementar é importante porque vai estabelecer regras para a construção do orçamento, que define quanto o governo pode investir em cada área.
“Teremos 308 votos a favor, pelo menos”, avalia o presidente da Câmara. “Mais do que os 257 mínimos exigidos. Este é um tema nacional, de país. Vamos aprovar em menos de 15 dias”. Ele descartou a hipótese de que a relatoria do projeto, mesmo que fique com um parlamentar de oposição, possa retardar ou atrapalhar a aprovação, insinuando que ele próprio será a garantia: “O senhor acha que eu vou atrapalhar?”. Dois dias depois, o deputado Claudio Cajado (PP-BA) foi anunciado como o relator do projeto de lei complementar com as novas metas fiscais.
Haddad elogiou a parceria com os presidentes da Câmara e do Senado. “Se não fossem essas duas lideranças, o país teria vivido muita turbulência. Eles tiveram serenidade e pulso firme”, disse o ministro, em referência à aprovação, no final do ano passado, da PEC da Transição, que modificou o precário orçamento deixado pelo governo anterior. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que não participou da cerimônia de entrega das novas regras fiscais, por conta de uma viagem ao exterior, já havia dado declarações favoráveis para a celeridade do projeto de lei em tramitação no Congresso.
O ministro destacou que as novas regras fiscais serão complementadas pela segunda etapa da reforma tributária, que ele promete entregar ao Congresso no segundo semestre: “Há R$ 600 bilhões de renúncia fiscal no orçamento federal. Estamos querendo rever 25% dessas renúncias, para garantir a sustentabilidade fiscal deste país”. O ministro afirmou que está sendo feita uma “varredura” no orçamento e na legislação para extinguir parte das isenções e combater sonegação, para “banir esses benefícios indevidos”. “Cada renúncia a mais é uma pessoa passando fome, uma pessoa sem creche, sem médico”, lembrou.
As novas regras fiscais estipulam que o equivalente a 70% das receitas correntes do ano anterior poderá ser usado para investimentos do governo. Esse limite pode ser reduzido a 50% das receitas caso as metas de resultado primário — despesas menos receitas — não sejam atingidas no exercício anterior. Estão livres desses limites os gastos mínimos garantidos pela Constituição em áreas como saúde, educação, previdência social e o recém-aprovado piso nacional da enfermagem.
Além das verbas asseguradas na Carta Política de 1988, a proposta também exclui outros setores dos limites de gastos: 1) projetos socioambientais, inclusive doações estrangeiras oriundas de projetos extraordinários; 2) as verbas destinadas a universidades e projetos de pesquisa; 3) atualização monetária dos precatórios pendentes e o pagamento prioritário a pessoas em situação de vulnerabilidade; 4) verbas para obras vindas de parcerias com estados e municípios; 5) capitalização de empresas públicas, exceto bancos oficiais, e 6) despesas com eleições.
Também ficam fora das regras as chamadas receitas extraordinárias, como a venda de ativos — algo que atual governo não pretende fazer, como prometeu Lula, que retirou empresas públicas da lista de privatizações — ou processos judiciais vencidos pela União. Por outro lado, em caso extremo de queda ou estagnação das receitas no ano anterior, o plano assegura um mínimo de crescimento de gastos de 0,6%, equivalente à média de crescimento populacional vegetativo.
Agora, a bola está com o Congresso. Parte da imprensa chegou a criticar o governo, classificando o debate interno dentro da equipe econômica como lentidão que estaria sendo gerada por certa dose de insegurança. Mas a brevidade da entrevista coletiva concedida por Lira e Haddad – menos de 19 minutos – sinaliza a eficácia desse processo de maturação, uma vez que parte da opinião pública já conhecia a arquitetura do projeto.
Apesar de ajustes feitos nos últimos dias, a proposta mantém os principais pontos apresentados em 30 de março. Como explicou a equipe econômica, o novo marco fiscal prevê que os investimentos do governo em obras de infraestrutura e em programas sociais, como os de saúde, educação, segurança e combate à fome, tenham reajuste acima da inflação todos os anos. Mas esse reajuste precisa ficar sempre um pouco abaixo do que o governo arrecadar com impostos no ano anterior. Assim, o governo espera equilibrar as contas públicas, eliminando o déficit (necessidade de gastar mais do que arrecada) até o fim de 2024.
Outra diferença foi que a apresentação das medidas foi feita de maneira gradual e não num único pacote. A primeira mudança proposta por Haddad, em março, foi a simplificação tributária, já em tramitação no Congresso. Agora, após o anúncio das regras fiscais, será apresentada a segunda etapa da reforma tributária, com a revisão de isenções e as medidas de combate a fraudes e sonegação. O objetivo é incrementar as receitas do governo sem a criação de novos impostos ou alíquotas, uma promessa de Lula.
Uma das ferramentas que o ministro pretende utilizar para combater a sonegação e elisão fiscal são as mudanças no Conselho de Administração de Recursos Ficais (Carf). O órgão é uma espécie de tribunal que julga pendências tributárias entre a União e empresas. Até agora, processos com empate de votos beneficiavam automaticamente as corporações privadas, em prejuízo da União. O governo quer a volta do voto de desempate, a favor do Estado. Haddad anunciou, durante a coletiva de imprensa, que a proposta será apresentada pelo governo na forma de lei ordinária. O fim das isenções para compras em portais estrangeiros, que gerou polêmica na semana anterior, será objeto de novo estudo, segundo o ministro da Fazenda.
Por enquanto, o governo Lula aposta que as novas regras fiscais acenam com transparência. As verbas serão usadas com rigor e, ao mesmo tempo, os gastos essenciais às políticas públicas não serão sacrificados, mesmo em cenário econômico muito negativo.
A partir dessas regras, a aposta é que isso permitirá a retomada dos investimentos no país. É grande a expectativa com as parcerias recentes com a China, por exemplo, que devem somar mais R$ 50 bilhões em novos investimentos no Brasil no curto e médio prazo. Outra expectativa é que as taxas básicas de juros finalmente caiam de maneira consistente, com a rendição do Banco Central à necessidade de crescimento econômico. Cada ponto a menos na taxa Selic rende em torno de R$ 40 bilhões de economia com a rolagem da dívida pública.
Um dos principais feitos do novo arcabouço fiscal é, sem dúvida, acabar com o teto de gastos, aprovado por Michel Temer e mantido por Jair Bolsonaro. Essa famigerada medida congelou os investimentos do governo e acabou retirando dinheiro de áreas fundamentais, como a saúde e a educação, gerando desemprego e deixando o povo completamente abandonado.
Para se ter uma ideia, se o teto de gastos continuasse, o Brasil teria, no ano que vem, apenas R$ 24 bilhões para investimentos em infraestrutura e programas sociais. Com o novo arcabouço, ficam garantidos R$ 172 bilhões, o que, segundo a equipe de Haddad assegura a continuidade do Bolsa Família, do Minha Casa Minha Vida, do Mais Médicos, do Farmácia Popular, da valorização do salário mínimo e tantas outras iniciativas. É um cenário que permitirá ao povo brasileiro viver em condições melhores, ainda que muito distantes das ideais, por conta das desigualdades históricas, amenizadas quando Lula e Dilma Rousseff estiveram no poder, mas que foram aprofundadas desde o Golpe de 2016. •
Marco fiscal: o que fica de fora do limite de gastos
- Transferências constitucionais
- Créditos extraordinários
- Transferências aos fundos de saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para pagamento do piso da enfermagem
- Repasse da União aos estados e municípios de receita patrimonial de venda de imóveis
- Despesas com projetos socioambientais ou mudanças climáticas custeadas com recursos de doações ou de acordos judiciais ou extrajudiciais
- Despesas das universidades públicas e dos hospitais federais e dos instituições federais e das instituições federais de educação, ciência e tecnologia, vinculadas ao MEC
- Despesas com recursos vindo de transferências dos estados e municípios para a União destinados à execução direta de obras e serviços de engenharia
- Despesas com eleições
- Capitalização de empresas estatais não financeiras e não dependentes
- Despesas relativas à cobrança pela gestão de recursos hídricos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico
- Gastos com gestão de floresta do Instituto Chico Mendes
- Repasse de recursos ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)
- Precatórios relativos ao Fundeb