Morre, em São Paulo, o cientista político e historiador que marcou as ciências humanas do Brasil. Teve trajetória destacada e formou gerações de estudiosos da história política nacional

O Brasil perdeu na terça-feira, 18, o cientista político e historiador Boris Fausto. Ele tinha 92 anos. Intelectual da cepa dos formadores do pensamento brasileiro, Fausto dedicou-se especialmente ao Brasil das décadas de 1920 e 1930, com obras importantes sobre a história política da transição de Velha para a Nova República, a imigração dos séculos 19 e 20 em São Paulo e a gênese do autoritarismo. Um de seus livros mais importantes é “A Revolução de 1930: historiografia e história” (1970), considerado referência até hoje nas ciências humanas brasileiras.

Nascido em São Paulo em 1930, Boris Fausto é filho de imigrantes judeus de primeira geração. Aos 7 anos, perdeu a mãe foi entregue junto com os dois irmãos para ser criado por uma tia materna. Cresceu ouvindo sobre a importância do conhecimento. “Eu me lembro daquela frase: o importante é a educação. Eu estava no Brasil e queria ser brasileiro”, disse.

Boris estudou em colégios tradicionais de São Paulo e desde pequeno se interessava por literatura. No fim dos anos 1940, começou a cursar Direito na Universidade de São Paulo (USP), onde se formou em 1953. Depois de trabalhar como consultor jurídico da universidade por dez anos, iniciou sua formação em História, em 1963, também na USP.

Foi na USP que se interessou pelas discussões e pela agitação política, junto com o irmão Ruy. Apesar de ter trabalhado como advogado e chegado a procurador do estado, manteve uma carreira acadêmica em paralelo. A experiência da militância dos irmãos rendeu a ambos perseguição política ainda nos anos 1960. Em 1968, com o recrudescimento do regime depois da decretação do AI-5, foi preso e torturado.

No período da redemocratização, aproximou-se do PSDB paulistano, como tantos intelectuais contemporâneos da USP,  sem forte militância. A debâcle do PSDB nos anos 2000, no entanto, provocou declarações críticas do intelectual. Diante iminência da vitória de Jair Bolsonaro, declarou: “O PSDB se transformou num conglomerado que tem muito pouco a ver com o que foi”.

Fausto era um grande defensor da democracia e combatente do negacionismo histórico, fenômeno que ganhou força nos últimos anos. “Eu não sou a favor de que se tenha uma única interpretação da história. Mas o que a gente não pode ir é contra os fatos. Os fatos são os fatos. Não podemos discutir o fato de que uma ditadura é uma ditadura, um regime democrático é um regime democrático”, declarou durante entrevista no programa Conversa com Bial, exibido pela Rede Globo em julho de 2019.

Integrado ao Departamento de Ciência Política da USP como professor, nas décadas seguintes dedicaria-se  ao estudo dos movimentos operários no Brasil de fins do século 19 às duas primeiras décadas do século 20, além de pesquisas sobre imigração. Apesar disso, jamais abandonou o estudo da história.

O  compêndio sobre “História do Brasil”, lançado pela Edusp em 1994, projeto didático e amplo, tornou-se leitura quase obrigatória para estudantes de história e até do ensino médio. Pelo livro, Fausto recebeu o prêmio Jabuti. Também colaborou com um volume sobre o período republicano em “História Geral da Civilização Brasileira”, coleção organizada por Sérgio Buarque de Holanda e Pedro Moacyr Campos.

Boris Fausto escrevia muito e bem. No período seguinte, vieram livros nos quais misturavam-se a memorialística e a pesquisa histórica em livros com “Negócios e Ócios” (1997) , seu segundo Jabuti em ciências humanas, e “O Crime do Restaurante Chinês — Carnaval, Futebol e Justiça na São Paulo dos anos 30” (2009).

Em seu livro de 2021, “Vida, Morte e Outros Detalhes”, provocado pela perda do irmão Ruy, que se tornou filósofo e estudioso do marxismo, e morreu em 2020, Boris realça a força da reminiscência familiar e das ambiguidades do Brasil bolsonarista. Mesmo depois de sofrer um AVC em 2021, ainda escreveu o posfácio de “Roupa Suja. Polêmica alegre”, texto satírico de Moacy Piza sobre a política paulista na Belle Epóque — livro resenhado na Focus número 74, de 5 de setembro do ano passado.

Além dos filhos cientistas sociais — Sérgio, sociólogo e diretor dos Instituto FHC, e Carlos, antropólogo — Boris Fausto deixou dezenas de orientandos que manifestaram seu pesar relembrando a generosidade do professor e o rigor do intelectual. •

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