CNN vira âncora de teorias do bolsonarismo, que  entra em êxtase . Planalto aceita a demissão do ministro do GSI, general Gonçalves Dias. E a CPI pode se virar contra os golpistas

FLAGRA O general Gonçalves Dias, o GDias, circula pelo Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro. A CNN Brasil quer fazer a audiência crer que o militar está diretamente envolvido nos atentados, que resultaram em prisões

A rede brasileira CNN, o braço midiático do empresário Rubens Menin, exibiu na última semana uma reportagem com as imagens que integram a investigação do STF sobre os atos golpistas de 8 de janeiro e fortalecem a tese fantasiosa da participação do no ataque à democracia executado pela fina flor do bolsonarismo. Brasília viveu uma semana tensa e de cenas explícitas conspirações abiloladas. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Gonçalves Dias, pediu demissão. Ele goza da confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva há mais de 20 anos.

Jornalistas extremistas e parlamentares baderneiros do PL já atenderam ao apito: acusam, sem provas, o governo Lula. E a agora quem quer instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar os atentados contra a democracia é a base governista, O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, sinalizou  que o governo mudou de posição e agora orienta que líderes se posicionem favoráveis à abertura da CPI caso haja leitura de requerimento. 

Muitas emoções. Nos últimos dias, o noticiário brasileiro se esmerou na arte de caça ao tesouro para macular a imagem do governo Lula, que viveu semana difícil. A CNN Brasil foi o “apito de cachorro” para os colunistas da extrema-direita. A emissora obteve imagens do circuito interno de segurança do Planalto como uma cena em que Gonçalves Dias aparece. As imagens mostram o então ministro do GSI caminhando pelo gabinete.

Editadas para a exibição, a CNN passou a sugerir com as gravações que Dias teria envolvimento com os atos – ele pediu afastamento na quarta-feira, 19. O apito funcionou. Os extremistas, sedentos e cheio de ódio, começaram a corroborar teorias fantasiosas de que o governo e PT estariam implicados com os atos. As redes sociais ferveram. J.R Guzzo, escreveu no Gazeta do Povo, novo ninho de jornalistas raivosos: “A casa caiu. Foi o próprio governo Lula que armou a baderna do dia 8 de janeiro”. O jornal O Estado de S.Paulo insinua que o governo mantinha as imagens consigo, como se não estivessem em sigilo por conta do inquérito do Supremo Tribunal Federal, mas à disposição de Luça. Chega a ser infantil, se não fosse desonestidade.

Conforme esclareceu o próprio GSI, as imagens “fazem parte de inquérito instaurado no âmbito do STF, e o Gabinete de Segurança Institucional não autorizou ou liberou qualquer imagem que não fosse destinada aos órgãos investigativos responsáveis, tendo em vista a proteção do sigilo do inquérito, previsto no artigo 20 do Código de Processo Penal”.

Acuada diante das evidências de manipulação das imagens, a CNN chegou a ter que responder oficialmente que “repudia insinuações sobre a reportagem”. A emissora divulgou, finalmente e como deveria ter feito desde o início, a íntegra das imagens que mostravam Dias. O vídeo mostra o ex-ministro no local às 16h29, horário em que se davam as ações de dispersão dos vândalos que depredavam o Palácio do Planalto.

Recapitulando: a chegada dos invasores ao local ocorre perto das 15h. Mais precisamente, como diz a própria reportagem da CNN, “às 15h01 os criminosos invadem o estacionamento do Palácio do Planalto”.  O jornal O Globo foi mais honesto. Enquanto se dava o incêndio da CNN, mostrou o passo a passo dos atos e noticiou algo que a filial desnorteada da rede ignorou: o militar do GSI flagrado dando água a invasores que aparece nas imagens era da equipe de viagens de Bolsonaro e Mourão. Trata-se do capitão do Exército José Eduardo Pereira, que já é alvo de investigação da PF e da corregedoria interna do GSI. Ele foi indicado ao órgão na gestão do ex-ministro Augusto Heleno.

Fato é que a peça de ficção exibida pela CNN como reportagem ignora a cronologia dos fatos e distribui, na edição, imagens não sequenciais, desrespeitando a cronologia dos fatos, adequando a ordem das imagens de acordo com a narrativa que queriam construir: a de participação do governo. O trecho em que Gonçalves Dias aparece foi um dos mais recortados e distribuídos nas redes sociais. 

“Este que aparece na imagem é o ministro-chefe do GSI, general Marco Edson Gonçalves Dias. Ele está na antessala do gabinete presidencial enquanto há criminosos no local”, diz a locução do repórter Leandro Magalhães. O jornalista tem sido apontado como “elo de Bolsonaro na mídia liberal” e intocável nos bastidores da CNN.

O jornalista Leandro Demori publicou em seu perfil no Twitter a seguinte mensagem: “Navegando pelas redes do repórter da CNN Leandro Magalhães, que publicou o vídeo do G. Dias, há óbvia ligação com Bolsonaro. Fui investigar. Nos bastidores da CNN: “intocável”. E me deram a pista de onde conheceu o Bolsonaro: no PP, onde foi assessor da liderança”. Neste caso, é importante atentar para o que se fala e quem fala.

Em nota, o ministro Gonçalves Dias afirma que as imagens mostram a atuação dos agentes de segurança “em um primeiro momento, no sentido de evacuar o quarto e terceiro pisos do Palácio do Planalto, concentrando os manifestantes no segundo andar”. Ele argumenta ainda que “condutas de agentes públicos do GSI envolvidos estão sendo apuradas”.

O STF, por meio do ministro Alexandre de Moraes, determinou seu depoimento à investigação conduzida pela Polícia Federal. Na decisão divulgada na quinta-feira, 20, Moraes determinou que a PF identifique todos os militares que aparecem nos vídeos e informe se eles já foram ouvidos. A CNN segue se gabando de que todos os eventos se deram em decorrência da reportagem que divulgou imagens exclusivas – e mantidas em sigilo pela investigação, ignorando a fonte fértil de mentiras que abriram.

Até mesmo jornalistas mais “moderados” se sentiram à vontade para começar a dar credibilidade ao conto fantasioso da participação do governo nos atos, com infiltrados. O vídeo manipulado se espalhou e funcionou. Milhares de reproduções e outras manipulações reforçaram coro de esse é o motivo para que parlamentares de esquerda trabalhem para que a CPI não fosse aberta – ora, claro está o que a base bolsonarista queria com o circo. A CNN só fez escancarar o planejado e a munição, frágil e juvenil, que guardavam.

O feitiço, no entanto, parece ter se virado contra os feiticeiros de Brasília. Depois que a CNN divulgou a íntegra das imagens e pode se constatar que todas as ilações não passavam disso, ilações, a discussão da CPI dos atos de 8 de janeiro ganhou contornos, digamos, diferentes. O Planalto mudou de posição e a orientação agora é para que líderes se posicionem de maneira favorável se houver leitura do requerimento. Segundo o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), aliados de Lula querem apuração “ampla, geral e irrestrita” da CPI para investigar as circunstâncias dos ataques às sedes dos Três Poderes.

“As instituições estão funcionando de forma célere, cumprindo seu papel constitucional e vão continuar apurando até o fim para identificar os responsáveis pelos atos de 8 de janeiro”, disse Padilha. “Fizemos a análise da nova situação política pelo vazamento de imagens com servidores, terroristas, agentes civis e militares dentro do Palácio do Planalto”.

O deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou na quinta-feira, 20, que partidos da base de apoio ao governo ocuparão a presidência e a relatoria da futura CPMI sobre os atos golpistas de 8 de Janeiro. Segundo ele, os aliados “terão maioria” na CPI. Vale lembrar que o deputado que encabeça o requerimento, André Fernandes, do PL de Bolsonaro, está na mira das investigações do STF devido a vídeos comprometedores publicados em uma rede social a convocar “ato contra o governo Lula”.

A reportagem da CNN veio a coroar setores da imprensa que parecem já embarcar na tese da entrada do governo “na cena do crime”, totalmente descompromissados com a verdade, com a apuração devida e a notícia isenta.

Ao governo, a chance é de reparação de danos e erros estratégicos e primários, como a manutenção de bolsonaristas no GSI, gabinete instalado no segundo andar do Palácio do Planalto. Ali, há vários militares ligados diretamente ao ex-presidente Jair Bolsonaro, muitos investigados pelo comportamento de colaboração e viabilização da invasão em 8 de janeiro. As imagens divulgadas mostram exatamente isso: auxiliares do ex-ministro Gonçalves Dias dando água para os invasores e indicando uma saída de emergência. •

Supremo quebra sigilo

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou na sexta-feira, 21, a quebra de sigilo das imagens de 8 de janeiro das câmeras de segurança do Palácio do Planalto e o depoimento dos servidores do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) que aparecem nas cenas.

Dois dias antes, trechos do circuito interno de segurança do Planalto foram divulgados pela CNN Brasil. O ministro do Supremo exige o envio de “todo o material existente” em poder do GSI em até 48 horas, e afirma que a preservação integral das imagens “será aferida em posterior perícia”.

No despacho, Moraes também determina que o ministro-chefe do GSI em exercício, Ricardo Cappelli, envie cópia integral da sindicância instaurada, no âmbito do govrno, para apuração das condutas dos agentes públicos civis e militares envolvidos no episódio.

O ministro do STF afirma que a investigação dos ataques golpistas exige não só punição àqueles que “criminosamente pretenderam causar ruptura do Estado Democrático de Direito”, mas também aos agentes públicos civis e militares que “foram coniventes ou deixaram de exercer suas atribuições legais”.

O ex-ministro do GSI prestou depoimento na sexta após decisão de Moraes no âmbito do inquérito que investiga o ataque aos Poderes. O general da reserva passou cerca de 4 horas e 30 minutos na sede da Polícia Federal (PF), em Brasília. •

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