Cantor e humorista teve trajetória errática e morreu na Bahia. Foi autor de paródias e marchinhas memoráveis de sátiras políticas

O cantor, compositor  e humorista Juca Chaves, que morreu em 26 de março aos 84 anos, foi um tipo de artista que praticamente não existe mais. Com formação esmerada e de família de alta classe média, era, ao mesmo tempo, um diletante tanto na música como no humor, mas mirou o sucesso. Boêmio e debochado, criticava o poder com acidez e muita ironia, ao mesmo tempo em que dedilhava modas e valsas no seu alaúde, instrumento de cordas característico de trovadores medievais.

Nascido no Rio de Janeiro em 1938, formou-se em música clássica e tentou a sorte nas nascentes emissoras nos anos 1950. Deu tão certo que em 1957, gravou dois compactos seguidos, com canções que o tornaram famoso: a valsa “Por Quem Sonha Ana Maria?” e a paródia “Presidente Bossa Nova”, na qual satiriza os hábitos (e deslizes)  de Juscelino Kubitschek — “Mandar parente a jato pro dentista,/ almoçar com tenista campeão,/ também poder ser um bom artista exclusivista/ tomando com Dilermando umas aulinhas de violão/ Isto é viver como se aprova,/É ser um presidente bossa nova”.

Em 1962, lançou “As Músicas Proibidas de Juca Chaves” em que o tom político das letras e, de certa forma, antecipa a censura que viria depois do Golpe de 1964. Sem citar nomes, em “Caixinha, Obrigado”, espinafra a elite brasileira: “A mediocridade é um fato consumado/ na sociedade onde o ar é depravado/ marido rico, burguesão despreocupado/ que foi casado com mulher burra mas bela/ o filho dela é político ou tarado/ Caixinha, obrigado!/ A situação do Brasil vai muito mal/ Qualquer ladrão é patente nacional”.

Durante a ditadura, chegou a se exilar em Portugal e na Espanha, onde esboçou uma carreira internacional, lançando três discos em italiano. Voltou para o circuito de shows, entre o humor e a música nos anos 1970. Tinha uma capacidade muito peculiar de rir de si mesmo, usando suas características físicas como maneira de fazer marketing: devido à baixa estatura, comparava-se à Carmen Miranda e se apelidou de “o pequeno notável”.

Também apresentou e participou de diversos programas de televisão, que então investiam em programas de humor e na linha de shows. Com os primeiros ventos da abertura democrática, emplacou outros sucessos críticos a figuras da política, como o último presidente militar João Batista Figueiredo — “Upa, upa, upa, cavalinho sem medo/ Leva pra Brasília o presidente Figueiredo/ Cuidado com os pedestres proprietários da verdade/ Com os ônibus que pensam que são donos da cidade/ Não olhe para cima que o viaduto desabou/ Não olhe para baixo que é o buraco do metrô”.

O general, que era carioca, ficou conhecido pelos modos abruptos e pelo seu amor aos cavalos. Quando assumiu a Presidência, em 1980, chegou a responder a uma jornalista que havia perguntado se estava gostando do “cheirinho do povo”, Figueiredo respondeu:  “O cheirinho dos cavalos é melhor (do que o cheiro do povo)”. Figueiredo ainda cometeu uma gafe ao dizer que se ganhasse um salário mínimo, “dava um tiro no côco”.

Apesar de todo o deboche, Juca Chaves tentou entrar para a política no anos 2000, quando se lançou como candidato ao Senado pelo PSDC na Bahia — o cantor morava em Salvador desde 1975). Não foi eleito. Ainda teria um momento de notoriedade quando entrou na onda anti-corrupção e defendeu a Lava-Jato numa nova paródia musical, adotada pelos manifestantes de direita. •

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