O ex-presidente reaparece em Brasília, depois de uma temporada de três meses nos Estados Unidos, tentando fugir de investigações sobre os delitos cometidos ao longo dos últimos quatro anos. Além do escândalo das joias, Bolsonaro enfrenta ações na Justiça Eleitoral e tem contra si 700 mil mortes por covid-19 na pandemia

Brasília, 30 de dezembro de 2023. Às 6h37, o homem que é acusado de ser “um perigoso marginal, um delinqüente, um facínora, o inimigo público número 1”, e que carrega nas costas a morte de 700 mil brasileiros por sua irresponsabilidade na condução da pandemia no Brasil em três anos, desembarcou no aeroporto da capital federal. O ex-capitão vinha de Orlando, nos Estados Unidos. Jair Messias Bolsonaro foi recebido por pouco mais de 200 pessoas. Aos gritos, os aloprados bolsominions gritavam: “o mito voltou”.

Pois o mito voltou para a cena dos crimes que cometeu ao longo dos últimos quatro anos. Desembarcou saltitante e disposto a fazer caras e caretas. Deu declarações como se fosse o líder das massas e, em nome da oposição, vociferou contra o governo do presidente eleito em outubro, que o derrotou nas urnas: “Lula não fará o que bem entender com o país”. O tom de indignação soa falso, diante da montanha de acusações que o ex-presidente tem contra si. Ele pode ser declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral por apontar fraude nas urnas.

Bolsonaro terá de se ver ainda com a Justiça Federal, por conta do mais novo escândalo de corrupção que o envolve junto com a mulher Michelle. Ele é investigado por crime de peculato, no desvio de até três lotes de joias preciosas entregues pela ditadura saudita como presente para o Estado brasileiro.

Relógios, pulseiras e colares de diamantes foram desviados por representantes do governo brasileiro para serem entregues diretamente nas mãos do ex-mandatário. Impostos não foram recolhidos e o ex-presidente tentou usar o peso do cargo para “incorporar” as joias no valor de US$ 3 milhões ao seu patrimônio. Em bom português: ele roubou patrimônio público.

Ao descer no aeroporto de Brasília, não explicou porque levou na mão grande outros dois presentes milionários entregues pelo governo da Arábia Saudia, dois estojos com relógios da grife Chopard, crivados de diamentes, acompanhados ainda de canetas tinteiro e abotoaduras. Disse que recebeu joias “porque eles são riquíssimos”.

E saiu pela tangente: “A rainha da Inglaterra ganhou R$ 50 milhões. Eles (reino da Arábia Saudita) têm dinheiro, pô! É o prazer deles dar o presente. Esse sheik me convidou, eu fui na casa dele, fiquei na casa dele. Ele tem coisas que nós não temos: três esposas, por exemplo. Eles são muito bem sucedidos. São riquíssimos, e eles procuram agradar às pessoas. Mas sou um cara que continuo com o meu reloginho aqui, graças a Deus”.

A Polícia Federal intimou o ex-presidente a depor no inquérito que investiga a entrada ilegal de joias no país. O testemunho do ex-capitão do Exército ocorrerá nesta quarta-feira, 5. Ele terá de explicar as circunstâncias em que recebeu as joias entregues por autoridades brasileiras — uma caixa foi dada nas mãos de Bolsonaro no final de 2021 pelo então ministro das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque. Outra caixa está escondida na fazenda do ex-piloto de automóveis Nelson Piquet.

Desde janeiro de 2019, quando assumiu a Presidência, Bolsonaro foi alvo de mais de 160 processos em tribunais de 17 estados e do Distrito Federal, ao longo dos primeiros 2 anos e 8 meses de governo. As ações vão desde a atuação do seu governo durante a pandemia até o uso da máquina pública em benefício próprio, crimes ambientais, porte de armas de fogo, apologia à ditadura militar e outros atos de improbidade administrativa, corrupção e peculato.

Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a enviar às instâncias inferiores, alguns dos casos em que Bolsonaro figura como parte, em razão da perda do foro privilegiado que gozava  até o final de dezembro. A ministra Cármen Lúcia despachou, para a alçada do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, oito queixas-crimes que estavam sob sua responsabilidade, declinando a competência do STF para julgá-las. Os ministros Edson Fachin e Luiz Fux enviaram duas ações para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

Mas ainda restam no STF outros pelo menos seis inquéritos, entre eles os que tratam dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, do vazamento de dados de investigação sigilosa da Polícia Federal, de interferência política na PF, de difusão de fake news e de declarações dadas durante a pandemia da Covid-19. Os casos estão nas mãos do ministro Alexandre de Moraes, que foi alvo de ataques ao longo de 2020, 2021 e 2022, tendo sido chamado de “canalha” pelo ex-presidente. •

`