Dois meses depois de deixar o governo federal, vem à tona um novo escândalo envolvendo Bolsonaro. O ex-presidente tentou trazer ao Brasil em 2021, de forma irregular, joias avaliadas em R$ 16,5 milhões. PF entra no caso para apurar os crimes

Um novo escândalo de corrupção atinge em cheio o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Na sexta-feira, 3 de semana, o jornal O Estado de S.Paulo revelou que, em 2021, o ex-ministro das Minas e Energia Almirante Bento Albuquerque tentou entrar no aeroporto internacional de São Paulo, com jóias de diamante no valor de mais de R$ 16,5 milhões sem declará-las às autoridades alfandegárias.

O ministro desembarcou da Arábia Saudita, depois de participar de uma reunião de cúpula do Oriente Médio, em 26 de outubro de 2021. Ele disse que as jóias — um conjunto de brincos, um colar, um anel e um relógio da marca suíça Chopard — eram presente da ditadura saudita ao então presidente do Brasil. O governo Bolsonaro poderia entrar com o pequeno tesouro mediante o pagamento de tributação de R$ 12 milhões. Ou, gratuitamente, caso a comitiva declarasse que as joias eram presente para o país, e não para a família Bolsonaro.

A Polícia Federal abriu uma investigação sobre o caso para apurar se Bolsonaro estava tentando colocar as jóias secretamente no Brasil para evitar impostos ou impedir que entrassem na coleção pública da Presidência da República. Se fosse incorporado ao Patrimônio da União, ele não poderia levá-las quando deixasse o cargo. As denúncias apontam ainda para uma série de ingerências que o próprio ex-presidente fez, na tentativa de reaver as joias de diamantes apreendidas pela Receita Federal.

O ministro da Justiça, Flavio Dino, determinou à PF uma investigação para apurar possíveis crimes de lavagem de dinheiro ou apropriação indevida. “O inquérito vai ser feito e, claro, que a essas alturas, existem indícios muito nítidos de que há múltiplas possibilidades de cometimento de crime”, disse. No sábado, 4, Bolsonaro disse que está sendo acusado de ter recebido um presente que nunca pediu e não recebeu. Mas o ex-presidente é ainda acusado de pressionar o então chefe da Receita Federal para que os fiscais da alfândega liberassem indevidamente as joias, sem o pagamento de impostos.

Os atos de coação que o ex-secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes praticou contra os servidores do órgão resultaram em denúncias levadas à Corregedoria do Ministério da Fazenda. Para conseguir liberar as joias, Gomes pressionou servidores de diversos departamentos, por meio de mensagens de texto enviadas por aplicativos como WhatsApp, gravou áudios, fez telefonemas e encaminhou e-mails sobre o assunto. Tudo para agradar a Bolsonaro.

A pressão chegou também a subsecretários do órgão. Os funcionários da Receita não cederam às ordens. O ex-chefe da Receita Federal foi nomeado pelo governo Bolsonaro para um cargo em Paris após tentar articular a entrada das joias. Julio Cesar Vieira Gomes foi brindado com o cargo de adido em Paris no apagar das luzes do governo Bolsonaro. O despacho foi assinado pelo então vice-presidente Hamilton Mourão em 30 de dezembro do ano passado, quando Bolsonaro já havia abandonado o país para fixar-se temporariamente em Orlando, na Flórida. A nomeação para o cargo na França foi derrubada pelo atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, logo no início de janeiro.

A história envolvendo o “mimo” do governo saudita é cheia de contradições. Bento Albuquerque admitiu incialmente que as joias eram um presente para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Depois, mudou a narrativa. Alegou que o presente era para o Estado brasileiro, mas não explicou porque as joias não foram declaradas junto à Alfândega.

O governo do ditador saudita, Mohammed bin Salman, a quem Bolsonaro considera “um irmão” e fez diversos elogios ao longo do seu mandato, é alvo de diversas denúncias contra os direitos humanos, inclusive o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, que morreu esquartejado após entrar em um consulado saudita em Istambul, na Turquia. O governo brasileiro mantém relações formais com a ditadura saudita, mas sob Bolsonaro as ligações se tornaram muito mais próximas.

Na quarta-feira, 8, imagens exibidas pela TV Globo mostram que Bento Albuquerque afirmou na alfândega do aeroporto de Guarulhos que as joias eram para Michelle. “Isso tudo vai entrar lá para a primeira-dama”, afirmou o ex-ministro ao defender a entrada do pacote sem o pagamento do imposto devido. Os servidores da Receita ofereceram a alternativa de declarar os bens como patrimônio do Estado, mas a comitiva de Bento Albuquerque declinou.

Na quinta-feira, 9, o corregedor da Receita Federal João José Tafner teve sua exoneração do cargo publicada no Diário Oficial da União. Ele havia apresentado seu pedido de demissão, após ameaça de saída coletiva de servidores da Corregedoria. Indicado ao posto pela família Bolsonaro, Tafner declarou que sofreu pressão para não apurar denúncias envolvendo informações sigilosas de desafetos do ex-presidente. O mandato dele como corregedor terminaria apenas em fevereiro de 2025.

Ao longo da semana, descobriu-se que Bolsonaro recebeu também outro pacote de joias da ditadura saudita como presente, trazido também por Bento Albuquerque. Um recibo foi apresentado pelo ex-ministro com data de 29 de novembro de 2022, que mostra apenas joias masculinas: relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário. O conjunto foi avaliado no valor de R$ 400 mil e as joias foram “incorporadas pelo ex-presidente ao seu acervo pessoal”. De acordo com Bento Albuquerque, essa segunda caixa passou pela alfândega sem problemas e teria ficado sob a guarda do ministério por mais de um ano. •

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