Professor de economia diz que o Banco Central está errado ao insistir em juros altos para reduzir a carestia, porque a economia não está aquecida. “O combate à carestia é como uma caixa de ferramentas, dependendo da causa. Eu preciso de um instrumento. Então, se eu for apertar um parafuso, eu não vou pegar um martelo para bater no parafuso. O Banco Central usa martelo para tudo”

A taxa Selic que vem sendo aplicada pelo Banco Central não é um remédio para o problema da inflação que o país enfrenta. Esta é a principal crítica do economista, pesquisador e professor da Unicamp, Pedro Rossi. Na última semana, o próprio Roberto Campos Neto admitiu que a meta de inflação é impossível de ser cumprida em 2023.

O presidente do BC afirmou que seria necessário que a Selic fosse a 26,5% para manter a inflação em 3,5%. Apesar de admitir o problema, a declaração do chefe da política monetária não sinaliza um aumento da meta. Isso, consequentemente, resultaria na diminuição da taxa de juros. Campos Neto apenas estava afirmando que o “remédio” deve ser mais amargo.

Enquanto o ortodoxo discípulo de Paulo Guedes tenta manter a narrativa que vigorava sem questionamentos até que Lula assumisse uma postura crítica contra a estratégia do BC, a realidade é que a política monetária só tem provocado queda da economia, aumento do desemprego e da pobreza.

“O Banco Central aumentar os juros não vai fazer cair o preço do ovo porque ele não interfere na alimentação das galinhas nem no fato da galinha botar mais ou menos ovo. Ele interfere na fila do ovo”, afirma Pedro Rossi.  

O professor diz que Lula está tomando medidas corretas para fazer com que a economia retorne aos trilhos, partindo para um modelo de “crescimento distributivo” que vigorou no país durante os governos petistas.

Por enquanto, Rossi considera o novo arcabouço fiscal menos ousado do que poderia ser, mas acredita que o Brasil está saindo de um “período sombrio” e que os desafios pela frente são grandes, mas precisam ser vencidos para impedir a volta da extrema-direita ao poder. A seguir, leia trechos da entrevista:

Focus Brasil — Como a estratégia do Banco Central com relação à taxa de juros afeta a economia brasileira?

Pedro Rossi — Este Banco Central fez a maior alta de juros da história brasileira recente desde 1999. Aumentou a taxa de 2%, em março de 2021, para 13,75% que é essa que temos agora e é a maior taxa de juros do mundo, disparado. E é a maior taxa de juros do mundo em uma economia desacelerando. Isso é importante porque a taxa de juros é feita para combater inflação de demanda. Ou seja, quando a economia está muito aquecida, a taxa de juro desacelera a economia para compatibilizar oferta e demanda. E o BC usa a taxa de juros indiscriminadamente, mesmo a economia em desaceleração.

— Por que isso é importante?

— Porque a taxa de juros não é o único instrumento que nós temos. O combate à inflação é como uma caixa de ferramentas, dependendo da causa. Eu preciso de um instrumento. Então, se eu for apertar um parafuso, eu não vou pegar um martelo para bater no parafuso. O Banco Central usa martelo para tudo. Como eu resolvo uma inflação de alimentos, por exemplo, se o diagnóstico é inflação de demanda? Eu faço as pessoas pararem de comer. O Banco Central aumentar os juros não vai fazer cair o preço do ovo porque ele não interfere na alimentação das galinhas, nem no fato da galinha botar mais ou menos ovo. Ele interfere na fila do ovo. As pessoas têm menos renda, estão desempregados e não vão comer ovo. Ou seja, as pessoas passam fome. É uma leitura de inflação completamente equivocada.

E aí dizem na grande mídia que o Banco Central está cumprindo seu papel, a inflação prejudica o mais pobre logo, a autoridade monetária está ajudando o mais pobre a combater a inflação. Isso é errado. Porque o importante do combate à inflação é o poder de compra das pessoas, é preservar o poder de compra das pessoas. Só que isso não depende só da inflação. A inflação é terrível porque corrói o poder de compra, mas o poder de compra depende também do emprego e da renda. Então, o Banco Central, quando combate a inflação com desemprego, ele não está cumprindo a sua função. Ele está prejudicando os mais pobres. Ele está freando economia, gerando mais desemprego e queda da renda. Não adianta o preço do ovo ficar mais barato se a pessoa não tem emprego para comprar ovo. Essa é que é a lógica. A política monetária deste BC fez opção pelo desemprego. E aí isso vai sobrecarregar as políticas sociais que vão ter que lidar com uma população com menos renda. E, evidentemente, vai na contramão dos planos do Lula, que é acelerar a economia, botar a economia para andar e gerar bem estar social.

— Estamos numa encruzilhada.

— Eu vejo com preocupação a atuação do Banco Central por ter taxas de juros muito altas. E aí entra o papel do governo, que é usar o Conselho Monetário Nacional para enquadrar o Banco Central. O BC é independente operacionalmente, ou seja, pode manejar o instrumento da forma que achar melhor e a diretoria tem mandato. Mas quem dá o objetivo da política monetária, ou seja, a própria meta de inflação, é o Executivo, é o Conselho Monetário Nacional, onde senta o Banco Central, mas senta também o ministro da Fazenda e a ministra do Planejamento. Então, é possível amenizar e orientar a gestão do BC, fortalecendo o Conselho Monetário Nacional. E aí tem um ponto que é importante. A meta de inflação é muito baixa, é incompatível com uma economia que tem questões estruturais importantes como a indexação, no caso brasileiro. A meta muito baixa vai exigir juros cavalares e um custo social muito, muito alto, considerando essa lógica do BC.

— O senhor mencionou a forma como a mídia trata a questão. Quando Lula começou a criticar a atuação do Banco Central, sofreu um ataque de parte da imprensa. Mas me parece que o governo conseguiu equilibrar o debate, porque acabou conseguindo angariar apoios importantes nessa disputa narrativa.

— O papel do Lula nesse debate foi fundamental. Se o presidente não trouxesse à tona a questão dos juros, a gente estaria até hoje naturalizando que o Banco Central está fazendo o correto, que é isso mesmo. Não haveria esse debate, inclusive na própria mídia, porque, como o Lula gerou incômodo na imprensa, a mídia começou a ouvir outras vozes. “O que está falando”? “O que fundamenta”? E nós fomos convocados para fazer um debate mais amplo. Ou seja, é fundamental. Se o Lula não tivesse feito isso, o Banco Central estaria muito mais confortável onde está, com os juros onde estão. No Brasil, a gente naturaliza absurdos.

— O Brasil está num processo de saída da regra do teto de gastos, que perdeu credibilidade para o mercado porque foi desrespeitado, não porque era ruim para o social. Agora, estamos vendo a apresentação da nova regra fiscal. Qual é a sua opinião sobre essa mudança?

— Os detalhes da regra ainda vão ser anunciados. Anunciou-se o arcabouço geral. Uma primeira observação que é necessária e importante, é que é um evidente avanço em relação ao teto do [Paulo] Guedes. Ou seja, viramos um período sombrio da história. A proposta é mais flexível, é criativa na tentativa de amenizar o caráter pró-cíclico do sistema, ou seja, quando a economia está aquecida, o Estado tende a aquecer mais, quando está desaquecida, tende a desaquecer mais. E a proposta é até inovadora em alguns aspectos. Do ponto de vista internacional,  tem elementos ali nas regras que são tecnicamente inovadores para alguém que estuda o tema. Agora, a regra também traz algumas preocupações que vou colocar aqui. Primeiro, o teto de crescimento do gasto primário é de 2,5%, ou seja, no máximo o gasto público vai crescer 2,5% em relação ao ano anterior, com algumas exceções que estão fora desse teto. Esse patamar é inferior ao crescimento real médio dos governos Lula anteriores, os governos Lula 1 e 2, que foi em torno de 5,2%. Então, a gente está falando de um crescimento do gasto que é o dobro do que está proposto nessa regra.

O governo Dilma cresceu o gasto público primário, em média 13,5%. E mesmo o governo Fernando Henrique cresceu o gasto público a taxas maiores. Ou seja, esse crescimento do gasto permitiu a expansão dos serviços públicos, programas sociais, da seguridade, do investimento público, lá atrás. O Lula conseguiu entregar bem estar social em grande parte por um crescimento do gasto público nos seus dois primeiros governos. E me parece que este teto restringe essa entrega. Os 2,5%, provavelmente, não vão ser atingidos se não houver um aumento de carga tributária. Daí a importância de o governo fazer o aumento de carga tributária para atingir a meta.

— O desarranjo da economia nacional, esse rombo que o Bolsonaro deixou quase quebrando o Estado para tentar vencer as eleições, não é o motivo que faz com que o teto de gasto seja mais conservador do que a política econômica que empreendemos no primeiro e no segundo governo?

— Essa é uma leitura possível, mas vejo por outra ótica. Acho que esse desmonte que feito nos governos Temer e Bolsonaro exige uma reconstrução que demanda gasto público. Ou seja, a gente precisa recuperar mercado de trabalho, emprego, recuperar áreas sociais que durante anos foram sucateadas. A gente precisa colocar o Brasil na trilha do crescimento. A gente precisa dar horizonte de planejamento. Se tem uma coisa que o modelo econômico neoliberal implementou é uma visão curto prazista em que o desenvolvimento é resultado espontâneo das forças de mercado e o Estado não tem obrigação nenhuma de fazer planejamento.

Então, o que o Lula está trazendo de novo é essa visão de colocar a economia nos trilhos, de pensar o médio prazo, o longo prazo. Um plano de investimento, descarbonização da economia, pensar uma economia verde, gerar bem estar para as pessoas, investimentos em saúde e educação. Ele fala o tempo todo na palavra investimento, ou seja, recuperar o investimento público que durante os governos Temer e Bolsonaro não repunham sequer a depreciação. Quer dizer, a estrada ficava esburacada, o investimento público não conseguia nem tapar os buracos.

Eu falo da estrada, mas também do porto, de toda a logística que tem saneamento, etc. Então, esse desmonte demanda um esforço do Estado que não é só o gasto público, mas é gasto público também. Na minha visão, acho que poderia ser mais ousado. A direção poderia priorizar o médio prazo, o crescimento e o emprego. Olhar de baixo para cima quais são as necessidades da economia, qual é o plano de investimento que precisamos e, para isso, qual a regra de gastos adequada que iria compatibilizar receita e despesa. O meu medo é entregar resultado fiscal, estabilização da dívida, mas não entregar crescimento e emprego. Se não entregar crescimento e emprego, aí há um risco da volta da extrema direita. Este é o risco que eu vejo.

— Qual é a importância do novo Bolsa Família para o resultado da economia, inclusive, na geração de emprego e renda?

— É total, fundamental. Acho que agora a gente tem uma política social de volta aos trilhos. O Bolsa Família é um programa extremamente estudado, elogiado e premiado. E agora o Bolsa Família volta com um alcance ainda maior, um programa melhorado e certamente vai promover uma revolução social com relação aos anos anteriores e tem efeito dinâmico no crescimento.

O crescimento não é só o gasto público e não é só investimento público, não é só, vamos dizer assim, o regime fiscal que vai determinar se vai crescer ou não. Como eu disse, tem um freio da política monetária na economia. A política fiscal pode representar um outro freio, mas existem outros determinantes do crescimento.

O crédito público, por exemplo, é importante que o BNDES assuma um papel fundamental, com Aloizio Mercadante presidente, de estimular a economia, investimento, organizar os recursos da economia para estimular setores de maiores produtividade, maiores encadeamentos produtivos, estimular o complexo econômico industrial da saúde que é importante e que fundamenta o direito à saúde fornecido pelo SUS.

Então, é possível, ao estimular esse complexo econômico industrial da saúde gerar crescimento, inovação, emprego e, ao mesmo tempo, gerar bem-estar porque haverá um serviço de saúde melhor. Há vários instrumentos para gerar crescimento econômico. Agora, a situação é desafiadora porque o cenário externo não está dos melhores e herdamos uma economia em desaceleração. Então, neste momento, é importante mirar o mercado de trabalho, o investimento e tentar acelerar a economia porque nos próximos trimestres as expectativas de crescimento não são boas.

— Sobre o aumento de carga tributária, Haddad disse que não haverá aumento para a sociedade como um todo. Estão focando no fim de alguns subsídios e na instituição do imposto sobre lucros e dividendos, que incidiria em toda a cadeia econômica. Em todo lugar do mundo tem esse tributo. Se, de fato, o Congresso assumir a tese de que é possível aprovar a volta da cobrança, que existiu e  o FHC extinguiu, isso não daria um acréscimo de receita para a União?

— Esses são pontos importantes. Tem que aumentar a carga tributária porque a nova regra fiscal depende do crescimento da receita. Então, se a gente quiser gastar mais, precisamos arrecadar mais. E há uma calibragem de receita e gasto que pode estimular o crescimento. Tem alguns gastos públicos que têm efeitos dinâmicos melhores do que outros. Você falou no Bolsa Família, que tem efeito multiplicador. Coloca dinheiro no bolso de alguém que é mais pobre, essa pessoa vai no supermercado e compra. O supermercado vende. Isso estimula a economia. Você “bota” um dinheiro no bolso de alguém rico, essa pessoa vai aplicar em algum lugar, o dinheiro vai ficar lá parado. Então, o efeito é menor. Ao calibrar receita e despesa, conseguimos ter efeitos dinâmicos na economia e recuperar o crescimento. Eu acho que não necessariamente precisa aumentar impostos para ter um aumento da carga. Tem receitas extraordinárias, você citou algumas. E o que é fundamental: tem que recriar o imposto sobre lucros e dividendos que foi extinto pelo governo Fernando Henrique e que gera uma distorção enorme no nosso sistema.

O Brasil é um dos países que mais tem empresas no mundo. Não é porque somos empreendedores, mas é porque houve um fenômeno da “pejotização”. Todo mundo abre uma empresa para pagar menos imposto, porque abre a empresa, recebe pela empresa, transfere para si mesmo sem pagar nenhum imposto. Ou seja, transfere lucros e dividendos e não é taxado. Recuperar esse imposto é fundamental. Isso está previsto na reforma tributária. Eu acho que tem que ser discutido desde já como que a gente vai desenhar esse imposto. É fundamental, por mais que não haja aumento de impostos em geral, é necessário que haja um aumento da receita. E esse aumento pode ser conseguido de outras formas, com receitas extraordinárias, revendo subsídios, fazendo uma limpa na tributação brasileira, tornando-a mais eficiente.

— O que o governo Bolsonaro representou para o Brasil, especificamente, com relação à economia? A imprensa continua tentando apontar como culpado pela situação o pensamento desenvolvimentista que direcionou os governos do PT.

— Do ponto de vista econômico, Bolsonaro não é uma inovação em relação ao governo Temer. Foi uma continuidade da ‘Ponte para o Futuro’, um projeto econômico que fracassou redondamente. O crescimento brasileiro de 2015 para cá é pífio e se a gente comparar com o cenário internacional, a gente vê que o Brasil teve um desempenho medíocre. Este modelo econômico que estava lá no Temer, baseado na austeridade fiscal e nas reformas privatizantes. Ou seja, eu tiro do Estado os instrumentos para gerar crescimento e distribuição.

Este projeto é a antítese do que foram os governos Lula e Dilma, em especial Dilma 1. Esse modelo de crescimento do Lula e Dilma é um modelo que chamo de modelo de crescimento distributivo, baseado no mercado interno com instrumentos — como o salário mínimo crescia acima do próprio crescimento econômico, tendo ganho real, como a política social, o Bolsa Família. Eram elementos dinâmicos que geravam crescimento, que geravam investimento e inclusão social. Em determinado momento, quando se desacelerou o crescimento econômico lá com Dilma, por vários motivos, começou uma campanha contra esse modelo econômico.

Em 2014 o debate era: o salário está crescendo acima da produtividade, o mercado de trabalho está superaquecido, é necessário gerar desemprego, alguns diziam. Ou seja, queriam desmontar o modelo de desenvolvimento junto com o seu instrumento. Um conflito distributivo. Os trabalhadores foram ganhando e chegou uma hora que os empresários falaram “olha, tá difícil contratar porque o mercado de trabalho está aquecido, os salários estão subindo muito, então, vamos para cima”. A ideia era gerar desemprego. Mas não só. Eles não queriam só gerar desemprego. Queriam desmontar os instrumentos que estavam na Constituição de 1988, que garantiam a expansão do gasto público. E, no caso brasileiro, o gasto público, é bom dizer, cresce pela opção que fizemos lá atrás, que é a construção de Estado de bem-estar social. Cresce porque a gente tem uma seguridade social, tem saúde pública e educação pública.

Foi esse crescimento do gasto que começou a ser combatido. Qual era a tese conservadora lá no governo Dilma? Era que a desaceleração econômica é causada pelos excessos. A tese dos excessos.

— Excesso de que?

— De gasto público, intervencionismo do Estado, de aumento de salário mínimo, de atuação das estatais, de controle dos preços administrados. Havia “excesso de Estado”. Essa era a tese. E qual é a receita? É reduzir o Estado, a começar pelo pilar desse processo da ‘Ponte para o futuro’, que é a Emenda Constitucional 95. Então, reduz o Estado constrangendo o aumento do gasto. O que o governo Temer fez? Congela o gasto público, quando a economia crescer, o gasto vai cair em relação à economia, o tamanho do Estado cai em relação à economia, a população cresce e o tamanho do gasto cai em relação à população. Além disso, desmontam-se os outros instrumentos, as estatais, os bancos públicos, os instrumentos regulatórios. E o Brasil virou um caos. A economia não cresceu. E não nos recuperamos do tombo.

Essa leitura não está clara. A imprensa continua com o diagnóstico que o que gerou a crise 2015-2016 foram os excessos. Então, é preciso reafirmar que não foram os excessos. Havia ali um conflito distributivo, que é necessário retomar um modelo distributivo, com ajustes evidentemente adequados às novas situações. Mas é necessário retomar esse modelo distributivo sem os constrangimentos que nos foram impostos antes e retomar os instrumentos que o Estado tem para gerar crescimento e desenvolvimento: as estatais, os bancos públicos, o gasto público, o investimento público, a política social forte. Então, acho que essa é a batalha da narrativa. Mas a gente tem que ter claro que o modelo neoliberal imposto pelo Golpe de 2016, o Bolsonaro radicalizou. Porque o Paulo Guedes é a continuidade radicalizada daquele processo que estava em curso. Este modelo neoliberal fracassou e é necessário recriar o modelo distributivo que estava vigente sob os governos Lula e Dilma.

— Mas o que espanta é que a imprensa tenta ignorar o fato de que o modelo fracassou.

— Sem dúvida. Ignoram o fato, ressuscitam velhos debates, apesar de algumas nuances e algumas modificações que a gente sente. Esse debate, por exemplo, sobre a nova matriz macroeconômica, virou um espantalho que é o sinônimo dessa narrativa dos excessos. E se atribui à nova matriz os fracassos. Só que, veja, a nova matriz acabou em 2014.

O Brasil não consegue crescer em 2021, 2022, como que a nova matriz gerou efeitos tão defasados? Isso eles não conseguem explicar. Por que o Brasil cresce menos que o mundo? Por que a recuperação da pandemia foi muito inferior a outros países? E a resposta está nos constrangimentos, na forma como a política fiscal foi amarrada, na forma como o Estado brasileiro contribui negativamente para o crescimento econômico, na forma como a gente tem o mercado de trabalho absolutamente estagnado e agora informalizado. Então, é preciso rever isso e apontar os dedos, ou seja, disputar a narrativa econômica.

— Thomas Piketty, recentemente, fez uma declaração ao Le Monde dizendo que se não se criar um tributo mundial sobre o capital, eles tendem a tirar o dinheiro dos países de origem e colocá-los em paraísos fiscais.

— Sem dúvida, o capital é um instrumento distributivo e responsável pela desintegração social que a gente vive hoje. O capital é incompatível com o que chamam de meritocracia porque, no fundo, se eu tenho capital, recebo dinheiro sem trabalhar. E isso não faz nenhum sentido do ponto de vista meritocrático. Quanto mais concentrado esse capital, pior esse processo. E o que a gente observa nos anos recentes é uma concentração muito grande do capital e um aumento brutal da desigualdade. Sem rever esse processo, sem enquadrar o capital, sem questionar a forma como são distribuídos os recursos, a gente não constrói uma sociedade justa porque sempre vamos ter sobre as nossas cabeças um instrumento que extrai renda dos mais pobres, dos trabalhadores. O capital é isso, é um instrumento que extrai renda dos trabalhadores. •

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