Cai a máscara de Moro
Uma semana depois de posar de vítima diante do Brasil, como personagem de uma trama do PCC para eliminá-lo em ação espetacular autorizada por sua pupila, o ex-juiz da Lava Jato não consegue refutar as acusações de Tacla Duran de que foi vítima de extorsão. O advogado acusa o compadre do senador de obrigá-lo a pagar US$ 615 mil para não ser preso. Ao entregar as provas, ele pede proteção da Justiça e o caso agora está no STF
A máscara de bom moço e juiz implacável que Sergio Moro ostenta como um combatente do crime e paladino contra a corrupção foi mais uma vez trincada. O advogado Tacla Duran, que atuou na defesa da Odebrecht, entregou documentos à Justiça Federal que comprovam ter sido extorquido pelo padrinho de casamento de Moro e da atual deputada Rosângela Moro (UB-SP), Carlos Zucolotto Júnior. Ele é sócio da mulher do ex-juiz em um escritório de advocacia.
Para evitar ser preso, Tacla Duran teria de pagar propina para o esquema, que envolveria ainda o coordenador da Lava Jato no Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol, atualmente deputado federal pelo Podemos do Paraná. O caso agora está nas mãos do Supremo Tribunal Federal. E desmoraliza de vez todo o discurso tacanho de Sergio Moro, que ocupou o Ministério da Justiça no governo Bolsonaro, após determinar a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tirá-lo da corrida presidencial em 2018. As revelações de Tacla Duran são estarrecedoras.
Na audiência, Tacla Duran revelou que, em 2016, Zucolotto procurou-o para exigir o pagamento de US$ 5 milhões em troca de benefícios em um acordo de delação com a Operação Lava Jato. O juiz Eduardo Appio, responsável pelo casos da Lava Jato em Curitiba, determinou que Duran seja incluído no programa de proteção a testemunhas do governo federal. O pedido foi feito após ele ter prestado depoimento ao próprio juiz e à Polícia Federal na qual ratificou a acusação de extorsão.
Na conversa, que Tacla Duran guardou e entregou como prova, Zucolotto disse que acertaria os termos do acordo de colaboração com DD (iniciais de Deltan Dallagnol). Um mês depois, Tacla Duran fez uma transferência de US$ 613 mil dólares ao escritório de Marlus Arns. Tanto Zucolotto quanto Arns têm relação profissional com Rosângela Moro. Zucolotto era sócio da esposa do então juiz e Marlus atuava com Rosângela em casos da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e também em processos da chamada Máfia das Falências. O advogado entregou a cópia do depósito bancário ao juiz federal.
Appio pediu já na terça-feira, 28, que a Polícia Federal abra de forma “urgente” um inquérito para apurar as acusações apresentadas pelo advogado contra Sergio Moro e Deltan Dallagnol. Como ambos agora são parlamentares — e têm direito a foro privilegiado, uma bandeira que ambos queriam derrubar quando estavam na Lava Jato — o caso subiu para o STF e deve ficar por enquanto nas mãos do ministro Ricardo Levandowski.
Flagrado diante das provas, Moro reagiu à sua maneira. Disse que Tacla Duran é réu confesso e desdenhou das acusações, dizendo que não tem medo de uma investigação. Mas, na quarta-feira, 29, o senador entrou com um recurso. Disse que Appio foi alvo de uma arguição de suspeita formulada pelo MPF sobre sua atuação em todos os feitos da Lava Jato. E não poderia toca o caso. Ele pediu ao próprio juiz que se abstenha de praticar novos atos no processo até que seja julgada a arguição do MPF.
Sobre a denúncia, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro alega que o juiz realizou a audiência para “colher notícia crime ‘requentada’”, envolvendo parlamentares que atuaram na Lava Jato, em relação aos quais Appio tem, reiteradamente, criticado em várias entrevistas na imprensa. “O revestiu-se de caráter inusitado”, diz a defesa do senador Sergio Moro. Na Câmara, Deltan Dallagnol (Pode-PR) reagiu indignado. Se diz vítima da perseguição do juiz Eduardo Appio a quem acusa de agir com parcialidade.
As provas entregues agora por Tacla Duran reforçam as denúncias levantadas pelo próprio advogado no auge da Lava Jato. As primeiras acusações foram reveladas pela jornalista Monica Bergamo, da Folha, ainda em 2017. Na época, o advogado afirmou, no rascunho de um livro, que Zucolotto prometeu facilidades a ele na Lava Jato em troca de dinheiro. Segundo Tacla Duran, as conversas entre ele e Zucolotto envolveriam abrandamento de pena e diminuição da multa que deveria ser paga em um acordo de delação premiada que seria fechado com o Ministério Público Federal, cujo coordenador da Lava Jato era ninguém menos que Deltan Dallagnol.
O amigo de Sergio Moro e sócio de Rosângela Moro pediu US$ 5 milhões para liberar uma conta de US$ 15 milhões que estava bloqueada. Ele recebeu e-mail no qual um dos procuradores explicava como seria feita o esquema. A Lava Jato indicaria uma conta vazia de Tacla para bloquear a quantia. Não sendo encontrada a dinheirama, viria a multa de US$ 5 milhões de dólares. E a conta de US$ 15 milhões estaria então liberada, com os procuradores fazendo vista grosso. Um golpe perfeito. Mas Tacla Durán se recusou a continuar colaborando. Pagou uma parte do dinheiro prometido para ter a prova, agora finalmente entregue à Justiça.
Para contornar a possível intromissão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, que atua como guarda pretoriana de Moro e da Lava Jato, Tacla Duran viu agora a oportunidade perfeita ao citar Deltan, Moro e Rosângela. Como os três têm prerrogativas de serem investigados apenas pelo Supremo Tribunal Federal, o caso subiu direto da Justiça Federal para a cúpula do Judiciário. Pode ter sido o xeque-mate em Moro e Deltan. •