O ministro Fernando Haddad anuncia as regras fiscais de gestão das contas do governo Lula, que condicionam os investimentos ao aumento da receita e sinalizam com superávit das contas em até três anos. É uma aposta diante do teto de gastos de Temer e Bolsonaro, que estrangularam investimentos e levaram o Brasil à estagnação da economia e ampliação das desigualdades sociais

O mercado respirou aliviado no final da semana, quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, veio a público para mostrar quais são as regras fiscais que o governo Lula 3 vai seguir até 2026. “O teto de gastos está sendo substituído hoje por regra que procura sanar deficiências anteriores”, disse na quinta-feira, 30, sepultando a proposta de austeridade fiscal a qualquer custo, estabelecida pelo governo Michel Temer, que ampliou a desigualdade e restringiu os investimentos do governo.

Esta fase de austericídio, que deixou o país com 33 milhões de famintos e 15 milhões de desempregados, além de 50 milhões de brasileiros vivendo na informalidade, está superado. Agora, o governo Lula propõe em seu desenho de regra fiscal que o crescimento das despesas federais seja limitado a 70% do avanço das receitas projetado para o mesmo ano.

NOVO TEMPO Os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet anunciam o plano fiscal do governo à imprensa, ressaltando que a medida vai contemplar investimentos sociais com equilíbrio das contas públicas até 2026

A preocupação com o bem-estar da população continua. ‘Não se pode admitir fome no Brasil’, disse Haddad ao anunciar o novo marco fiscal. O plano vincula crescimento de despesas federais à receita, mas sem impor sacrifícios à população. A política de austeridade a qualquer custo é coisa do passado. “Vamos compatibilizar social e fiscal, com credibilidade, previsibilidade e transparência”, disse.

Na prática, o Ministério da Fazenda pretende trabalhar com uma nova trava para as despesas, que cresceriam em ritmo menor do que a arrecadação, de forma a fazer as contas melhorarem nos próximos anos e saírem do vermelho. “O investimento ficava prejudicado nesses momentos, como aconteceu agora”, explicou Haddad, em referência ao período com impacto da pandemia. “Para além da confiança, a própria regra precisa dispor de mecanismos de autocorreção. Senão, gestores públicos vão ficar em uma situação difícil para corrigir rumo”.

Ainda na quinta-feira, 30, o mercado financeiro recebeu com boa vontade as novas regras fiscais, com uma recepção positiva. Tanto que a cotação do dólar caiu e a bolsa subiu. É fato que a moeda americana apresenta fraqueza no exterior. O presidente do conselho do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco elogiou: “novo arcabouço fiscal é robusto e abre espaço para queda de juros”.

No meio político, a recepção também foi tranquila. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fez uma avaliação positiva das chances de avanço no Congresso Nacional. Ele ressaltou que há disposição no parlamento de contribuir para o avanço da proposta, mesmo entre parlamentares que fazem oposição ao governo. Mesmo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi receptivo: o arcabouço vai ser uma diretriz, mais flexível do que o teto de hoje.

Os investimentos federais terão um piso no chamado “novo arcabouço fiscal”. Ou seja, serão corrigidos pela inflação. A nova regra da equipe econômica prevê que o resultado primário das contas públicas (diferença entre receitas e despesas) que ficar acima do limite da meta estabelecida poderá ser utilizado para investimentos. Além disso, o piso da enfermagem e o Fundeb ficarão de fora da regra de controle de gastos.

Isso significa que, se a arrecadação do governo aumentar R$ 100, as despesas poderão ser elevadas em R$ 70. “A despesa necessariamente vai correr atrás da receita. Você vai ampliar o espaço de economia para dar sustentabilidade às contas públicas”, explicou Haddad, em entrevista coletiva na sede do ministério, em Brasília, ao lado da ministra do Planejamento, Simone Tebet.

De acordo com as novas regras fiscais, o crescimento da despesa  será entre 0,6% a 2,5% ao ano acima da inflação. O ministro destacou que a eficácia da nova regra depende da correção de distorções no sistema tributário. Ou seja, a eficácia do modelo depende da aprovação da reforma do Judiciário pelo Congresso Nacional. A colunista Míriam Leitão, do jornal O Globo, avalia que Haddad atuou bem: “Operação política para apresentação do arcabouço foi bem-sucedida”, escreveu a jornalista.

“O importante é que o arcabouço é mais flexível que o teto de gastos, então tem mais chance de ser cumprido”, apontou a veterana comentarista econômica. “Ainda acho que é mais pró-cíclico do que anticíclico, ou seja, quando subir a arrecadação há um limite para o crescimento da despesa. Quando tiver vento um contra, tem um amortecimento. Estimula o crescimento no crescimento e aumenta a queda na queda”, descreveu, elogiosa.

O próprio Haddad entrou em campo, se desdobrando entre o parlamento e atendimento a jornalistas para mostrar como será o novo cenário das contas públicas brasileiras. Ele aposta na aprovação das medidas, inclusive do pacote da reforma tributária: “Já vamos encaminhar para o parlamento as medidas saneadores para dar consistência: aqueles setores que estão muito beneficiados, ou setores novos que não estão regulados, como apostas eletrônicas. É um item de uma lista extensa, benefícios indevidos e fraudes. Vamos acabar com uma série de abusos que foram cometidos”, disse o ministro da Fazenda.

A nova norma, se aprovada pelo Congresso, vai substituir o teto de gastos, que desde 2017 atrela o crescimento das despesas à inflação. Por conta do chamado de teto de gastos, imposto pelo governo Temer e aprovado pelo Congresso Nacional de maneira acrítica, houve uma piora significativa do bem-estar da população brasileira, com queda vertiginosa dos investimentos em políticas psociais. “É uma regra que compatibiliza o que era bom da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) com o que era bom de uma regra de gasto”, disse Haddad. •

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