Os presidentes da China e Rússia estreitam as relações entre os dois países e vão desenhando uma nova ordem mundial, onde o multilateralismo ganha força, mesmo que EUA digam o contrário. A ida de Xi a Moscou preocupa a Casa Branca

China e Rússia — dois dos principais players da política internacional — estão mais próximos do que nunca, ainda que a imprensa ocidental considere que nem Xi Jinping confie em Vladimir Putin, nem o ex-agente da KGB vê com bons olhos o presidente do maior Partido Comunista do planeta. Não acredite na torcida dos jornais europeus ou americanos. Xi e Putin jogam um dueto em que ambos tendem a ganhar.

A semana começou com a visita de Estado de três dias do presidente chinês à Rússia, logo após o primeiro aniversário da ofensiva do Kremlin contra a Ucrânia. “Estamos sempre abertos a negociações. Certamente falaremos sobre todas essas questões, incluindo suas iniciativas, que tratamos com respeito”, disse Putin a Xi durante uma reunião transmitida pela televisão russa, garantindo que Moscou e Pequim têm “muitos objetivos em comum”.

E acrescentou: “Eu sei que você (…) tem uma posição justa e equilibrada sobre as questões internacionais mais prementes”. Seguindo o protocolo diplomático Xi Jinping se posicionou, celebrando as “estreitas relações” entre os dois países e sua “cooperação estratégica global”. Disse que a China está “pronta para ficar firmemente ao lado da Rússia” em prol do “verdadeiro multilateralismo” e da “multipolaridade no mundo”. Se isso não é uma aliança, o que mais seria?

E os Estados Unidos sentiram. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, pediu que o mundo não se deixe “enganar” pelas propostas da China para encerrar o conflito na Ucrânia, anunciando outros US$ 350 milhões em ajuda militar a Kiev. Em uma audiência no subcomitê de Defesa na Câmara dos Deputados, ele disse que a visita de Xi a Moscou era muito preocupante. Também a União Europeia anunciou um pacote de 2 bilhões de euros para facilitar a entrega de munição à artilharia ucraniana. 

Para Pequim e Moscou, o objetivo do encontro é mostrar a força de seu relacionamento enquanto os dois países enfrentam tensões com as principais potências ocidentais. Enquanto o Kremlin mantém artilharia pesada para impedir que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) mantenha bases na primeira linha de fronteira com a Rússia, Xi mostra poder aos EUA e que não aceitará que Taiwan fique à mercê do Ocidente.

Para Putin, a visita de Xi é especialmente importante, já que o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de prisão contra ele na última sexta-feira, 17, por “crimes de guerra” na Ucrânia. Para Xi, o encontro também serve para sinalizar que Pequim não vai mudar um centímetro em estratégia de expansão pragmática, realizando negócios pelo mundo.

Após a reunião “informal” de segunda-feira, que durou quatro horas e meia, o presidente russo acompanhou seu convidado à saída do Kremlin. Na terça-feira, os dois dirigentes tiveram mais conversações oficiais, promovendo ainda a assinatura de acordos para aprofundar a cooperação bilateral econômica.

Tendo participado da recente reconciliação diplomática entre a Arábia Saudita e o Irã, Pequim quer se posicionar como mediador na Ucrânia. A China não condenou publicamente a ofensiva russa e critica os EUA por fornecerem armas à Ucrânia.

Pequim apresentou um plano de 12 pontos no final de fevereiro para exigir negociações de paz. A sua posição foi criticada pelos países ocidentais, que consideram que Xi Jinping dá cobertura diplomática à ofensiva russa e que as suas propostas carecem de soluções práticas.

Os EUA já indicaram que não apoiariam um novo chamado de cessar-fogo chinês durante a visita de Xi a Moscou. Blinken disse que Washington saúda qualquer iniciativa diplomática para uma “paz justa e duradoura”, mas duvida que a China esteja protegendo a “soberania e integridade territorial” da Ucrânia. “Pedir um cessar-fogo que não inclua a retirada das forças russas do território ucraniano seria efetivamente apoiar a ratificação da conquista russa”, acrescentou.

O Wall Street Journal informou que o líder chinês pode estar planejando sua primeira conversa telefônica com o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, desde o início do conflito. A Ucrânia instou Xi a “usar sua influência em Moscou para acabar com a guerra agressiva” em seu território.

A visita de Xi também tem um aspecto econômico importante, depois que a Rússia redirecionou sua economia para a China por causa das sanções ocidentais. Putin e Xi assinaram vários documentos, especialmente sobre sua cooperação até 2030. A visita de Xi permite à Rússia mostrar que não está tão isolada.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, quando questionado sobre o assunto, disse que o tribunal deveria “manter uma postura objetiva e imparcial” e “respeitar a imunidade jurisdicional dos chefes de Estado sob o direito internacional”, instando o tribunal a evitar a politização e padrões duplos.

Em um gesto desafiador, Putin visitou a cidade ucraniana de Mariupol no domingo, sua primeira viagem ao território capturado da Ucrânia desde o início da ofensiva em 24 de fevereiro de 2022.

Apesar dos ecos internacionais do encontro sobre a guerra na Ucrânia, o eixo central da visita é econômico: as trocas comerciais entre os dois países aumentaram exponencialmente como resultado da guerra — o gás que Putin vendia à Europa vai agora ao máximo para China a um preço mais baixo — e tudo indica que a Rússia levará muitos anos para reconquistar os mercados europeus. Para a Rússia, o comércio com a China é a opção que resta para o desenvolvimento econômico sem influência americana e europeia. 

Ao contrário do que têm sugerido os EUA, o Alto Representante da União Europeia (UE) para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, reiterou que não tem “nenhuma prova” de que a China esteja a fornecer armas à Rússia no contexto da guerra contra a Ucrânia, nem que tenciona fazê-lo. 

Ele disse que, se a China estivesse fornecendo armas à Rússia, “nós saberíamos, porque armas são usadas”. Sobre o chamado plano de paz” apresentado pela China durante a Assembleia Geral da ONU, Borrell afirmou: “francamente, é necessário um esforço intelectual muito grande para considerá-lo um plano de paz”. “É antes uma compilação das posições da China sobre o assunto, que são bem conhecidas. Mas não posso ir mais longe na minha avaliação do que falaram, porque não o conheço”, concluiu.

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