O Departamento de Energia dos EUA anuncia avanços na fusão nuclear que podem resultar numa revolução sem precedentes para a humanidade. Pesquisadores conseguem liberar mais energia do que injetaram em experimento com raios laser

O mundo foi sacudido na última semana por um anúncio feito pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos: a produção de energia limpa baseada na fusão nuclear. Não é que seja possível agora transformar cascas de banana em energia capaz de movimentar um carro, como no filme “De volta para o futuro” (1985), de Robert Zemeckis. Mas abrem caminho para o desenvolvimento da tecnologia que resultará em uma revolução para a humanidade: energia limpa e barata para sempre.

O governo dos Estados Unidos afirma que cientistas conseguiram, pela primeira vez na história, produzir uma reação de fusão nuclear que teve um ganho líquido de energia, ou seja, extraíram mais energia do que a que foi necessária para alimentar o sistema. O processo é chamado pelos físicos de “ignição da fusão nuclear”.

O anúncio o ocorreu na terça-feira, 13, e já pode ser considerado um ponto de inflexão para a ciência e pesquisadores. Cientistas consideram este um marco histórico para a física e para a produção de energia limpa. Ainda que o experimento seja de baixa escala e o resultado demorem a aparecer na prática, é um avanço extraordinário para todos.

Isso porque a fusão nuclear é um processo que não produz resíduos radioativos nem elementos poluentes quando realizada em ambientes controlados. A fusão é diametralmente oposta da fissão nuclear, que atualmente alimenta as usinas nucleares, que são altamente letais por serem radiativas. A expectativa é que a fusão tenha baixo impacto no meio ambiente quando usada em escala comercial.

É que a radioatividade de um futuro reator de fusão pode alcançar níveis seguros ao fim de algumas décadas, em vez de alguns milhares de anos, como é o caso do combustível usado na fissão. A energia baseada em fusão nuclear é tida como uma aposta importante frente às mudanças climáticas, visto que essa seria uma fonte inesgotável de energia limpa que não polui a atmosfera.

As aplicações ainda precisam ser estudadas. Alguns cientistas, por exemplo, acreditam que levaríamos décadas para a produção de um reator comercial baseado em fusão nuclear. O experimento bem-sucedido foi divulgado pela secretária de Energia dos EUA, Jennifer Granholm, juntamente com representantes da Administração Nacional de Segurança Nuclear (NNSA) e do Laboratório Nacional Lawrence Livermore (LLNL), um centro de pesquisa em energia nuclear do país.

Os envolvidos definiram o feito como um “grande progresso científico em desenvolvimento”. O sucesso com a “ignição da fusão nuclear” foi obtido em 5 de dezembro. De acordo com cientistas, 192 gigantescos lasers de altíssima potência usados pelo laboratório foram apontados para um pequeno ponto do tamanho de uma pipoca.

O impacto dos lasers e a fusão dos átomos alcançada geraram, por um brevíssimo momento, 3 megajoules de energia. A marca seria suficiente apenas para esquentar uma chaleira, explica Gustavo Canal, do Departamento de Física Aplicada da USP. A explicação foi dada ao G1.

Segundo o National Ignition Facility, como apenas 2 megajoules foram usados pelos lasers para atingirem o grão, o ganho foi de 1 megajoule de energia foi atingido. A secretária de Energia dos EUA, Jennifer Granholm, disse que o feito desencadeará ainda mais descobertas.

“Apesar de parecer pequeno, esse ganho demonstra que é tecnicamente possível extrair mais energia do sistema do que se usa para manter o plasma quente (onde ocorrem as reações nucleares)”, diz o físico brasileiro. A fusão nuclear é o processo que alimenta as estrelas. O sol do sistema solar converte hidrogênio em hélio.

Já na fissão, elementos pesados quebram-se espontaneamente em elementos mais leves. O desafio tecnológico de fazer um reator de fusão é muitas ordens de grandeza superior ao de fazer um reator de fissão. É como se houvesse a tentativa de recriar o Sol numa garrafa.

A fusão envolve o “cozimento” de elementos leves, como o hidrogênio, para formar elementos mais pesados, liberando uma enorme explosão de energia no processo. A abordagem, que dá origem ao calor e à luz do sol e de outras estrelas, foi saudada como tendo um enorme potencial como uma fonte de energia sustentável e de baixo carbono.

No entanto, desde que a pesquisa de fusão nuclear começou na década de 1950, os pesquisadores têm sido incapazes de demonstrar um ganho de energia positivo, uma condição conhecida como ignição. Isso até agora.

“A fusão tem o potencial de fornecer uma fonte quase ilimitada, segura, limpa e de energia de carga de base livre de carbono”, disse Robbie Scott, do Conselho de Ciência e Tecnologia (STFC). “Este resultado seminal é a primeira demonstração laboratorial de ‘ganho de energia’ de fusão – onde mais energia de fusão é gerada do que entrada pelos feixes de laser”.

“O experimento demonstra inequivocamente que a física da fusão a laser funciona”, acrescentou. “Para transformar o resultado da NIF em produção de energia, ainda há muito trabalho, mas este é um passo fundamental ao longo do caminho”.

Jeremy Chittenden, professor de física do plasma no Imperial College de Londres comemorou. “Se o que foi relatado é verdadeiro e mais energia foi liberada do que foi usada para produzir o plasma, esse é um verdadeiro momento de avanço que é tremendamente emocionante”, disse. “Isso prova que o objetivo há muito procurado, o Santo Graal’ da fusão, pode de fato ser alcançado”. •

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