Frenesi da cultura pop
A maior festa da indústria de cinema do mundo paga dívida à cinematografia de origem asiática. Dois atores com raízes orientais são laureados com o Oscar: Michelle Yeoh e Ke Hu Quan
Havia pouca expectativa que a cerimônia de premiação do Oscar, no domingo, 12 de março, teria resultados muito diferentes do que a premiação de “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” em mais de uma categoria. O filme, dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert, é como uma colagem em ritmo alucinante de várias tendências cinematográficas recentes e outras nem tanto, tendo como pano de fundo o multiverso (ou realidades paralelas): comédia, ação, lutas e claro, o melodrama familiar. Foi elogiado em várias resenhas e caiu no gosto de bilheterias ao redor do mundo.
“Tudo em Todo Lugar” levou sete estatuetas, entre as mais cobiçadas: filme, direção, roteiro original, montagem, mais três de atuação — atriz principal, coadjuvante e ator coadjuvante. Desde a premiação de “Parasita”, do coreano Bong Joon-ho, em 2019, Hollywood voltou a estar fascinada com o cinema de origem asiática. Preocupada com a bilheteria no pós-pandemia, a indústria de entretenimento norte-americano apostou num filme de alto poder de adesão, sobretudo pelo fato de ser uma história de “família disfuncional” e que, ainda, fala à representatividade.
Em seu discurso de agradecimento, a atriz malaia-chinesa Michelle Yeoh, primeira asiática a ganhar um Oscar, apontou exatamente essa característica: “Mulheres…. Não deixem ninguém dizer que vocês já passaram do seu auge. Nunca desistam. (…) Eu vou dedicar esse prêmio à minha mãe, a todas as mães do mundo, porque elas são as verdadeiras super-heroínas e, sem elas, nenhum de nós estaria aqui esta noite”.
A vitória de Yeoh, diante de nomes até mais consagrados como Cate Blanchett, teve gosto de reparação. Da mesma forma que a dos coadjuvantes. O ator vietnamita Ke Huy Quan, que estreou com “Goonies”, em 1985, e sumiu da indústria desde então para reaparecer agora. Já a atriz americana Jamie Lee Curtis, que jamais ganhou um Oscar, foi homenageada.
Ou seja, se existe alguma coisa sinalizada pela cerimônia em Los Angeles é que o cinemão é uma arte onde cabem mulheres mais velhas (Yeoh tem 60, Jamie Lee, 63) e imigrantes, como as estrelas do filme-coqueluche de 2023. Ao mesmo tempo, Hollywood está desesperada por recuperar o público jovem, disperso pelas redes e com dois anos sob regime quase que exclusivo de de streaming.
O recado vindo do outro grande vencedor aponta para o “novo clássico” que também faz sucesso. “Nada de Novo no Front”, o filme do diretor alemão Edward Berger foi premiado em quatro categorias: filme internacional, direção de arte, trilha sonora e fotografia. A obra preenche os requisitos básicos de uma obra que pode correr o mundo pelo streaming — ou, mais rapidamente, nas salas de cinema. É adaptação de obra literária de sucesso parte de terreno seguro, é sobre guerra — tem drama & ação, portanto — e permite efeitos especiais quase “realistas”.
Some-se a isso o fato de ser “histórico” e “ficcional” ao mesmo tempo, uma vez que o romance de Erich Maria Remarque sobre um adolescente que oscila entre o idealismo e o desespero na Primeira Guerra Mundial, parte da memória do próprio autor.
Quem ficou realmente de fora da festa foi Steven Spielberg, cuja película “Os Fabelman”, que remonta o amor do diretor pelo cinema e parte de sua própria história familiar, não levou nada. Spielberg talvez não precise de um Oscar a esta altura, mas o fato de um filme com passo mais lento, tecido a partir da elaboração menos frenética de emoções, ter ficado a ver navios não deixa de também ser um recado. •
Os vencedores
Filme: “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”
Direção: Daniel Kwan e Daniel Scheinert por “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”.
Atriz: Michelle Yeoh por “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”.
Ator: Brendan Fraser por “A baleia”.
Atriz coadjuvante: Jamie Lee Curtis por “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”
Ator coadjuvante: Ke Huy Quan por “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”
Roteiro original: “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”
Roteiro adaptado: “Entre Mulheres”
Edição: “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”
Filme estrangeiro: “Nada de novo no front” (Alemanha)
Animação: “Pinóquio”, de Guillermo del Toro
Design de produção: “Nada de novo no front”
Fotografia: “Nada de novo no front”
Figurino: “Pantera Negra: Wakanda para sempre”
Maquiagem: “A baleia”
Som: “Top Gun: Maverick”
Efeitos visuais: “Avatar: o caminho da água”
Trilha sonora: “Nada de novo no front”
Música original: “Naatu Naatu – RRR: Revolta, Rebelião, Revolução”
Documentário: “Navalny”
Curta documentário: “The Elephant Whisperers”
Curta-metragem: “An irish goodbye”
Curta de animação: “O menino, a toupeira, a raposa e o cavalo”