PF encontra na casa de ex-ministro da Justiça a minuta de documento em que Bolsonaro decretaria Estado de Defesa na Justiça Eleitoral e mudaria o resultado da eleição presidencial

O planejamento de umggolpe de estado no Brasil pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para impedir Luiz Inácio Lula da Silva de assumir o poder em 1º de janeiro foi para muito além das promessas vazias de figuras proeminentes do bolsonarismo. Ou dos clamores dos radicais que estavam acampados nas portas dos quartéis-generais desde o início de novembro. A decretação do golpe foi esmiuçada por integrantes do governo Bolsonaro.

A Polícia Federal encontrou na residência de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, uma minuta de decreto para Bolsonaro instaurar estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, medida arbitrária e claramente inconstitucional. O objetivo, segundo o texto, era reverter o resultado da eleição de outubro, na qual Lula saiu vencedor com mais de 60,3 milhões de votos.

A presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), cobra a apuração do caso, que considera extremamente grave. “Está cada vez mais claro que o plano de Bolsonaro sempre foi dar um golpe de estado, com apoio da sua gangue e dos seus terroristas nas ruas”, aponta.

O documento de três páginas, feito em um computador, foi encontrado no armário do ex-ministro da Justiça durante busca e apreensão realizada na terça-feira pela Polícia Federal. A PF investiga as circunstâncias da elaboração da proposta. O ex-ministro da Justiça está preso desde o sábado em Brasília e será ouvido esta semana. Ele disse que o documento foi “vazado fora do contexto”.

O material tem indicação de ter sido feito após a realização das eleições e teria objetivo de apurar abuso de poder, suspeição e medidas ilegais adotadas pelo presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, antes, durante e depois do processo eleitoral. De acordo com pessoas familiarizadas com o caso, o documento cita o restabelecimento imediato da lisura e correção da eleição.

A justificativa de Torres não se sustenta. “No cargo de ministro da Justiça, nos deparamos com audiências, sugestões e propostas dos mais diversos tipos”, alega o ex-ministro. “Cabe a quem ocupa tal posição o discernimento de entender o que efetivamente contribui para o Brasil. Havia em minha casa uma pilha de documentos para descarte, onde muito provavelmente o material descrito na reportagem foi encontrado. Tudo seria levado para ser triturado oportunamente no MJSP [Ministério de Justiça e Segurança Pública]”.

De acordo com a Constituição, a decretação do Estado de Defesa serve para “preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”. Isso não se aplicaria a tomar uma medida contra resultado de eleição, o que seria inconstitucional.

Ao contrário do Estado de Sítio — que precisa ser validado pelo Congresso para entrar em efeito — a decretação do Estado de Defesa começa a valer imediatamente. Ele precisa ser enviado em até 24 horas para aval do Congresso, que tem o poder de endossá-lo ou derrubá-lo.

A vigência do Estado de Defesa permite, na área e pelo período em que vigorar, a restrição de determinados direitos: o de reunião e os de sigilo de correspondência e de comunicações. Também permite prisão por crime contra o Estado, por prazo não superior a dez dias —a prorrogação requer autorização judicial.

O teor da minuta do decreto, que criaria um comitê interventor formado por maioria de indicados pelo Ministério da Defesa — formalmente chamado no documento de “Comissão de Regularidade Eleitoral” — é claramente um instrumento abusivo do arbítrio de Bolsonaro. O decreto prevê no artigo 2º que ficariam suspensos no Estado de Defesa os direitos de “sigilo de correspondência e de comunicação telemática e telefônica dos membros do Tribunal do Superior Eleitoral”, bem como o acesso às dependências do TSE.

A “Comissão de Regularidade Eleitoral” seria chefiada pelo Ministério da Defesa, que nomearia outros sete integrantes. Participariam ainda dois representantes do Ministério Público Federal (MPF), dois indicados pela Polícia Federal— obrigatoriamente peritos criminais —, um senador, um deputado federal, um membro do Tribunal de Contas da União (TCU), um membro da Advocacia-Geral da União (AGU) e um membro da Contoladoria-Geral da União (CGU), totalizando 17 integrantes.

O texto antecipa até mesmo prováveis investidas na Justiça contra o teor do decreto. “Qualquer decisão judicial direcionada a impedir ou retardar os trabalhos da Comissão de Regularidade Eleitoral terá seus efeitos suspensos até a finalização do prazo estipulado” de 30 ou 60 dias, afirma a minuta.

O senador Humberto Costa (PT-PE) reagiu à denúncia que comprova nova tentativa criminosa de Bolsonaro contra o resultado das urnas. “A PF encontrou no armário do ex-ministro de Bolsonaro, Anderson Tôrres, um documento inconstitucional que tinha como objetivo mudar o resultado da eleição e instalar um golpe”, criticou.  •

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