Crime em nome de Jair
A escalada da violência bolsonarista assusta a capital da República no dia da diplomação de Lula pelo TSE. Extremistas radicais acampados no QG do Exército tomam as ruas, depredam patrimônio público e incendeiam carros e ônibus. Ninguém foi preso
À despeito do encerramento do processo eleitoral com a diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e do vice Geraldo Alckmin, o desejo de violência de grupos bolsonaristas cresceu no início da semana. Encerrada a cerimônia de diplomação pelo Tribunal Superior Eleitoral, na segunda-feira, 12, a malta de radicais saiu do QG do Exército, onde estão acampados desde o fim do segundo turno, em 30 de outubro, e, literalmente, colocaram fogo em Brasília.
No centro da capital, a menos de 5 km do Palácio do Planalto, criminosos vestidos de verde amarelo tentaram invadir a Polícia Federal, destruíram patrimônio público e incendiaram automóveis e ônibus. Foi um passeio para os golpistas, que flanavam entre uma atrocidade e outra sem serem perturbados. A Polícia Militar foi chamada a intervir e, apesar das bombas de efeito moral, ninguém foi preso.
O destino dos golpistas depois de espalharem violência no centro de Brasília, naquela segunda, foi o Palácio da Alvorada. Por volta das 22h30, o presidente derrotado, Jair Bolsonaro, abriu o gramado do Palácio do Alvorada, residência oficial da Presidência da República, para o golpismo se instalar.
O tratamento dado aos criminosos fantasiados de patriotas foi de calorosa recepção, condescendência e até gestos como o de Michelle Bolsonaro. Segundo os próprios criminosos, ela teria enviado lanches e refrigerante aos depredadores no Alvorada. Pelas redes sociais, a hashtag #Alvorada ganhou volume ao convocar mais pessoas a se juntarem ao grupo que gritou palavras de ordem como “Bolsonaro fica!” e “Supremo é o povo!”
No domingo, 11, um dia antes da diplomação de Lula, o líder da extrema-direita verde-oliva apareceu no Alvorada para cumprimentar os manifestantes, mas ficou em silêncio enquanto o grupo entoava uma oração. Já na segunda-feira, 12, Bolsonaro se apresentou aos golpistas e os deixou em polvorosa com poucas palavras. Como resposta aos extremistas que clamam por um golpe, jogou novamente na dubiedade.
A um grupo histérico de manifestantes, exaltou militares e disse que sua função é ser “o chefe supremo” das Forças Armadas, indicando ainda que os soldados “são o último obstáculo do socialismo”. “O destino é o povo que tem que tomar. Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vai (sic) as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vai Câmara e Senado são vocês também”, declarou.
Na prática, Bolsonaro incentivou a arruaça. Ainda na noite de 12, o discurso deu lugar a ataques terroristas de criminosos. De forma orquestrada, os “patriotas” atearam fogo em pelo menos cinco ônibus e três carros durante o tumulto. Vidros da 5ª Delegacia de Polícia, na Asa Norte, também foram depredados.
Apesar dos flagrantes delitos de violência e golpismo, ninguém foi punido, ao contrário do que afirmou o governador Ibaneis Rocha, (MDB-DF). Diante de vídeos que mostram os atos criminosos em diversos pontos da cidade, o ministro da Justiça, Anderson Torres, tentou minimizar. Ele disse que “a situação está se normalizando”. Lula também teve que reforçar a segurança do hotel em que está hospedado, a pouco menos de 800 metros onde um dos ônibus foi destruído.
A normalização dos atos criminosos foi chocante. A barbaridade e a violência gratuita foram tratados como mero incidente pelas autoridades de segurança pública dos governos federal e do DF,. Mas também por alguns veículos de mídia nativa, que não se prestaram ao papel de investigar a fundo como se orquestrou, quem financiou e qual será a punição da escalada de violência que ocorre entre bolsonaristas.
Os atentados em Brasília já haviam sido informados por meio de ameaça dentro do Congresso Nacional, quando um grupo com camisetas com a frase “Supremo é o povo” leram uma carta no último dia 7, estipulando o prazo de 10 de dezembro para que ocorresse um golpe — com ou sem Bolsonaro e as Forças Armadas.
O grave episódio aconteceu no auditório Nereu Ramos, da Câmara. Cerca de 200 bolsonaristas estavam presentes. A carta veio como ultimato: “caso não haja nenhuma manifestação do Senado Federal até 7 de dezembro de 2022, hoje, e do presidente da República ou das Forças Armadas até 8 de dezembro, nós, o povo, sob a égide da soberania que nos pertence passaremos a adotar medidas com impacto nacional e, dessa forma, estabelecemos a data de 10 de dezembro de 2022 para a tomada de Brasília e a paralisação de todo o Brasil”.
Até o momento, nada aconteceu com os criminosos da malta bolsonarista. Ou mesmo aos integrantes do grupo que teve a entrada facilitada na Câmara para incitar um golpe e declarar que atuariam de forma violenta. No entanto, investigações avançam sobre como tem se organizado e quem financia os movimentos golpistas ao redor do país. Na quinta-feira, 15, o ministro do STF Alexandre de Moraes adotou medidas rígidas contra apoiadores de Bolsonaro que bloquearam rodovias pelo país.
A Polícia Federal cumpriu ordem de 81 mandados de busca e apreensão – nenhum relacionado aos atos em Brasília. As medidas fazem parte do inquérito que investiga atos antidemocráticos ocorridos em 7 de setembro. A operação foi conduzida em endereços nos estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Paraná e Santa Catarina.
Moraes também determinou bloqueio de contas bancárias e perfis em redes sociais dos golpistas citados no inquérito. Segundo a PF, 21 armas foram apreendidas, além de 200 projéteis. Somente em um dos endereços, o armamento encontrado foi considerado um arsenal: uma submetralhadora, um fuzil e três rifles com luneta. Em nota, o STF afirmou que a operação se baseou em uma rede de inteligência formada pelo Ministério Público, Polícia Civil, Polícia Militar e pela Polícia Rodoviária Federal dos estados.
Aos poucos, desvela-se um grande e orquestrado sistema golpista, que financia os acampamentos, atos antidemocráticos e bloqueios nas rodovias. Ainda de acordo com o Supremo, no levantamento realizado pela investigação, foi possível identificar “patrocinadores de manifestações, financiadores de estruturas para acampamentos, arrecadadores de recursos, lideranças de protestos, mobilizadores de ações antidemocráticas em redes sociais, além de donos de caminhões e veículos que participaram de bloqueio”. Três grupos foram mapeados, até o momento.
Bolsonaro não nega o incêndio que causou, mas também se esquiva de chamar para si a centralidade dos atos. A intenção é manter a imagem, como insiste o vice-presidente Hamilton Mourão, de que os atos são “a vontade soberana” do povo de exercer de forma “pacífica e ordeira” o direito à manifestação. A propaganda é enganosa e também perigosa.
Na última quinta, 15, os poucos golpistas que permaneceram prostrados no gramado do Alvorada viram chegar ao palácio um caminhão de mudança. A imagem deixou apoiadores de Bolsonaro em desespero nas redes sociais e em grupos de mensagens. O presidente atual deve deixar a residência oficial até 31 de dezembro. •