Os ataques orquestrados depois da diplomação de Lula pelo TSE desvelam uma velha tática dos militares: o uso de infiltrados para sabotar a democracia e condenar a esquerda. Mas não estamos diante de um novo Riocentro ou do Badernaço, ocorridos nos anos 80. A lei precisa ser aplicada e os criminosos, presos e condenados

As cenas aterrorizaram os cidadãos de Brasília. Enquanto a política soltava tiros de efeito moral, ônibus e veículos eram queimados, no centro de Brasília, horas depois de o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva ter sido diplomado em cerimônia conduzida pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes. Toda a cúpula dos Três Poderes estava presente ao ato, que contou ainda com a participação do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin. Diversas autoridades acompanharam.

Mas as cenas da cerimônia foram parcialmente ofuscadas pela batalha campal conduzida pela trupe bolsonarista, com os mais radicais munidos de botijões de gás de cozinha (!!!), bandeiras e paus. Claro, também das camisas da seleção brasileira. Tudo encenado diante de transeuntes que se surpreenderam com a ferocidade da turma de extremistas.

A Polícia Militar do Distrito Federal foi acionada para conter a turba. E, durante umas duas horas, disparou bombas e deu tiros para o alto. Mas ninguém foi preso. Ninguém. Isso apesar das evidências de que se tratavam dos mesmos radicais acampados desde 30 de outubro, na sede do QG do Exército, em Brasília.

No dia 13, a revista Fórum trouxe uma reportagem apontando que um servidor da Polícia Federal lotado na Presidência acusa o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo general Augusto Heleno, pelo quebra-quebra e ataques generalizados a 600 metros de onde Lula está hospedado, no Setor Hoteleiro de Brasília.

Disse o federal: “É terrorismo de Estado”. A revelação da Fórum tem o peso de uma acusação grave: “Noite de pânico protagonizada por bolsonaristas teria sido planejada pela Inteligência do Planalto, com anuência de forças policiais do DF”. Surpreende? Não para quem lembra como opera o serviço de inteligência do exército e da PM. O uso de soldados da P2 infiltrados para aterrorizar e promover a violência é prática corriqueira desde os anos 60 no Brasil.

Exemplos são inúmeros. Em 30 de abril de 1981, em Jacarepaguá, no Rio, uma bomba explodiu em um carro no estacionamento do Riocentro, matando um sargento e ferindo gravemente outro oficial. Havia no veículo outra bomba que não chegou a ser detonada. Mas uma terceira bomba explodiu na central de energia. No dia seguinte, 1º de Maio, ocorreria um show em homenagem ao Dia dos Trabalhadores.

O ataque terrorista foi realizada por setores do Exército e da Polícia Militar do Rio, com o objetivo de incriminar grupos que de esquerda que se opunham à ditadura militar no Brasil e, assim, justificar a necessidade do uso da repressão para retardar o processo de abertura política. Ninguém foi preso.

E quem não se lembra do Badernaço, ocorrido em 27 de novembro de 1986, quando sindicalistas convocaram um ato contra o Plano Cruzado 2 e o movimento descambou para um quebra-quebra em plena Rodoviária de Brasília, quando ônibus e viaturas policiais foram quebrados e incendiados? Também era obra dos agentes infiltrados da P2. Aquilo que Elio Gaspari chama de tigrada.

Em 1986, relatório do SNI responsabilizou então dirigentes sindicais de Brasília. Hoje deputado distrital, Chico Vigilante foi preso. Era o presidente da CUT-DF, naquela época. O relatório não mencionava, mas as viaturas da polícia foram deixadas na rodoviária, umas perto das outras, sem vigilância. Uma deixa para a entrada dos vândalos, agentes da P2 do Exército, fortes e robustos, que escondiam os rostos, não eram incomodados pela polícia, mas foram apresentados pela Secretaria de Segurança do GDF como “guerrilheiros urbanos” de esquerda.

O mesmo enredo foi repetido nas redes sociais pelos bolsonaristas ao longo da última semana. A depredação e destruição de ônibus seria uma ação de “comunistas” que se infiltraram. Quem acredita numa sandice dessas, no dia em que Lula era louvado pela Justiça e toda sua cúpula? As falhas de segurança evidentes na última segunda-feira, 12, são quase as mesmas de 36 anos atrás. A PM não prendeu ninguém.

A história ensina: a infiltração da P2 pode explicar os motivos da escancarada omissão da PM no momento dos ataques de bolsonaristas. É guerra híbrida, usada para assustar o novo governo e desencadear temores de que seria necessária a decretação de uma intervenção em nome da “garantia da lei e da ordem”. Uma desculpa para um golpe. O problema é que não estamos em 1964, 1981 ou 1986.

O novo ministro da Justiça, senador eleito Flávio Dino (PSB-MA), disse que os responsáveis pelos ataques da última semana serão identificados. As provas são fartas e os indícios evidentes, espalhados pelas redes sociais.

“Os crimes já cometidos, antes de 1º de janeiro, não estarão prescritos e por não estarem prescritos não há no mundo cósmico e nem no mundo jurídico uma espécie de anistia mágica no dia do Réveillon. Isso não existe”, avisou Dino. •

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