Com uma mensagem pelo Twitter, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder nas pesquisas de intenção de voto, colocou na pauta do mundo político um tema que provavelmente permaneceria ignorado por mais tempo, não fosse a sua intervenção. Em 4 de janeiro, Lula destacou uma medida anunciada pelo governo espanhol, que pretende substituir a legislação trabalhista conservadora, em vigor desde 2012.

“É importante que os brasileiros acompanhem de perto o que está acontecendo na Reforma Trabalhista na Espanha, onde o presidente Pedro Sánchez está trabalhando para recuperar direitos dos trabalhadores”. Bastaram essas 29 palavras para produzir diferentes reações, vindas de diversos setores, desde apoios entusiasmados a ataques irados. O debate está posto.

A mensagem, que acena indiretamente para a possibilidade de aqui no Brasil ocorrer uma revisão da reforma trabalhista aprovada a toque de caixa pelo governo Temer, em 2017, acabou por abrir a temporada de discussões em torno de rupturas. Muitas precisam ser discutidas desde já, com maior ou menor intensidade. Ainda mais a partir de um novo governo em 2023.

A reforma trabalhista serve de amostra do que virá ao longo da campanha eleitoral de 2022. A esperança, na figura de Lula, está de volta, sem dúvida. Mas como combinar a promessa com a apresentação de propostas concretas que vão contrastar com o senso comum? Ainda mais no país em que os chamados formadores de opinião insistem na moderação como valor abstrato e tratam a polarização como produto de vontades pessoais e não como resultado de fatos históricos que antecedem gerações.

O episódio em torno da chamada reforma trabalhista é simbólico. Afinal, não apenas os dados econômicos e sociais comprovam o erro e as injustiças das medidas, que impulsionaram o vale-tudo no mercado de trabalho. A maioria da população experimenta na própria pele os resultados negativos: quem ainda tem emprego, está ganhando menos e perdeu algum direito, enquanto os demais apelam para os conhecidos “bicos” ou, simplesmente, não têm atividade remunerada alguma. O país hoje tem uma massa de 14 milhões de desempregados e pelo menos 40 milhões vivendo na informalidade.

Alguns números comprovam que a reforma de Temer e do empresariado que patrocinou o Golpe de 2016 que depôs a presidenta Dilma Rousseff não são ruins apenas para a classe trabalhadora. São dados que envergonham o país. Os dados foram apresentados pelas centrais sindicais, em artigo que respondia a Michel Temer, conselheiro informal de Bolsonaro.

 

DEBATE Na sede da Fundação Perseu Abramo, Lula, Mercadante, e dirigentes das centrais sindicais brasileiras discutem os impactos positivos da mudança na legislação espanhola com dirigentes do PSOE e sindicalistas

Segundo as centrais, “durante os governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro, as taxas de desemprego bateram recordes, atingindo 12,7% em 2017, 12,2% em 2018, 11,9% em 2019, 13,5% em 2020 e 12,6% em 2021, segundo o IBGE. Em 2014, o último do primeiro governo Dilma, o índice foi de 4,8%.

No período, o número de trabalhadores sem emprego formal — informais, desempregados e desalentados —, aqueles que estão desamparados pelo artigo 7° da Constituição Federal, saltou de 52,3 milhões de pessoas para 61,3 milhões de brasileiros”. Mesmo diante de realidade tão altissonante, houve quem atacasse as intenções de Lula como “terraplanismo fiscal”.

Na esteira da polêmica, Lula e apoiadores seguiram na costura política para fazer avançar o tema. Em encontro na sede da Fundação Perseu Abramo, na terça-feira, 11 de janeiro, o ex-presidente se reuniu com representantes das centrais sindicais brasileiras e espanholas, representantes do governo espanhol e de dirigentes da FPA, para aprofundar as discussões a partir da apresentação das medidas anunciadas no país ibérico.

 

Para Clemente Ganz Lúcio, que assessora as centrais brasileiras, o projeto espanhol é uma boa referência. “A combinação da valorização dos sindicatos e da negociação coletiva por setores econômicos, prevalecendo sobre negociação por empresa ou individual, é importante, porque reverte uma tendência das reformas neoliberais”, aponta. Ex-diretor técnico do Dieese, Lúcio destaca ainda a proposta de restringir a adoção de contratos de trabalho de curta duração.

Outro participante do encontro, Artur Henrique, diretor da FPA e ex-presidente da CUT, vê na proposta de uma política oficial e permanente de valorização do salário-mínimo um dos pontos mais importantes. E destaca medida para a questão previdenciária: a Espanha propõe que empresas que registrem maiores índices de rotatividade e, portanto, de demissões, paguem alíquotas diferenciadas para a Previdência.

As mudanças pretendidas na Espanha preveem também a garantia de direitos trabalhistas a entregadores e motoristas que trabalham para aplicativos, incluindo representação sindical. Em linhas gerais, propõem ainda respeito a acordos e convenções coletivas até que novos sejam celebrados, programas permanentes de qualificação de jovens, alíquotas diferenciadas de imposto de renda para diminuir a desigualdade salarial entre gêneros e fortalecimento dos mecanismos de Estado para fiscalização das condições de trabalho em todo o país

O próprio processo de elaboração dessas medidas na Espanha é elogiado. Por nove meses, representantes dos governos, dos trabalhadores e do empresariado debateram as propostas. O tema foi articulado também junto à União Europeia. Esse diálogo tripartite, absolutamente abandonado e demonizado no Brasil desde Temer, deu origem ao projeto atual, que segue agora para análise do parlamento. A coalizão que dá suporte ao presidente Pedro Sánchez, que é do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), precisa de aproximadamente 20 votos fora de suas fileiras para aprovar a reforma.

Os representantes do governo estão otimistas quanto à aprovação. Uma das razões para a confiança é a dinâmica com que as propostas foram construídas: apoiadas pelos trabalhadores e pelo empresariado, chegam ao parlamento com respaldo. Antes da votação, que deve ocorrer em fevereiro, o movimento sindical espanhol realizará assembleias para divulgar as mudanças e obter apoio. Todo esse percurso resultou em debate nos meios de comunicação, o que populariza o tema.

Algo semelhante ao que ocorreu em alguns momentos nos governos de Lula. Artur Henrique, então presidente da CUT quando foi aprovada a lei de valorização permanente do salário-mínimo, lembra que a votação foi precedida por cinco grandes marchas anuais do movimento sindical a Brasília. “Aquilo gerou um debate que deu sustentação política à medida, que durante anos foi apontada como inviável. Diziam que não haveria dinheiro para sustentar aumentos acima da inflação, que quebraria as empresas, que geraria alta descontrolada de preços. E a realidade provou o contrário”, lembra.

Nesse episódio envolvendo a legislação trabalhista, encontram-se algumas pistas para a disputa política que transcorrerá ao longo deste ano. Nas redes sociais, um caminho para transpor o cerco midiático. No apelo a exemplos internacionais, uma forma de mostrar à opinião pública que temas-tabu para a mídia e seus analistas são tratados com sucesso de maneira diferente em outros países. E, no diálogo social, o retorno de um estilo de fazer política que deu resultados positivos entre 2003 e 2010.

Para completar, será preciso, entre outros elementos que certamente serão lembrados ao longo do trajeto, um Congresso Nacional diferente. Como lembra o jornalista Fernando Morais, celebrado biógrafo: “É preciso eleger Lula, mas apenas isso o deixará de mãos atadas se, simultaneamente, os eleitores não levarem para a Câmara Federal e para o Senado uma maioria de candidatos nacionalistas, comprometidos com a propriedade social das riquezas e com a volta dos direitos dos trabalhadores”.

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