Investigação internacional envolvendo 35 líderes políticos ao redor do mundo, entre 300 funcionários públicos de alto escalão de diversos países, revela arquivos de offshore: o escândalo Pandora Papers. O ministro da Economia do Brasil está entre os milionários que esconderam dinheiro em paraísos fiscais, assim como o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto

 

 

 

Em de setembro de 2014, com o mercado financeiro agitado diante da iminência da reeleição de Dilma Rousseff (PT), o Banco Central interveio para conter a alta do dólar. No dia seguinte, o economista Paulo Guedes, então sócio da Bozano Investimentos, gestora de recursos, fundou a Dreadnoughts International, uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe. Nos meses seguintes, Guedes aportaria US$ 9,54 milhões — o equivalente, hoje, a mais de R$ 50 milhões — na conta da empresa, numa agência do banco Crédit Suisse.

Passados sete anos, Guedes é agora o ministro da Economia. E sob sua administração está a política econômica do governo. Suas diretrizes o beneficiaram diretamente e o deixaram mais rico. Guedes está entre os 300 funcionários públicos ao redor do mundo que aparecem nos arquivos de empresas offshore, apelidados de Pandora Papers, revelados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. O material veio a público no último domingo, 5, que mostrou offshores ligadas a 133 bilionários — de mais de 40 países ­­­­— listados no ranking da Forbes.  O Brasil é o 2º país com mais bilionários do ranking conectados a offshores, com 15. Fica atrás da Rússia, com 40, e à frente do Reino Unido, com 10.

No Brasil, a abertura de uma offshore ou de contas no exterior não é ilegal, desde que o saldo mantido lá fora seja declarado à Receita Federal e ao Banco Central. Mas, no caso de servidores públicos, a situação é diferente. O artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, instituído em 2000, proíbe funcionários do alto escalão de manter aplicações financeiras, no Brasil ou no exterior, passíveis de serem afetadas por políticas governamentais.

Ora, Paulo Guedes é o ministro da Economia, acumulando amplos poderes como nenhum outro ministro desde o governo Fernando Collor. Guedes tem sob o seu guarda-chuva três antigos ministérios: Fazenda, Planejamento e Trabalho. Está sob responsabilidade de Guedes a condução da política econômica. Sob o seu comando ainda há o Banco Central, presidido pelo economista Roberto Campos Neto, autoridade que conduz a política monetária. Pois Campos Neto também tem uma offshore em paraíso fiscal. Ambos terão de se explicar perante o Congresso.

A proibição a autoridades públicas em deter contas fora do país não se refere a toda e qualquer política oficial, mas àquelas sobre as quais “a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função”. Em janeiro de 2019, cinco anos depois de abrir uma offshore e depositar US$ 9,54 milhões, Guedes virou o principal fiador do governo Bolsonaro e assumiu o cargo de ministro da Economia. Sob sua responsabilidade estão decisões capazes de afetar seus próprios investimentos no exterior.

Na sexta-feira, 8, Guedes — depois de seis dias — decidiu se explicar. “Perdi muito dinheiro estando aqui [no Ministério da Economia] exatamente para evitar problemas como esse”, afirmou. “Tudo o que estava ao meu alcance de investimento eu vendi, tudo pelo valor de investimento. Eu perdi muito mais do que o valor da companhia que está declarado legalmente lá fora. É permitido, não fiz nada de errado”, disse, candidamente.

As penas para quem infringe o artigo 5º do Código de Conduta variam de simples advertência à recomendação de demissão. Apesar do conflito de interesses em potencial, Guedes mantém o controle da offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. O ministro teria lucrado R$ 14 milhões com a valorização do dólar, somente durante o seu mandato à frente da pasta. Mas suas decisões afetaram muito mais do que a valorização cambial.

A proposta de reforma tributária apresentada pelo governo ao Congresso é um exemplo do conflito de interesses. Por sugestão da Receita Federal, o projeto da reforma previa a taxação de ganhos de capital no exterior, incluindo investimentos em paraísos fiscais — situação que, sabe-se agora, atingiria o ministro Guedes. A ideia, no entanto, acabou derrubada com a anuência do Ministério da Economia.

Outro item da reforma, negociado e aprovado pela equipe econômica, reduz drasticamente a taxação sobre a repatriação de recursos. Hoje, a taxa não é um consenso, e sempre rende discussões judiciais, mas varia de 15% a 27,5%, a depender do volume de recursos. Pela proposta do governo, a alíquota, se aprovada, cairá para 6%.

Guedes não é o único integrante da equipe econômica do governo Bolsonaro nos Pandora Papers. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, também consta nos documentos como dono da Cor Assets S.A., uma offshore no Panamá, outro paraíso fiscal, situado na América Central.

Ele criou a offshore em 2004, com capital de US$ 1,09 milhão — o equivalente hoje a R$ 6 milhões — e continuava como controlador quando assumiu o posto no governo em fevereiro de 2019. À diferença de Guedes, ele fechou sua offshore em outubro do ano passado. Ainda assim, durante os 22 meses em que presidiu o BC na condição de dono da Cor Assets, Campos Neto poderia ser enquadrado no artigo 5º do Código de Conduta.

No cargo de presidente do BC, Campos Neto também tem acesso a dados estratégicos, como câmbio e taxas de juros, capazes de afetar seus investimentos lá fora. Em julho do ano passado, por exemplo, assinou portaria mudando as regras para a declaração de ativos no exterior. Até então, todo brasileiro que tivesse mais de US$ 100 mil lá fora tinha que informar o BC todos os anos. Com a portaria, esse valor subiu para US$ 1 milhão — uma mudança que, dizem os especialistas, reduziu a transparência dos investimentos de brasileiros no exterior. Não se sabe o volume de recursos que Campos Neto mantinha em sua offshore quando a fechou. Agora, o presidente do BC e o ministro da Economia terão de revelar como administram suas fortunas fora do país.

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