Fake news faz parte da nossa vida. Quem nunca contou uma mentirinha para a sua namorada?”. Com esse tipo de declaração, o presidente Jair Bolsonaro tenta naturalizar e minimizar um dos maiores desafios das democracias modernas: o combate às campanhas de desinformação e à disseminação em massa de notícias falsas. Essa estratégia, que corrompe o processo democrático, vem sendo amplamente utilizada pela extrema direita mundial para moldar comportamentos e cooptar eleitores, tendo como casos emblemáticos a primeira campanha eleitoral de Donald Trump, nos Estados Unidos, e o Brexit, que retirou o Reino Unido da União Europeia.

No Brasil, em um cenário de derretimento do apoio popular ao seu governo, Bolsonaro tenta pavimentar uma solução que permita repetir, nas próximas eleições, o método de massificação das fake news, fundamental para sua vitória em 2018. De acordo com o último levantamento DataFolha, 53% dos brasileiros consideram o governo ruim ou péssimo. É o pior índice do seu mandato. A popularidade de Bolsonaro também desabou com a divulgação da “carta de rendição”, resposta ao enorme fiasco que foram os atos golpistas do 7 de Setembro, convocados pelo próprio presidente.

Derrotado pelo Senado, que devolveu ao Palácio do Planalto uma medida provisória que impedia as plataformas de redes sociais de removerem conteúdos e contas que divulgam fake news, Bolsonaro enviou ao Congresso nova proposta nos mesmos moldes. A iniciativa é vista como uma resposta do governo aos avanços das investigações do inquérito das fake news, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, no Supremo Tribunal Federal, e uma tentativa de blindar a rede bolsonarista de divulgação de fake news e ataques antidemocráticos e de ódio.

Moraes tem autorizado operações da Polícia Federal para investigar o financiamento de atos contra a democracia que atingem bolsonaristas, como Alan dos Santos, do Terça Livre, e chegou a incluir o próprio Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news. Outro duro golpe contra a rede de mentiras do presidente foi a decisão do corregedor-geral eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, determinando o bloqueio de repasses de dinheiro de redes para canais investigados por propagação de informações falsas sobre as eleições brasileiras.

Outra frente de atuação dos bolsonaristas para a construção de uma rede de desinformação na internet com vistas às eleições de 2022 envolve uma articulação internacional da extrema direita para fugir do escopo de atuação do TSE e do STF.

Essa rede global é liderada por Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump, envolvido no escândalo da Cambridge Analytica, empresa norte-americana que fechou as portas em 2018, após ser acusada de obter, de forma ilegal, informações pessoais de milhões de usuários do Facebook.

Bannon, que já foi preso nos EUA após ser denunciado por fraude em uma campanha de doações na internet, mantem relações com Olavo de Carvalho, guru da ala ideológica do governo Bolsonaro. Também tem relações com os filhos do presidente, especialmente o deputado federal Eduardo Bolsonaro, e dá aconselhamento à família desde as últimas eleições presidenciais.

Recentemente, Bannon se alinhou a Bolsonaro na crítica ao sistema eleitoral brasileiro, especialmente à lisura das urnas eletrônicas. E declarou, na contramão de todas as pesquisas eleitorais, que o líder extremista brasileiro venceria o pleito de 2022 — “a menos que seja roubado”. Bannon foi quem classificou Lula como o “esquerdista mais perigoso do planeta”.

A relação mais próxima de Bannon e bolsonarismo parece ser por meio do deputado. São diversas as fotos de ambos na internet. O filho ZeroTrês de Bolsonaro é embaixador, na América do Sul, de uma aliança internacional da extrema direita idealizada pelo guru estadunidense.

Outro ator importante na construção dessa rede mundial de disseminação de fake news da extrema direita é Jason Miller, aliado de Bannon e que igualmente foi assessor de Trump. Ele é criador de uma nova rede social chamada Gettr, que conta com 2 milhões de seguidores no planeta, sendo cerca de 280 mil no Brasil, inclusive o ex-chanceler Ernesto Araújo, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), o blogueiro Allan dos Santos e o ministro das Comunicações, Fábio Faria, além dos filhos do presidente e o próprio Bolsonaro.

A Gettr foi criada por causa do banimento de Trump do Twitter, do Facebook e do Youtube, após a invasão ao Capitólio, no início deste ano. A plataforma promete “lutar contra a cultura do cancelamento” e “defender a liberdade de expressão”, além de “desafiar” o monopólio das big techs.

Miller esteve no Brasil em reunião com Eduardo, nas vésperas dos atos antidemocráticos promovidos pelo presidente em 7 de Setembro. Antes de deixar o país, teve que prestar depoimento à Polícia Federal sobre milícias digitais por ordem do ministro Alexandre de Moraes. 

De acordo com denúncia dos jornalistas Jamil Chade e Lucas Valença, do UOL, representantes brasileiros já procuraram empresas norte-americanas para auxiliar na campanha de Bolsonaro em 2022 com a prestação de serviços de disparo de mensagens direcionadas em larga escala. 

Segundo a reportagem, a terceirização desse serviço por uma empresa no exterior pretende dificultar “o controle de órgãos do Estado contra os chamados ‘avatares’, ou robôs difusores de notícias falsas ou retiradas de contexto e tempo”.

A matéria do UOL explica que o esquema de difusão de fake news funcionaria a partir da produção de “farms”, a reunião de milhares de avatares, com IPs mascarados, passando a impressão de que as mensagens estariam sendo disparadas ou publicadas no Brasil.  Na verdade, esses robôs estariam sendo operados fora do país, o que não permitiria às autoridades brasileiras fiscalizarem a fraude.

Por isso, o grande desafio da democracia brasileira no que diz respeito à regulação da mídia e das plataformas para as eleições de 2022 é o combate às fake news e às campanhas de desinformação.

O tema ganha mais relevância quando o país está diante de um presidente que difunde fake news no plenário das Nações Unidas e responde a quatro ações por abusos econômicos e uso indevido de redes sociais junto ao TSE, processos ainda não julgados. A regulação do tema é fundamental para a realização de eleições limpas e seguras no Brasil em 2022.

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