A semana que passou foi marcada por fatos aparentemente desconexos. Num fato até então inédito no Brasil, um psicopata invade uma escola nos subúrbios do Rio, mata a tiros 12 crianças, fere mais de 20 e se suicida, após ser contido em sua fúria assassina pelo tiro de um  policial. Noutro fato, também inédito nas relações internacionais do Brasil, a Organização dos Estados Americanos, por solicitação de uma entidade brasileira, exige do governo brasileiro a paralisação das obras da hidrelétrica de Belo Monte. Finalmente, num fato surpreendente para algumas correntes do PT, que tinham a esperança de contar com Aécio Neves como aliado, o ex-governador de Minas faz um discurso no Senado, tendo como alvo principal de seus ataques justamente o PT e sua história, em contraposição à história do PSDB.

No primeiro fato, se seguíssemos com atenção os noticiários dos meses mais recentes, poderíamos ter presumido que algo de mais grave estaria por acontecer. Crimes sucessivos, envolvendo jovens e crianças, sem  motivação muito clara, vinham se repetindo numa sucessão macabra em quase todos os estados do país. Quase todos com armas de fogo nacionais, adquiridas legal ou ilegalmente.

Paralelamente, pela coragem de uma mulher do povo, descobriu-se que as patrulhas policiais haviam criado uma nova forma de fazer justiça com as próprias mãos, matando infratores à queima roupa, e transportando-os a seguir para hospitais, como feridos em tiroteio. Nos boletins de ocorrência constavam mortes durante o transporte de socorro. Apenas em São Paulo, suspeita-se do assassinato de mais de 450 pessoas através dessa nova modalidade. Dificilmente se pode crer que esta seja uma criação exclusivamente paulista.

Temos, pois, num crescendo, uma preocupante banalização da violência criminal, individual e coletiva, na contramão do arrefecimento da ação armada de traficantes e outros tipos de banditismo, pelo menos no Rio de Janeiro, possivelmente pressionando a ação de psicopatas.

No segundo fato, encontramos a tentativa explícita de interferência nos assuntos internos de um país. Os Estados Unidos já haviam voltado a proclamar seu direito de declarar guerras preventivas, como fizeram no Afeganistão e no Iraque. Agora, juntamente com França, Inglaterra e Itália, com suporte da OTAN, e utilizando uma resolução ambígua da ONU, interferem militarmente, descarada e abertamente, na Líbia, novamente a pretexto de derrubar um ditador.

O mais chocante é que a imprensa, grande parte dos jornalistas, e mesmo setores de esquerda, acham isso normal. Não é por acaso, assim, que entidades que formalmente pretendem defender os índios e o meio ambiente, ao invés de mobilizarem o povo brasileiro para decidir as pendências nacionais, se arrogam o direito de apelar para um organismo internacional tomar a si a tarefa de tomar tal decisão. E que tal organismo, a OEA, ao contrário de se declarar incompetente para resolver problemas internos dos países, tenha achado natural exigir do governo brasileiro paralisar um de seus principais empreendimentos energéticos.

Temos, pois, num crescendo, uma preocupante banalização da violência de interferência de potências e organismos internacionais nos negócios internos de países independentes, na contramão do desejo soberano dos povos decidirem seu próprio destino, seja contra ditadores, seja contra colonizadores, seja contra o tipo de vida que vinham levando.

No terceiro fato, nos defrontamos com a liderança do PSDB, que pretensamente estabeleceria pontes de entendimento com o governo federal dirigido pelo PT, disparando torpedos contra esse partido. É provável que esta tenha sido a condição para um acordo interno da oposição de direita, através do qual Serra passa o cetro para Aécio, mas sob a condição deste não dar qualquer trégua ao PT. E, por mais que o novo líder tucano tenha se resguardado de fazer ataques frontais ao governo, não há dúvidas de que tais ataques estavam embutidos em  sua tentativa de desqualificação do PT.

Temos, finalmente, mais uma banalização da violência, desta vez na tentativa de mascarar o real papel histórico do PSDB e de esconder sua rápida transformação de um pseudo-partido social-democrata e progressista, num partido de direita, com tendências de se tornar ultra-direitista, no velho estilo da antiga União Democrática Nacional.

O nexo da banalização da violência, seja da criminalidade bestial, da interferência descarada nos assuntos internos de países independentes, e da distorção da história, embora aparentemente através de fatos tão dispares, talvez contribua para alertar nosso povo de que estamos diante de fenômenos nacionais e internacionais que demandam a mobilização e a intensificação dos laços de solidariedade popular, democrática e nacional.

Nesse sentido, é bem-vinda a decisão do professor Bresser Pereira, um dos fundadores do PSDB, que não só abandonou esse partido, como fez questão de desnudar sua verdadeira natureza. Segundo ele, já no governo FHC o partido caminhava para a direita muito claramente. Com a vitória do PT, em 2002, o PSDB continuou sua marcha acelerada para a direita e, desde 2006, tornou-se o partido dos ricos.

Ainda segundo Bresser Pereira, pela primeira vez na história do Brasil houve eleições em que ficou absolutamente nítida a distinção entre a direita e a esquerda, ou seja, entre os pobres e a classe média e os ricos. E um partido dos ricos não lhe serve, seja pela sua posição social-democrata, seja pela sua posição nacionalista econômica. Ele reconhece que tanto ele quanto o PSDB mudaram. Este mais para a direita e ele um pouco mais para a esquerda, recuperando algumas ideias nacionalistas que achava muito importantes.

Bresser Pereira também reconhece que a democracia sempre foi uma demanda dos pobres, dos trabalhadores, de classes médias republicanas, nunca foi dos ricos. Os ricos odeiam a democracia, embora digam que defendem. Se não têm ódio, pelo menos têm medo da democracia. Ele também retoma sua antiga posição de democrata radical, denunciando que a corrupção existe porque o capitalismo é essencialmente um sistema corrupto e os capitalistas estão permanentemente corrompendo o setor público.

Finalmente, Brasser confessa que acreditava piamente na competição capitalista e não entendia o sentido do conceito de fraternidade. Apenas há pouco descobriu que ele é absolutamente fundamental, porque na sociedade capitalista existe uma quantidade muito grande de pessoas cuja capacidade de competir é muito limitada, e não são capazes de se defender da competição como devem. É por isso que ele considera o Bolsa Família um mecanismo altamente fraterno, solidário.

Talvez sabendo a importância da solidariedade, há muito temos reiterado que o PSDB é o principal inimigo político do povo brasileiro, sendo inconsistente incutir qualquer ilusão a respeito de uma possível semelhança entre o tucanato e o petismo. Neste momento de tensão, causado pela banalização da violência criminal, da violência da interferência das potências e organizações nos problemas internos dos países, e da violência verbal da nova liderança tucana, é reconfortante constatar que Bresser Pereira redescobriu a fraternidade e a solidariedade.

*Wladimir Pomar é analista político e escritor. É um dos autores do livro Curso de Formação em Política Internacional (editado pela EFPA e disponível para download gratuito na Biblioteca Digital), entre outras obras.