A cada nova cidade, a cada ato ou manifestação que se sucede na caravana de Lula pelo Nordeste do Brasil florescem histórias e cenas das mais comoventes. Há muito sentido pedindo passagem, expressão da avalanche de contrastes entre a vida de ontem, que semeava futuro, e a vida de hoje, esmagada pelo passado.

Há atos grandes em praças da matriz, onde se reúne a tropa saudosa do bom combate, há “piquetes” de gente das beiras que vai à pista fazer um aceno ao “peão” e guardar num selfie ou num suspiro existencial aquele instante insólito.

Lula não faz por menos e gasta o gogó com suas metáforas arrebatadoras. De peão pra peão, fala de soberania nacional, do difícil jogo com o mercado, da inadiável tarefa de regular e democratizar os meios de comunicação.

Na comunidade de Brasília Teimosa, Recife, talvez um dos maiores símbolos de resistência popular frente aos avassaladores interesses do capital, Lula cruza pela Rua da Esperança para um dedo de prosa com os membros da Associação de Pescadores.

Depois de décadas de luta, dormindo em palafitas e prestando serviços mal remunerados aos endinheirados de Boa Viagem, aquela gente conseguiu nos governos do PT (gestões de João Paulo no Recife e de Lula e Dilma) não apenas o reconhecimento de suas propriedades, mas também a urbanização do bairro que agora garante ao peão a mesma vista do patrão.

Entre os povoados do Cariri, alguns há seis anos sem chuva, um prefeito indignado vaticina: “se com Lula o peão virou patrão, com o Temer o patrão tá virando peão”. Mas mesmo os patrões que ainda resistem, mesmo aqueles que não vão lá muito com a cara do PT, acabam tendo que reconhecer que as políticas petistas foram fundamentais para impulsionar os seus negócios e que por isso torcem timidamente por Lula em 2018.

Já em Morada Nova, no Ceará, o vaqueiro Araújo, 74 anos, enquanto faz poesia falando de seu gibão de couro (“que não tem peso, não tem calor, pois tem alegria e recordações”), não deixa dúvida de que a permanência daquele povo em condições tão difíceis só é possível de ser entendida por razões existenciais: fora dali o valor do sertanejo não é visto. E como bem disse o jornalista Fernando Brito em artigo certeiro (leia aqui), a esperança que essa gente deposita em Lula é em essência a esperança de poder existir.

De fato, a imensa maioria que habita aqueles meandros do sertão nordestino (região de semiárido ainda com a maior população no mundo) sabe que Lula encarna a fugidia possibilidade de serem percebidos como cidadãos, de serem vistos, de terem ao menos parte de seu turbilhão de escassez mitigado por um dos seus, um peão que rasgou os céus, mas que segue peão.

Lula é a réstia de esperança para um mundo de gente que insiste no impressionante Vale do Seridó ou nas terras trincadas do Cariri, que esvazia a missa de domingo para alcançar a caravana, que estudou nos novos campi das universidades e dos institutos federais, e que agora vê seus sonhos e sua existência bloqueados pelo golpe dos patrões.

 

 

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