Nas duas últimas colunas, detalhamos os sucateamentos promovidos pela atual Secretaria de Cultura. Em contraposição com um crescente investimento em publicidade e marketing, a gestão fez modificações drásticas e autoritárias em programas como o Vocacional, Piá e o Edital de Dança.

O resultado é que, frente a essa onda de sucateamento, alguns coletivos ainda conseguem, à duras penas, se sustentar e resistir. Outros, porém, são obrigados a fechar as portas. Uma das grandes perdas desse primeiro semestre foi o fim do Clube do Choro, o qual contava com oficinas, shows e rodas de altíssima qualidade no Teatro Arthur Azevedo. Seu mísero orçamento de quinhentos mil reais por ano foi cortado integralmente, inviabilizando sua continuidade. Como dissemos anteriormente, o estrago não é só econômico (com aumento do desemprego e crescente falta de oportunidade), mas também no que concerne ao imaginário da cidade; ao desmantelar o Clube do Choro, uma vasta tradição musical perde território, afetando os produtores, frequentadores e amantes do samba: ou seja, bane-se uma comunidade inteira que por meio de vínculos afetivos reinventava a malha urbana. O mesmo se pode dizer do VAI.

Sem sombra de dúvidas, esse foi um dos editais que mais transformou a realidade das periferias de São Paulo. Focado em jovens de baixo poder aquisitivo, o Programa estimulava o desenvolvimento e a profissionalização de grupos recém-formados, oferecendo recursos para a estrutura técnica, ajuda de custo e permanência. O resultado foi um aumento marcante de coletivos de teatro, audiovisual, literatura, dança, grafitte e tantas outras linguagens.

A produção e qualidade das pesquisas/obras foram tão intensas que se criou um segundo edital, denominado VAI II, para abarcar os grupos que já haviam sido apoiados anteriormente. Nesse ano, o resultado atrasou mais de um mês e o número de selecionados baixou de 231 para 153 grupos.

Além disso, a Secretaria interveio na decisão final dos jurados, excluindo grupos já selecionados (tal postura, inclusive, não condiz com os termos legais do Edital). Pra saber mais, leia aqui. Para terminar, lembramos a precariedade e descaso com que foi produzida a Virada Cultural. Havia palcos sem estrutura, palcos sem energia elétrica, palcos com programação escassa, palcos que nem foram montados.

O cachê dos artistas foi reduzido drasticamente e os gastos com segurança e monitoramento nunca foram tão altos. O resultado? Na manhã chuvosa do domingo, as ruas do centro estavam vazias, havia mais policiais (fazendo a ronda) do que frequentadores dos shows. Doria propôs uma “descentralização das atividades”; se a ideia a princípio era interessante, pois pressupunha uma ocupação e valorização dos parques, bibliotecas e CEUS periféricos, com a ação militar na Cracolândia (realizada durante o evento), ficou evidente que o esvaziamento e o deslocamento geográfico da Virada foi estrategicamente pensado.

Enquanto os grandes shows ocorriam “para lá da ponte”, a região da Luz era sitiada com bombas, gás e destruição. Tal escolha é perversa até mesmo para empresários neoliberais, e utiliza da Cultura como isca para desviar a atenção. Mais do que isso, ao sucatear e sitiar de uma só vez o centro, a gestão parece bradar aos quatro ventos, que ali não será mais um território comum, mas sim, o quintal de novos investidores.

Tantas atrocidades não foram aceitas de forma passiva pela classe artística, pelo contrário, a mobilização transcende a divisão por linguagens e hoje, uma Frente Única, com coletivos de diversas origens, encabeça as ações de repúdio. Foram realizados atos na Prefeitura, na Secretaria de Cultura e nas avenidas do centro da cidade. Em uma delas, por exemplo, sete geladeiras foram chumbadas em frente ao prédio do gestor, indicando a insatisfação geral. Na semana de 31 de maio, a FUC ocupou o 11º andar da Galeria Olido. Como pauta principal, o movimento exigia a saída de André Sturm do cargo. A ocupação durou dois dias, com o apoio de várias pessoas dentro e fora do edifício. Por fim, a ameaça de reintegração violenta fez com que os manifestantes saíssem na quarta-feira, dia 1º de junho. Além disso, abaixo-assinados, vídeos de repúdio e petições circulam pela internet contra Sturm.

Sua posição é insustentável e as tentativas de manutenção são patéticas (que dirá os vídeos esteticamente idênticos de apoio). Se agora o foco é a queda do secretário, as perspectivas do movimento não terminam aí. Mais do que uma reivindicação personalista, é o futuro da Cultura e da classe artística que está em jogo. É sobre sua sobrevivência frente a uma onda conservadora que tem no espetáculo e na indústria cultural seus sustentáculos ideológicos.

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