Como vimos anteriormente , após o congelamento de 43,5% da verba da cultura, a Secretaria começou a operar numa lógica de contenção e corte.

Os primeiros programas atacados foram o Vocacional e o Piá (Programa de Iniciação Artística). Atuando mais de 15 e 8 anos na cidade (respectivamente), eles permitiam que adultos, jovens e crianças experimentassem processos criativos nas áreas de teatro, música, dança, literatura, artes visuais, entre outros. Mais do que oficinas tecnicistas, o intuito era estimular a sensibilidade artística e promover uma experiência horizontal e emancipadora de aprendizado, garantindo assim o que chamamos de “cidadania cultural”. Os projetos ocorriam em CEUS, Casas de Cultura e Bibliotecas de toda a cidade, com especial atenção para os equipamentos e bairros periféricos.

No início do ano, através de uma manobra jurídica, a Secretaria anulou o edital de contratação bienal dos Artistas-Orientadores (nomenclatura para os profissionais que conduzem os processos artísticos), deixando assim mais de trezentas pessoas sem emprego e outros milhares, sem aula. Ainda hoje, em pleno mês de junho, as atividades (que deveriam ter se iniciado em abril) não retornaram.

Um desmonte parecido pôde ser visto também no Fomento a Dança, uma lei que a anos possibilitava a pesquisa de diversos coletivos e grupos independentes. A prefeitura, através de outro arranjo burocrático, cancelou o edital em curso e criou um novo chamamento. Além da drástica redução da verba (de R$700 mil para R$ 200), foram alterados os princípios norteadores do edital: o processo de criação/pesquisa deixou de ser prioridade; o foco passou a ser o resultado final, sua produtividade e a quantidade de apresentações. Cabe ainda pontuar que em nenhum momento a Secretaria dialogou com os artistas que seriam diretamente afetados: tal decisão foi imposta arbitrariamente de cima para baixo.

Cabe aqui pausar um pouco a cronologia e analisar como o discurso oficial se apropriou do conceito de “público”. Se até então essa era uma pauta reivindicada pela esquerda e pelos trabalhadores, agora, ironicamente, os agentes neoliberais tomam para si tal conceito e esvaziam o sentido fundamental.

Durante anos, a classe artística batalhou para que a cultura fosse compreendida como um direito e um dever públicos, a serem garantidos pelo Estado. Agora, a gestão utiliza-se da mesma palavra atrelando-a a um senso de propriedade. Se voltarmos ao áudio inicial de Sturm, percebemos como ele se defende a partir da premissa de que os equipamentos culturais são “do Governo”, cabendo a ele autorizar ou não seu uso. O espaço deixa de ser “comum”, ou seja, construído pelas, para e com as comunidades e grupos locais, passa a ter um “dono” (distante, engravatado, burocrata) que ameaça e coage os indivíduos segundo seus interesses.

Paradoxalmente, o mesmo Estado que controla, ignora e/ou burocratiza as iniciativas espontâneas/locais, também se mostra absolutamente ausente e displicente. Por um lado, exige relatórios, parcerias infundadas, metas e autorizações; por outro, corta incentivos financeiros, sucateia direitos, explora profissionais. Quando convém utiliza de seus aparatos jurídicos e armados para executar ações, apoiando-se em sua “legitimidade democrática”; quando não convém, abandona setores sociais inteiros e transforma direitos básicos em serviços terceirizados.

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