José Maria Cançado (1952 – 2006)
Sexta-feira, 21 de julho de 2006, morre José Maria Cançado
Faleceu José Maria Cançado, escritor, jornalista e professor universitário
José Maria Cançado vinha lutando pela vida após um transplante realizado em 2004. Faleceu hoje, 20/7, aos 54 anos. Totalmente dedicado à literatura, integrava o Conselho Editoral da Editora Fundação Perseu Abramo e era professor da PUC-MG e jornalista. Como escritor, publicou inúmeros livros como registra Juarez Guimarães no texto O poeta desta edição (publicado na revista Teoria e Debate n° 64). Veja abaixo o poema e o texto de Juarez Guimarães e ainda a resenha do livro Sapatos de Orfeu publicada na Teoria e Debate n° 25.
Rumo à estação
da ficção suprema
? Que vêm fazer aqui
nos poros da estática estouradaça
da caixa de som do rap e do xote?
na sirene ligada da língua saturno e onano
do rapper e seu programa de paupéria e glória
do terceiro-urbano?
Personas e máscaras dos poetas
do mundo inteiro, uni-vos
e no mesmo passo desuni-vos
no despaisado da vossa condição e lilases:
Tal qual a zona liberada,
num palco da periferia do Brasil,
como a composição de um novo terno
e de um vasto mundo conato,
por tom eliot, seu pelo lilás pentecostal,
e o sujeito marrento no palco,
se a realidade não escreve
nem jamais escreveu,
ela ensaia uma ficção suprema,
entrar e sair do seu lugar nos livros,
e realizar-se no destino emancipado do poema.
O poeta desta edição
José Maria Cançado é ainda mais conhecido como crítico literário e ensaísta, publicado há mais de três décadas nos principais jornais e revistas do país. Nos anos 80 editou o saudoso Leia Livros, em sua fase literária mais brilhante. É autor de três livros preciosos que visitam parte de sua condição humana desde sempre literatizada: Marcel Proust – As Intermitências do Coração (Brasiliense, 1983), Sapatos de Orfeu (Scritta, 1994 e reeditado este ano pela Editora Globo), sobre Drummond, e Memórias Videntes do Brasil (Editora da UFMG, 2003), sua tese de doutoramento sobre a obra de Pedro Nava.
Sua condição autoral pública, que existiu sempre à sombra, irrompeu sob o signo da poesia em O Transplante É um Baião de Dois (Scriptum, 2004). Este livro, ao mesmo tempo belo e terrível, escrito a partir do CTI após um transplante de coração, é todo expansão e explosão da língua, disposta a sustentar este lugar personalíssimo do público. Velho coração, jovem coração: incapaz de suportar as “próprias dores” e, no entanto, mais vasto que o mundo. Como um Drummond radical. Extraído do livro ainda inédito Rumo à Estação da Ficção Suprema, no qual a tonalidade autobiográfica se acentua em prol de uma mais vasta ainda circulação, o poema publicado nesta edição amalgama a dicção do poeta inglês à voz rascante do rapper, conformando a utopia despaisada e para além das classes do poeta.