A participação popular melhora a qualidade das decisões tomadas na área da educação e têm um papel fundamental na democratização da gestão municipal.

Autor: José Carlos Vaz

É corrente a classificação da educação como a mais importante das políticas públicas, num país como o Brasil. Todas as prefeituras apontam a educação como área de destaque; a legislação obriga os municípios a aplicarem 25% dos seus recursos em educação. Mas, alguma coisa deve estar errada: apesar das medidas legais e do discurso difundido, assiste-se a uma constante deterioração do ensino oferecido pela escola pública.

Os cidadãos, no entanto, sabem muito pouco sobre o que realmente está acontecendo. Apenas verificam a perda de qualidade do ensino público, convivendo cotidianamente com as suas conseqüências. Além de receber poucas informações, também são raras as oportunidades que a sociedade tem de participar das decisões sobre a política educacional. Sua cidadania é duplamente atingida: como o direito à informação e à participação aparecem como secundários para muitos governos, a sociedade perde sua força na luta pelo seu direito à educação de boa qualidade.

DEMOCRATIZAR A GESTÃO DA EDUCAÇÃO

Permitir que a sociedade exerça seu direito à informação e à participação deve fazer parte dos objetivos de um governo que se comprometa com a solidificação da democracia. Democratizar a gestão da educação requer, fundamentalmente, que a sociedade possa participar no processo de formulação e avaliação da política de educação e na fiscalização de sua execução, através de mecanismos institucionais. Esta presença da sociedade materializa-se através da incorporação de categorias e grupos sociais envolvidos direta ou indiretamente no processo educativo, e que, normalmente, estão excluídos das decisões (pais, alunos, funcionários, professores). Ou seja, significa tirar dos governantes e dos técnicos na área o monopólio de determinar os rumos da educação no município.

A criação de mecanismos institucionais deve privilegiar os organismos permanentes, que possam sobreviver às mudanças de direção no governo municipal. Os órgãos colegiados, como conselhos, são os principais instrumentos.

Alguns elementos facilitam a implantação de medidas de democratização da gestão: a educação é uma política de muita visibilidade, atingindo diretamente grande parte das famílias e não é difícil mobilizar profissionais, pais e alunos.

É necessário que os mecanismos de democratização da gestão da educação alcancem todos os níveis do sistema de ensino. Devem existir instâncias de participação popular junto à secretaria municipal de educação, junto a escolas e, onde for o caso, em nível regional. Também é possível imaginar instâncias de participação especializadas, correspondentes aos diferentes serviços de educação oferecidos (creches, ensino de primeiro e segundo graus, alfabetização de adultos, ensino profissionalizante). Em qualquer instância, os mecanismos institucionais criados devem garantir a participação do mais amplo leque de interessados possível. Quanto mais representatividade houver, maior será a capacidade de intervenção e fiscalização da sociedade civil.

DIFICULDADES

Os governos municipais, mesmo quando desejam, muitas vezes não conseguem transformar em ações concretas as diretrizes políticas de ampliação da participação popular na gestão municipal. Há uma série de dificuldades, de caráter geral (descaso da população, conflitos de interesses, manipulação de grupos da sociedade, problemas de comunicação, etc.). No caso específico da educação, adicionam-se dificuldades como o desconhecimento das discussões e questões colocadas frente à política de educação do município. É necessário conseguir que pais, funcionários e outros atores envolvidos disponham de capacitação técnica mínima para participar do processo de planejamento e avaliação. Momentos especiais de formação dos representantes populares devem fazer parte das atividades normais dos órgãos.

EXPERIÊNCIAS

As experiências de democratização da gestão da educação vêm aumentando nos últimos anos. Há registros de ações realizadas por governos de estado (Mato Grosso, São Paulo) e por prefeituras.

O ponto central de grande parte das experiências tem sido a criação de Conselhos de Escola.

Em Vitória-ES, na gestão 1989-1992, a criação dos Conselhos de Escola foi complementada pela adoção da eleição direta dos diretores. A implantação dos mecanismos de democratização da gestão foi precedida por um período de um ano e meio onde as unidades escolares receberam textos preparatórios para a discussão. Após este período, formou-se uma comissão com representantes da secretaria municipal, das associações de pais e do sindicato dos professores, que encaminhou o projeto através do aprofundamento das discussões nas escolas e da sistematização das propostas surgidas no processo de debate.

Em Recife-PE, a prefeitura montou, recentemente, um sistema de gestão democrática da educação. A proposta caracterizou-se por contemplar a participação da sociedade no nível local (gestão das unidades), no nível regional e no nível municipal. O modelo escolhido combinou a introdução dos Conselhos Escolares com a criação das Comissões Regionais de Educação e da Conferência Municipal de Educação e a reformulação do Conselho Municipal de Educação. Com isto, estabeleceu-se um sistema com uma série de mecanismos voltados à efetivação da participação popular na formulação, fiscalização e controle da política de educação do município.

Os Conselhos Escolares são constituídos por uma representação paritária de pais, professores, alunos e funcionários. Têm a função de adequar as diretrizes e metas estabelecidas pelo Sistema Municipal de Educação às necessidades específicas de cada escola.

As Comissões Regionais de Educação receberam a atribuição de avaliar o ensino municipal de cada região político-administrativa e formular propostas de diretrizes e metas para o Sistema Municipal de Educação. São compostas por representantes dos Conselhos Escolares, das Escolas Comunitárias e das organizações populares voltadas à defesa do direito à educação.

A Conferência Municipal de Educação conta com representação da prefeitura, Legislativo Municipal, grêmios estudantis, associações de pais, organizações não-governamentais, sindicatos e associações. Como tem caráter deliberativo, é responsável pela formulação das diretrizes para a política educacional e a avaliação dos resultados da sua implementação. As diretrizes, formuladas a partir de propostas de todos os atores envolvidos, são sistematizadas pelos técnicos da prefeitura. A primeira Conferência, realizada em outubro de 1993, empreendeu uma discussão estratégica sobre a melhoria da qualidade do ensino da rede pública municipal, aberta a todos os interessados.

O Conselho Municipal de Educação é constituído por uma representação paritária dos Poderes Públicos e da sociedade civil. É responsável pela aprovação, em primeira instância, do Plano Municipal de Educação, elaborado pela Secretaria Municipal de Educação, a partir das conclusões da Conferência Municipal de Educação. Responsabiliza-se também por estabelecer critérios para a destinação de recursos e pela avaliação dos serviços prestados pelo Sistema Municipal de Educação. A aprovação final do Plano Municipal de Educação cabe à Câmara Municipal.

A formulação do sistema de gestão democrática da educação de Recife contou com a participação de entidades da sociedade civil. Este procedimento confere maior representatividade às instâncias criadas.

Para divulgar as modificações implantadas, a prefeitura lançou os "Cadernos de Educação", esclarecendo a proposta junto à população.

RESULTADOS

A democratização da gestão – especialmente quando se dá através de ações estruturadas – permite que os setores interessados participem da elaboração da política municipal de educação. São gerados, assim, ganhos em qualidade das decisões, pois estas podem refletir a pluralidade de interesses e visões que existem entre os diversos atores sociais envolvidos. As ações empreendidas passam a um patamar de legitimidade mais elevado.

A criação de instâncias participativas na gestão da educação diminui os lobbies corporativistas, por aumentar a capacidade de fiscalização da sociedade civil sobre a execução da política educacional. Força um aumento da transparência das ações do governo municipal, através da ampliação do acesso à informação.

Como a educação é uma política e um serviço público de grande visibilidade, a democratização de sua gestão traz resultados positivos para a ampliação da cidadania, por oferecer a um grande contingente de cidadãos a oportunidade de participar da gestão pública.

O governo municipal pode valer-se da estrutura do sistema de gestão democrática da educação para ampliar sua capacidade de comunicação com a população. Neste ponto, os Conselhos de Escolas, por atingirem diretamente grande parte das famílias, têm papel fundamental.

A democratização da gestão da educação atua sempre como um reforço da cidadania, constituindo-se em fator de democratização da gestão municipal como um todo.

A obtenção destes resultados, no entanto, depende da vontade política da administração de ampliar os espaços de participação da sociedade na gestão municipal. Depende, também, da adoção de outras medidas visando a democratização do ensino. Um governo que não se preocupar com estes dois pontos dificilmente conseguirá implantar um verdadeiro sistema de gestão democrática da educação.


*Publicado originalmente como DICAS nº15 em 1994