Esta é uma das cinco experiências premiadas como destaque no ciclo de 1996 do Programa de Gestão Pública e Cidadania (iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas – SP e Fundação Ford).Autor: José Carlos Vaz

O Programa de Universalização do Ensino, empreendido pela Prefeitura Municipal de Icapuí-CE (15 mil hab), começou em 1986 e continua até hoje, sem ter sofrido interrupções.

Esta é uma das cinco experiências premiadas como destaque no ciclo de 1996 do Programa de Gestão Pública e Cidadania (iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas – SP e Fundação Ford).Autor: José Carlos Vaz

O Programa de Universalização do Ensino, empreendido pela Prefeitura Municipal de Icapuí-CE (15 mil hab), começou em 1986 e continua até hoje, sem ter sofrido interrupções.

Os objetivos iniciais do Programa são a implantação de um sistema educacional baseado no acesso universal e garantia de permanência das crianças a partir de cinco anos em uma escola de qualidade e a erradicação do analfabetismo no município. A prefeitura mobilizou a população e constitui uma rede de ensino com 30 escolas e duas creches, distribuídas em 33 núcleos populacionais, ligadas através de um sistema de transporte escolar.

Desde sua implantação, o número de vagas cresceu mais de 650 % (de 700 para 5256), o analfabetismo foi reduzido à metade e a qualidade do ensino melhorou sensivelmente.

HISTÓRICO

O município de Icapuí, no litoral cearense, emancipou-se de Aracati em 1985. A educação era a face mais evidente do descaso em que se encontrava o até então distrito. A maioria das crianças estava fora da escola, o número de professores era inferior a 30 e apenas três com formação de 2º grau, faltava lousa, giz, carteiras e material escolar. Até a implantação do Programa, só eram oferecidas salas até a 4ª série do primeiro grau, na maior parte das comunidades não havia escolas, as vagas eram insuficientes para todas as crianças e o acesso ditado por critérios clientelísticos.

O novo governo assumiu em janeiro de 1986, com a diretriz básica de permitir o acesso à escola de todas as crianças, já no ano letivo que se iniciaria em março. Nesse período, articulou e mobilizou a sociedade para aumentar o número de salas de aula, professores e matrículas (que passou, nesse momento, de 700 para 1449). Após esse esforço inicial, foram implantados o transporte escolar e uma rede física para substituir a precariedade da estrutura inicial.

Os Círculos de Leitura, utilizando a metodologia de Paulo Freire, reduziram o analfabetismo entre a população acima de 14 anos de 49% para 23% e favoreceram a formação social dos alfabetizandos.

Em 1987, o município implantou as quatro últimas séries do 1º grau e, em 1992, o 2º grau, oferecendo habilitação em magistério. Com isso, o município passou a formar seus próprios professores para o 1º grau. A rede estendeu-se também aos serviços de pré-escola e atinge, atualmente, mais de metade da população entre 0 e 6 anos.

A SOLUÇÃO IMPLANTADA

A prefeitura organizou e liderou uma grande mobilização em todo o município. Inicialmente, foram realizadas reuniões com a população, buscando soluções para a implantação de escolas e para suprir a carência de professores. Foram improvisadas salas de aula em igrejas, salões paroquiais, casas emprestadas, alugadas, e até mesmo à sombra de árvores. Para suprir a demanda por professores, foram selecionados aqueles que, após indicação das comunidades e um trabalho de capacitação, poderiam ocupar a função. Também as autoridades municipais, nesse momento, dedicaram-se ao magistério.

Com o tempo, as salas precárias foram substituídas pela rede escolar, erguida através da captação de recursos para a construção de escolas em cada comunidade, e o ensino foi melhorado com a aquisição de equipamentos e material didático e com a capacitação dos professores, estímulos salariais e realização de concurso público para contratação.

A criança tem vaga garantida na escola de sua comunidade até a 4ª série (ensino básico). As escolas regionais oferecem ensino até a 8ª série, contando com transporte escolar. No final do 1ª grau, é oferecido transporte para que o jovem possa se deslocar até a sede do município, onde cursará o 2º grau. Os jovens que ingressam no curso superior em cidades próximas têm apoio da prefeitura no seu transporte para a faculdade.

Os jovens e adultos não escolarizados têm educação garantida através da implantação de salas de alfabetização nas comunidades. Os jovens com faixa-etária avançada em relação à série que cursam são atendidos com ensino supletivo (ciclo básico de 1º grau menor).

GESTÃO

O programa leva em conta a preocupação dos sucessivos governos municipais em democratizar a gestão e descentralizar as decisões. A participação dos cidadãos e o comprometimento dos professores garantem sua vitalidade.

Essa participação concentra-se na gestão das escolas, através dos Conselhos Escolares, e na realização de atividades comunitárias ligadas à educação (mutirões para manutenção de escolas, mobilização, sensibilização e acompanhamento "in loco" da efetividade do projeto). Existe autonomia pedagógica das escolas e o próximo passo é a implantação de mecanismos de autonomia financeira.

O programa é sustentado basicamente com recursos da prefeitura, que destina para a educação 27,66% da receita própria (impostos e transferências) e 33,11% da receita total (própria mais receitas de convênios).

Em 1995, o gasto total chegou a R$ 967 mil, o que significa R$ 16,23 por aluno mensalmente (R$ 17,60 previsto para 1996). Estes gastos incluem também os investimentos na manutenção e expansão da rede. Esses valores ainda são bastante inferiores aos desejáveis e necessários.

Por conta dos resultados alcançados, a prefeitura tem obtido recursos adicionais para o programa (dinheiro e assessoria técnica), por meio de convênios com UNICEF e Secretaria Estadual da Educação (municipalização do ensino).

CARÁTER INOVADOR

Do ponto de vista do contexto regional, o programa é, hoje, um exemplo e uma referência no Ceará, no Nordeste e no Brasil. Por conta disso, o município foi pioneiro na municipalização do ensino no Ceará (convênio com o governo estadual).

O programa inovou também no uso racional dos recursos, incrementando a qualidade de ensino sem dispor de muito dinheiro. Os investimentos privilegiaram a construção de várias unidades descentralizadas, modestas e eficazes, em vez da construção de uma escola grande e sofisticada.

Merece destaque também a implantação do 2º grau através da rede municipal e o transporte de estudantes universitários para outras cidades.

A introdução do ensino profissionalizante voltado à geração de emprego e renda e desenvolvimento local também se afiguram como inovações que podem ser muito positivas.

DIFICULDADES

Mesmo com toda a sensibilização e mobilização, as circunstâncias sociais, econômicas e culturais ainda impedem resultados melhores em termos de permanência na escola. O principal problema é a evasão por motivos econômicos, destacando-se a mobilidade de famílias ligadas à pesca da lagosta, que partem de Icapuí durante o período letivo.

Os recursos aplicados não cobrem as exigências de aperfeiçoamento da rede. A estrutura física disponível é inadequada para um ensino de qualidade. A oferta de condições para o trabalho do professor ainda é insuficiente, por conta da carência de recursos.

REPRODUÇÃO

O Programa de Universalização do Ensino em Icapuí pode ser implantado em outros municípios, respeitando-se as peculiaridades existentes. O método adotado não exige grande especialização. Baseia-se na participação da população e no seu comprometimento em universalizar o ensino.

Para implantar um programa semelhante, é necessário um profundo comprometimento do governo municipal, em termos de investimento de recursos e atenção do governo.

A formação de professores, incluindo-se o oferecimento do curso de 2º grau e de programas de capacitação pode ser realizada por grupos de municípios conveniados, tornando menos custoso o processo.

RESULTADOS

Após dez anos de vigência, é impossível não considerar o Programa de Universalização do Ensino bem-sucedido e exemplar: é consenso no município que não falta escola para nenhuma criança e que a qualidade do ensino tem melhorado consistentemente. Icapuí tornou-se referência fortíssima para o Ceará e a Região Nordeste. Em 1991, o programa foi premiado pelo UNICEF (Prêmio Criança e Paz), reconhecendo seu impacto social, e tornou-se uma referência mundial. O programa atingiu praticamente a totalidade dos objetivos inicialmente propostos, com excelentes resultados na redução do analfabetismo e na escolarização da população. No entanto, seus resultados vão além, e podem ser vistos na dinâmica social de Icapuí.

O programa serviu como incentivo à participação popular na gestão municipal, tanto pela democratização da gestão da educação como pelo oferecimento de uma educação voltada ao desenvolvimento da cidadania.

O sucesso do programa significa também uma valorização do ensino público, gratuito e de boa qualidade como direito do cidadão. Criou-se uma "cultura da escolarização", com a consciência na população de que em Icapuí existe escola pública e gratuita para quem queira estudar, e que este é um direito fundamental dos cidadãos.

Também é oportuno apresentar o impacto social da grande investida na criação e recriação da cultura popular realizada a partir da escola, que funciona como um lugar privilegiado para o desenvolvimento de atividades como artes plásticas, teatro, música, esporte e recreação. Grupos de teatro formados nas escolas têm se apresentado em várias localidades do Estado e participado de processos de reflexão estratégica sobre o futuro do município, como no caso da elaboração do plano diretor.

Criou-se uma disponibilidade de mão-de-obra capacitada no município, inclusive sendo absorvida na implantação de serviços públicos e organização da prefeitura. Também tem sido base de ações de promoção do desenvolvimento local (cooperativas de trabalhadores e pequenos produtores). A educação tende a se voltar para a promoção do desenvolvimento local (ensino profissionalizante) uma vez cumprida a etapa inicial de criação de condições básicas.

EDUCAÇÃO EM ICAPUÍ – COMPARAÇÃO 1985-1996

 

1985

1996

escolas

8

29 municipais
1 estadual municipalizada
2 creches

salas de aula

38

81

matrículas pré-escola

não havia

693

matrículas 1ª a 4ª

700

3090

matrículas 5ª a 8ª

não havia

1151

matrículas 2º grau

não havia

322

matrículas totais

700

5256

transporte escolar

não havia

5 veículos

analfabetos acima de 14 anos

49,3%

23,0%

Fonte: Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto de Icapuí


* Publicado originalmente como DICAS nº 67 em 1996