A participação da população local e a ação integrada entre várias secretarias favorecem projetos que buscam restaurar a qualidade de vida em regiões degradadas pela ocupação desordenada e irregular.Autora: Ana Paula Macedo Soares
elaborado a partir de documentos da Prefeitura Municipal de Vitória.

A participação da população local e a ação integrada entre várias secretarias favorecem projetos que buscam restaurar a qualidade de vida em regiões degradadas pela ocupação desordenada e irregular.Autora: Ana Paula Macedo Soares
elaborado a partir de documentos da Prefeitura Municipal de Vitória.

O uso e a ocupação do solo constituem preocupações constantes para o desenvolvimento urbano. É freqüente a existência de regiões com ocupação precária e irregular cujos habitantes vivem de maneira indigna e insalubre. O projeto São Pedro da Prefeitura de Vitória-ES é uma experiência bem sucedida de atuação nesse campo. O objetivo era melhorar condições habitacionais ao mesmo tempo em que se preservava o meio ambiente local, e melhorar as condições sociais, estabelecendo programas de educação, saúde e ação social.

A região da Grande São Pedro, localizada em Vitória (ES), passou por um processo de ocupação irregular, principalmente a partir da segunda metade da década de 1970, reunindo de forma desordenada 47 mil habitantes em um conjunto de treze bairros. A população vivia em condições miseráveis e muitos retiravam parte de sua sobrevivência de um aterro sanitário. Além disso, esta forma de ocupação devastava o manguezal característico da região.

Para a promover uma urbanização adequada e a conservar o meio ambiente foi necessário um conjunto de ações integradas capaz de administrar todas as dimensões do problema.

ANTECEDENTES

Entre os anos de 1977 e 1988 a prefeitura municipal realizou várias ações para atender às demandas dos moradores organizados do bairro, que eram apoiados por organizações civis. Estas ações, no entanto, tinham um caráter mais pontual e menos de planejamento estratégico.

A partir de 1988 teve início a elaboração de um projeto para a região da Grande São Pedro, definindo-se três objetivos principais:

a) delimitação do espaço de preservação ambiental, e conscientização da população local;

b) envolvimento da comunidade para a implantação dos critérios de uso e ocupação do solo;

c) urbanização das áreas destinadas ao estabelecimento urbano e promoção de melhorias habitacionais.

Posteriormente, o projeto foi ampliado pela prefeitura. No período de 1993 a 1996, houve um esforço adicional de elaboração de políticas públicas integradas para a melhorar a qualidade de vida da população. Mais recursos financeiros foram destinados ao projeto (havendo também captação de recursos federais), que se expandiu para outros bairros da região. Dois objetivos foram incorporados ao projeto:

a) desenvolvimento de políticas públicas setoriais articuladas para atender às necessidades da população (educação, saúde, cultura, esportes, direitos, geração de renda, meio ambiente);

b) desenvolvimento de todas as ações com a participação da população local.

AÇÕES REALIZADAS

Voltado inicialmente para os problemas de moradia, o projeto foi se desenvolvendo gradativamente até incorporar programas sociais.

A implantação de políticas públicas integradas exigiu do governo municipal um esforço de envolver várias secretarias no projeto, desenhar uma política de assistência social articulada com políticas básicas, contando com programas complementares de educação, saúde, cultura, esportes, geração de emprego e capacitação profissional.

No campo da urbanização e preservação ambiental, a prefeitura:

a) delimitou a área de manguezal, com fiscalização permanente realizada por órgãos ambientais federais, estaduais e municipais e cadastrou as famílias habitantes dos bairros adjacentes ao manguezal preservado;

b) definiu os critérios de parcelamento do solo, adotando o limite de 150 metros quadrados para o tamanho do lote, negociando a implantação do projeto urbanístico com todos os interessados para a implantação, mantendo os moradores nos bairros e indenizando as benfeitorias aos posseiros que investiram em suas posses;

c) implantou infra-estrutura urbana em toda a área passível de urbanização e melhorou o sistema viário, permitindo acesso a toda a região;

d) removeu de 475 famílias alojadas nas áreas de preservação e reassentado-as nas áreas urbanizadas dos bairros adjacentes;

e) forneceu e materiais de construção para reposição de perdas ocorridas durante a remoção das famílias;

f) construiu casas-modelo de 48 metros quadrados, em madeira (utilizadas pela prefeitura para postos de atendimento à população local), como forma de demonstrar a ocupação racional de um lote de 150 metros quadrados;

g) regularizou os loteamentos e titularizou os lotes; e

h) promoveu delimitação e contenção do aterro em toda a região e ações de educação ambiental.

A implantação de uma política de assistência social articulada com políticas básicas, baseou-se em:

a) construção e manutenção de escolas, praças, escolas de futebol e unidades sanitárias;

b) orientação, assistência familiar, campanhas de prevenção e educação sanitária;

c) implantação de uma fábrica-escola de alimentos, com treinamento e encaminhamento para o mercado de trabalho de 300 alunos por ano;

d) apoio à instalação de pequenos negócios para os egressos dos cursos e mediação do município para obtenção de financiamento especial;

e) programa de capacitação massiva para formação de empresas associativas, visando a organização de um sistema de participação social para geração de emprego e renda, integrando pesca, beneficiamento, comercialização, culinária, turismo e preservação ambiental;

f) atendimento a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social;

g) atendimento às famílias em situação de risco, fornecendo garantia de renda mínima familiar.

DIFICULDADES

Devido ao compromisso de manter toda a população na região, o tamanho máximo dos lotes não poderiam ultrapassar 150 metros quadrados , o que gerou forte resistência daqueles que já residiam nos bairros e não queriam ter o tamanho de seus lotes diminuídos. A solução foi alcançada mediante negociação e indenização de benfeitorias.

Quanto ao trabalho intersecretarial, houve dificuldades na integração das secretarias pois a cultura administrativa estava voltada ao trabalho setorializado, centrado na ação de cada secretaria isoladamente. Estas dificuldades iniciais representaram um aprendizado para uma ação articulada entre as secretarias.

PARCERIAS

O Projeto São Pedro mostra a importância de ações integradas para a solucionar problemas que envolvem vários aspectos e questões, e que é possível alcançar objetivos ao se estabelecer parceria entre o setor público e a comunidade.

Coube à prefeitura coordenar o projeto, captar os recursos necessários e articular as ações com os outros parceiros. A Caixa Econômica Federal foi responsável pela garantia de grande parte dos recursos financeiros, junto com o Ministério do Bem Estar Social e Integração Regional, responsável por parte dos recursos em 1993 e 1994. Coube à Companhia Estadual de Planejamento aprovar projetos, acompanhar as obras e operar os sistemas de água, esgoto e estações de tratamento dos esgotos domésticos. As organizações comunitárias participaram da discussão e elaboração dos projetos, acompanhando a execução das obras. As entidades não governamentais e os Conselhos também participaram, analisando e aprovando os projetos.

Os resultados puderam ser avaliados através da elaboração de relatórios mensais qualitativos e quantitativos, mantendo-se seminários de avaliação do projeto.

Quanto à participação popular, a prefeitura buscou uma articulação permanente entre prefeitura e comunidade. Para tanto, promoveu a participação sistemática dos moradores em todos os processos e etapas de trabalho, nas ações localizadas e nas ações globais sobre a região e a cidade, com a discussão do orçamento popular para a escolha das prioridades locais. Incentivou a organização das comunidades, realizando eleições de representantes e formação de comissões, além de assessorar o fortalecimento da organização popular.

RESULTADOS

Três pontos foram fundamentais para o sucesso do projeto e garantir sua efetividade: participação popular no planejamento e na gestão das ações públicas, realização de políticas integradas e a continuidade do projeto ao longo de várias gestões.

O trabalho efetuado melhorou as condições habitacionais na região, que deixou de ser um ponto de moradia precária, para tornar-se um espaço ocupado de forma integrada. O local, que antes era um espaço marginal, passou a integrar o espaço urbanizado da cidade.

As 450 palafitas foram substituídas por casas em terreno firme. As famílias que ocupavam a área do manguezal foram removidas e assentadas em espaços apropriados. Esse reassentamento foi acompanhado de um processo de regularização fundiária de 1.900.000 metros quadrados , beneficiando 9 mil famílias. Atualmente a região já conta com obras de infra-estrutura: 3 estações de tratamento de esgoto, 420 mil metros cúbicos de terraplanagem, 5 quilômetros de rede de drenagem pluvial, 15 quilômetros de redes de água potável, 18 quilômetros de rede de esgoto e 70 mil metros quadrados de pavimentação.

A remoção das palafitas e a fiscalização constante amenizaram os problemas ambientais. A integração entre a comunidade e o setor público possibilitou a legitimidade e a execução das diretrizes adotadas, o respeito aos limites da área de preservação ambiental e uma conscientização da população em relação à necessidade de conservar o meio ambiente.

Outro resultado alcançado foi a delimitação e contenção do aterro em toda a região, evitando o contato dos moradores com o lixo regional.

As políticas públicas articuladas proporcionaram a oferta dos serviços básicos, melhorando a qualidade de vida dos habitantes. A taxa de mortalidade infantil no primeiro ano de vida, que era de 33 óbitos por mil nascimentos em 1993, foi reduzida, em 1996, para 13,8 óbitos por mil nascimentos.

Os programas de ação social estimularam a permanência da população no local, evitando o fenômeno chamado de "expulsão branca", isto é, a compra de lotes por terceiros. Assim, a população manteve um vínculo e uma identidade tanto em relação ao projeto como em relação à região da Grande São Pedro e sua comunidade. A participação dos moradores da região na implantação do projeto propiciou que estes se envolvessem no debate das questões relativas ao bem estar social, e assumissem suas responsabilidades, promovendo a cidadania.

O Projeto São Pedro foi uma das vinte experiências finalistas do ciclo de premiação 1996 do Programa de Gestão Pública e Cidadania, iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas e da Fundação Ford.
 

RECURSOS APLICADOS NAS PRINCIPAIS AÇÕES

PERÍODO: 1993 a 1995

PROGRAMAS

RECURSOS (US$)

Urbanização e políticas sociais.

14.765.344,38

Desenvolvimento do esporte.

101.430,00

Desenvolvimento da cultura.

39.200,00

Manutenção de unidades de saúde.

2.452.462,78

Serviços urbanos.

1.572.900,00

Obras civis.

1.470.000,00

Manutenção da rede física escolar.

19.418.929,63

TOTAL

39.819.266,79

Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória, 1996

 


* Publicado originalmente como DICAS nº 103 em 1998

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