Investir no desenvolvimento dos recursos humanos significa utilizar melhor os recursos disponíveis, aumentando a qualidade e a quantidade de ações da prefeitura.Autor: José Carlos Vaz

Investir no desenvolvimento dos recursos humanos significa utilizar melhor os recursos disponíveis, aumentando a qualidade e a quantidade de ações da prefeitura.Autor: José Carlos Vaz

As lacunas na preparação dos servidores municipais estão entre as mais evidentes dificuldades para o funcionamento das prefeituras. Vítimas das deficiências do sistema de ensino e do imediatismo de muitas administrações, os funcionários municipais raramente encontram oportunidades de se desenvolver como pessoas e profissionais. As prefeituras, por sua vez, perdem em eficiência na sua administração e na prestação de serviços. Em última análise, os cidadãos são os maiores prejudicados: os serviços públicos oferecidos são de má qualidade e os recursos são desperdiçados.

SERVIÇO PÚBLICO E CIDADANIA
Tradicionalmente, as atividades de formação de servidores são apenas para prepará-los para exercer os respectivos cargos. Não se investe na preparação do funcionário como servidor público: treina-se a merendeira apenas para fazer merenda, ou o auxiliar administrativo apenas para utilizar um editor de textos, por exemplo.

Deve-se considerar não só a preparação para exercer suas atividades, mas para exercê-las dentro de uma ótica de valorização da cidadania. Além disso, não se pode desperdiçar a oportunidade de oferecer condições para que os servidores aprendam a exercer mais ativamente sua condição de cidadãos, através da consciência dos seus direitos e do conhecimento dos meios disponíveis para ter acesso a eles. Assim, o servidor deve ser visto como cidadão e como pessoa humana: seu trabalho deve permitir crescimento e satisfação pessoal, ao mesmo tempo em que contribui para a sociedade.

As atividades de formação devem contribuir para transformar a cultura de defesa do interesse particular (ou corporativo) em cultura de promoção do interesse público, intervindo para que os funcionários tenham consciência do seu papel.

PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS
Em muitas administrações municipais, há sérias deficiências de planejamento das atividades de formação (ou elas simplesmente inexistem). Uma vez que, realizada alguma atividade de formação novas necessidades se colocam, é mais adequado que a formação dos funcionários seja encarada como um processo contínuo. Portanto, é importante que as atividades de formação de servidores sejam planejadas de forma sistemática. Torna-se possível tratar o tema como um processo que vai sendo conduzido através de várias etapas, visto que não é possível realizar de uma só vez tudo o que é necessário. O ideal é que a prefeitura elabore um Programa de Formação de Recursos Humanos, que seja revisto periodicamente.

O programa deve conter objetivos claros, não se restringindo a formulações genéricas do tipo "o programa objetiva desenvolver o potencial dos servidores". A prefeitura deve definir realisticamente onde pretende chegar. Não é possível realizar um trabalho consistente de formação de recursos humanos sem objetivos e sem definir que visões de mundo e de serviço público se pretende desenvolver. A neutralidade, neste caso, tende a permitir a manutenção das condições que criam os vícios e dificuldades de que todos os dirigentes municipais reclamam.

Para elaborar o programa é preciso ter um diagnóstico das necessidades de formação. Deve-se realizar uma análise da prefeitura em termos da disponibilidade e adequação de pessoal às suas necessidades. Pode-se, inclusive, aproveitar a oportunidade para realizar um recadastramento do funcionalismo. É importante ouvir não só os que ocupam funções de chefia, mas a totalidade de funcionários. A discussão prévia do conteúdo, individualmente ou através dos representantes dos funcionários, pode proporcionar mais motivação aos servidores, aumentando o seu compromisso com o programa de formação.

O Programa de Formação deve funcionar como articulador de soluções. Deve ser realizado de forma ágil, para atender eventuais mudanças nas necessidades de desenvolvimento de recursos humanos.

A atribuição de gerenciar o programa deve ser delegada à área de administração da prefeitura. Entretanto, como o programa deve atingir funcionários de várias áreas, é aconselhável que as unidades possuam responsáveis próprios pelo seu encaminhamento, que atuem articuladamente com a área que tenha a responsabilidade central.

As atividades de formação dos recursos humanos devem ocorrer em três dimensões, complementares entre si:

a)Formação Básica: conhecimentos e habilidades básicas que facilitam a vida funcional dos servidores e contribuem para o seu bem-estar como cidadãos. É mais importante para os funcionários operacionais e administrativos de menor qualificação. Entram nesta categoria noções de comunicação e expressão, alfabetização, matemática, raciocínio abstrato, saúde, conhecimentos gerais, entendimento de tabelas e gráficos, preenchimento de formulários, qualidade em serviços e atendimento ao público.

b)Formação Geral: conhecimentos que possibilitem um nível mínimo de entendimento de questões ligadas à cidade e à administração pública, que possam contribuir, ainda que indiretamente, para o desempenho de suas tarefas. Entram nesta categoria atividades relativas à legislação, procedimentos internos da prefeitura, políticas públicas, estrutura urbana, entre outros assuntos.

c)Formação Específica para o Cargo: conhecimentos e habilidades necessários ou desejáveis para que o funcionário desempenhe melhor as funções relativas ao cargo que ocupa.

DIFICULDADES
A implantação de um Programa de Formação de Recursos Humanos encontra barreiras, resultantes de longos e complexos processos que atingem não só o funcionalismo, como a sociedade e o Estado brasileiros. A substituição da responsabilidade quanto ao bem-estar público pelos ganhos particulares de curto prazo, a corrupção, a desvalorização do trabalho (presentes também na esfera da iniciativa privada), na administração pública permitiram a privatização do Estado por parte de seus dirigentes e, em escala mais reduzida, pelos próprios servidores públicos. Um programa de formação que se posicione contrariamente a isto com certeza encontrará resistências.

A desmotivação dos servidores, muitas vezes decorrente do descrédito nos sucessivos governos, deve ser enfrentada. Criar mecanismos para que participem ativamente das definições e da execução do programa de formação pode ser útil para a tarefa de transformá-los em parceiros do projeto, mudando suas expectativas.

A definição das atividades a realizar é um ponto delicado da elaboração do programa. Nem sempre o que é adequado para uma área da prefeitura é também adequado para outra. O diagnóstico de necessidades de formação deve ser cuidadosamente analisado e debatido com os interessados. Para isto, é preciso ter claro que descobrir necessidades esbarra em necessidades e interesses pessoais dos servidores: é preciso conseguir diferenciar esses interesses para montar o programa de formação, levando em conta, prioritariamente, as necessidades do governo e do serviço público.

EXPERIÊNCIA
A gestão municipal 1989-1992, em S. Bernardo do Campo-SP, criou um Centro de Formação de Recursos Humanos, com uma equipe de quatro profissionais especializados em treinamento e desenvolvimento de pessoal, que realizaram um trabalho de formação de agentes de recursos humanos nas diversas áreas da prefeitura. Estes agentes assumiram um papel de "multiplicadores" do programa nas áreas, com a supervisão da equipe do Centro. As atividades do Centro assumiram duas vertentes: um programa de desenvolvimento gerencial, voltado especificamente à formação dos funcionários com funções de chefia e supervisão; e um programa de formação permanente, destinado aos demais funcionários.

RESULTADOS

a) abrangência das ações
É possível, através da desconcentração das atividades, atingir um número expressivo de servidores, através da utilização de agentes "multiplicadores", como no caso de S. Bernardo do Campo. A prefeitura, através do Centro de Formação de Recursos Humanos, atingiu 2.500 funcionários, de um universo de 8.500. Em prefeituras com menor número de funcionários, pode-se atingir, todos eles num prazo mais curto.

b) motivação dos servidores
Um programa bem elaborado e conduzido pode motivar os servidores, na medida em que os valoriza como pessoas e como cidadãos e oferece melhores condições de trabalho e possibilidades de desenvolvimento pessoal.

c) democratização do Estado
Desenvolvendo o espírito da defesa do interesse público, pode-se contribuir para a democratização do Estado. Os resultados, neste sentido, tendem a ser lentos.

d) qualidade dos serviços
A formação dos recursos humanos traz ganhos de qualidade aos serviços da prefeitura, notadamente àqueles ligados ao atendimento direto da população.

e) eficiência
A implantação de um Programa de Formação de Recursos Humanos possibilita um aumento da eficiência dos servidores no desempenho de suas funções. Este aumento da eficiência traduz-se em ganhos de produtividade e redução de desperdício de recursos. Pode-se, assim, ampliar a capacidade de realização e atendimento da prefeitura.

f) fortalecimento da cidadania

Seja pela democratização do Estado, seja pelo aumento da eficácia dos serviços prestados pela prefeitura, seja pela valorização do funcionalismo público, a implantação de um Programa de Formação de Recursos Humanos contribui para o fortalecimento e a ampliação da cidadania.
 


* Publicado originalmente como DICAS nº 12 em 1994Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.

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