Luiz Marques*

Atuando na revista Exame entre março de 2018 e fevereiro de 2021 e, na plataforma Inteligência Financeira, administrada pelo Itaú Unibanco, entre julho de 2021 e fevereiro de 2023, Denyse Godoy escreveu uma rara reportagem sobre as investidas agressivas das finanças no jornalismo de economia no Brasil: “Está tudo dominado” (Piauí, outubro 2023). Com experiência na área, a profissional em tela traz à tona a influência dos executivos da rede bancária, inclusive, na escolha da capa das publicações. Adeus, autonomia jornalística.

Os sócios da holding do BTG Pactual ironizam. “Da mesma forma que acompanhamos o dia a dia da Exame, os controladores do Itaú acompanham a Piauí”, que rejeita a carapuça e afiança que “não tem patrão, nem controlador” desde 2021. Com pragmatismo e sem entrar no mérito do assunto, Carlos Eduardo Lins da Silva pondera o emprego de dezenas de jornalistas com boas matérias e a concessão aos interesses patronais. “O que é melhor para a sociedade? Deixar a Exame morrer ou ser comprada pelo BTG e, eventualmente, publicar matérias de interesse do banco?” Difícil é achar no magazine algo que, de fato, contrarie os novos donos.

Já o InfoMoney, com 33,9 milhões de visitas mensais, pertence a uma das poderosas corretoras de valores, a XP Investimentos, com participação minoritária do Itaú. A XP, com 4 milhões de clientes, gestão de hum trilhão de reais e valor de mercado em 11,5 bilhões de dólares, discute os planos para produtos na presença dos funcionários, seleciona os convidados para os vídeos e as gestoras que pagam comissão na venda de seus fundos, subsumindo os repórteres. O fenômeno do florescimento do mercado financeiro ocorre com a crise da mídia convencional. A internet afetou a sua principal fonte de renda, os anunciantes. Imitando a professora de Nova York, Jodi Dean, a imprensa reclama à webesfera, com irritação – “You are not my comrade!

Fundos de investimentos adquirem veículos impressos em dificuldades, no mundo inteiro. Segundo o Financial Times, metade dos 7 mil periódicos britânicos está nas mãos de companhias financeiras. A Alden Global Capital que comprou o Chicago Tribune, fundado em 1847, controla 1200 jornais estadunidenses. Periodistas que cobrem a economia rezam na bíblia do neoliberalismo – o Consenso de Washington. O pensamento único da hegemonia totalitária, objeto de denúncias pelo Le Monde Diplomatique, não era uma metáfora, mas um movimento de colonização dos difusores midiáticos. O periodismo cedeu às ricas propagandas do rentismo.

Poder das finanças

“O avanço de bancos e corretoras sobre o segmento de informação econômica é parte da batalha desses gigantes pelo bolso dos clientes que, há pouco tempo, passaram a compreender que existem outras maneiras de colocar o dinheiro para trabalhar, além da poupança tradicional”, avisa Denyse Godoy. Ou o capital financeiro controla diretamente o noticiário, ou controla indiretamente por intermédio do patrocínio a programas informativos. O Jornal Nacional abria com a música Summer of 68’, do Pink Floyd, na esquete publicitária do Banco Nacional na década de 1970. Na atualidade, o JN é patrocinado pelo Nubank que detém a plataforma InvestNews. Como naquela fábula, corta-se as orelhas do cão para o Lobo não pegar o que morder.

Alain de Botton, em Notícias: manual do usuário, atribui o problema ao linguajar do economês. Incompreensível à maioria das pessoas, desperta o sentimento de impotência para mudar as peças no tabuleiro infraestrutural. Coisa que sufoca a esperança em outra realidade socioeconômica, e conduz a uma apatia política. “Acordados à noite na cama, por exemplo, alguns de nós podem se perguntar de maneira inarticulada, mas sincera, por que o mundo construído pelo capitalismo não é (o sentimentalismo é intencional) mais bonzinho. O noticiário é culpado da indignação incoerente. As análises econômicas sufocam habilmente considerações ambiciosas sobre as possibilidades de um mundo mais justo”. Let it be, cantam os Beatles.

A divulgação de notícias sempre esteve ligada à demanda de informações mercadológicas por parte das empresas de corretagem e das casas de comércio. Os cabos transoceânicos lançados entre o Reino Unido e os Estados Unidos, em meados do século XIX, foram financiados em conjunto por financistas e empresas de notícias (a Reuter). O noticiário para investidor não chega a ser novidade. A Bolsa de Valores, com certeza, reflete a melhora ou piora da situação real de centenas de milhares de corporações. Com efeito, impacta no custo de vida. A queixa comum recai nos setoristas, que não injetam emoção ao divulgar os números. A questão troca de sinal quando se mostra evidente uma prestidigitação das agências financeiras. A regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVC), amiúde, aparenta estar só enxugando o gelo.

Os proprietários de ficções publicizadas, beneficiados pela ausência da vigilância de terceiros na difusão dos informes, manipulam a opinião pública. O anti-intervencionismo é um discurso cínico e hipócrita na boca dos arautos do livre mercado. Arguir que não é sua vocação resolver as charadas dos economistas ou dos senhores das armas, é tergiversar o assalto à luz do sol sob a pontaria dos algoritmos. Não espanta a descredibilização dos meios de comunicação de massa. Dados recentes do Instituto Gallup, nos EUA, dizem que 39% dos norte-americanos não acreditam em nada da imprensa, 29% não creem muito e 32% creem o suficiente. Os índices despencaram. O trumpismo ajudou na erosão; o bolsonarismo, por igual, entre nós.

Poder das mídias

O modelo transmissor-receptor, que condiciona os meios e a mensagem, beira a inocência diante do arcabouço materialista que transformou a cosmovisão neoliberal em uma nova razão do mundo, há quarenta anos. É ingenuidade restringir a objeção ao formato da cobertura econômica ou à falta de linguagem acessível e atraente. Cobrir informações e estatísticas com a aura da cientificidade busca turbinar a credibilidade do que é veiculado nos boletins técnicos. “A precisão falsamente erudita e ridícula que reveste a opinião pública não interdita os usos ideológicos tradicionais”, aponta Patrick Champagne, em Formar a opinião: o novo jogo político.

O procedimento enquadra-se no que Pedrinho Guareschi, em Os construtores da informação: meios de comunicação, ideologia e ética, chama de “modos e estratégias de operação da ideologia” para, em simultâneo, legitimar e dissimular os seus interesses e cifrões. Por uma opção dos governos e pressão dos mercados, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil não participam da iniciativa. Quanto mais familiar fica a gramática do mercado de capitais para a cidadania, menos se recorre a subterfúgios para ocultar o mecanismo das engrenagens. A etapa política em curso é de subjetivação do modo de racionalizar a sintaxe da Bolsa de Valores. A conversão profunda dos indivíduos em empreendedores de si próprios é o horizonte da distopia.

É fácil entender o alinhamento dos mass media ao ideário neoliberal, às privatizações e ao apetite dos investidores. É natural o apoio para narrativas avessas à política, e favoráveis às governanças tuteladas por tecnocratas. A equipe majoritária de leais e valorosos sanguessugas do Comitê de Política Monetária (Copom), no Banco Central, emergiu na esteira do golpe de 2016. Aos acionistas que parasitam empresas públicas, qual a Petrobrás, o que leva um brilho ao olhar é a transferência de dividendos extraordinários, superiores à praxe das empresas estrangeiras. Locupletam-se, ao revés de investir no desenvolvimento de refinarias da petrolífera brasileira. Em nome da sagrada acumulação capitalista, cometem vilanias e crimes.

Crises institucionais, na acepção de John B. Thompson, no livro O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia, jamais têm as raízes expostas pelos órgãos de imprensa. Na teoria social, o escândalo político é o campo de “lutas pelo poder simbólico, em que reputação e confiança estão em jogo”. É errado subestimar o poder de destruição da simbiose midiático-financeira, cujo combate pretende esvaziar o estoque de reputação e confiança de partidos progressistas, com ênfase no PT e em Luiz Inácio Lula da Silva, junto ao povo.

Contra-hegemonia

Também é um erro considerar que as conjunturas polarizadoras entre a democracia e o neofascismo ensejam as condições para a aliança das classes proletárias com o capital financeiro. Banqueiros e rentistas não estão voltados às necessidades das pessoas ou à redução das desigualdades, senão que ligados às porcentagens oferecidas em investimentos a curto, médio e longo prazos. As viagens do presidente Lula agem como antídotos, empoderando o circuito político internacional para uma resiliência à hegemonia do dinheiro. Trata-se de construir um imaginário político-cultural entre nações, em prol dos direitos do planeta e da humanidade.

A indicação de Belém (PA) para sediar a 30° Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas (COP-30); a agenda com Joe Biden sobre o trabalho e a ascensão da extrema direita nos dois hemisférios; a proposta de negociação para a paz entre a Ucrânia e a Rússia; a pronta articulação transnacional para o estabelecimento de um corredor humanitário e um cessar fogo entre Israel e o Hamas, na Faixa de Gaza; as reuniões multilaterais para a formação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia; a entrada da Argentina no Brics; o reatamento de relações diplomáticas com a Venezuela e Cuba; são passos decisivos para compor o mosaico geopolítico de nações capazes de cimentar a contra-hegemonia pós-neoliberal no mundo.

No país, com habilidade no espaço institucional, o mandatário-mor negocia no solo histórico do possível. Com relativa maioria congressual, o Executivo aprova projetos que reforçam os laços de solidariedade com os trabalhadores e os vulneráveis. A isenção de imposto de renda, que estava em R$ 1.903,98 desde 2015, pulou para R$ 2.640,00 no ano corrente. A política assistencial do Bolsa Família acelera a reinclusão social. Cresce o otimismo.

O binômio mídias & finanças têm as digitais em fake news e juros altos, desindustrialização e ajuste fiscal, desnacionalização e lawfare, individualismo e pobreza, startup summit e empreendedorismo, infocracia e necropolítica, precarização do trabalho e big techs. Em suas pegadas, encontram-se as táticas de guerrilha contra a felicidade pública e a via de extensão dos predicados sociais, bem como da liberdade pública e a participação nos processos políticos de superação da opressão e exploração, na sociedade. Contudo, o Brasil está vencendo a viralatice.

* Docente de Ciência Política na UFRGS, ex-Secretário de Estado da Cultura no Rio Grande do Sul

Este é um artigo autoral. A opinião contida no texto é de seu autor e não representa necessariamente o posicionamento da Fundação Perseu Abramo.