Um novo tempo para Brasil e Cuba
Sob orientação de Lula, o governo volta sua atenção para a ilha de Fidel e busca desfazer a estratégia criminosa de Bolsonaro para isolar o país na comunidade internacional. Presidente da ApexBrasil, Jorge Viana tem audiência com o vice-primeiro-ministro Ricardo Cabrisas Ruiz para restabelecer o compromisso de desenvolvimento e parceria entre as duas nações. Missão comercial esteve em Havana para recriar ambiente de negócios
A volta da diplomacia presidencial vem refazendo as alianças e compromissos históricos definidos pelo Itamaraty nos últimos 20 anos, retomando o compromisso do Brasil com um ambiente de respeito e colaboração com outras nações. Depois da África, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu início a um movimento para refazer parcerias com países da América Central e Caribe, definindo um plano de ação para estreitar os laços com Cuba e reposicionar o Sul Global. E a iniciativa passa por ampliação das relações comerciais, culturais e políticas com os países da região.
Na última semana, as relações entre Brasil e Cuba voltaram a ser prioridade para Brasília e Havana, no esforço dos presidentes Lula e Miguel Díaz-Canel para colocar todos os esforços para estabelecer um novo patamar entre os dois povos. Lula e Díaz-Canel buscam aproveitar a tradição dos laços históricos e culturais entre Brasil e Cuba para dar um novo impulso nas relações políticas, diplomáticas e comerciais. Lula desembarca em Cuba na quinta, 14, antes de seguir viagem para Nova York, onde participa da reunião da Assembléia Geral das Nações Unidas.
Na última terça-feira, 5, o vice-primeiro-ministro do governo de Cuba, Ricardo Cabrisas Ruiz, recebeu pela manhã o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), o ex-senador Jorge Viana (PT-AC), além de uma comitiva de empresários e outros representantes do governo brasileiro. Na pauta do encontro, novos arranjos e um cronograma de trabalho para ampliação dos negócios entre os dois países ao longo dos próximos meses. “Não tem porque o Brasil continuar de costas para Cuba e toda a região do Caribe. Este erro cometido por Jair Bolsonaro atrasou em pelo menos dez anos a parceria que temos com Cuba e outros países emergentes”, disse Viana.
A iniciativa para estreitar os laços entre os dois países, retomar projetos de cooperação e desenvolvimento econômico e social, além de estabelecer uma parceria produtiva entre Cuba e Brasil é desejo dos dois governos. Viana ouviu palavras de incentivo e empolgação no encontro com o vice-primeiro-ministro. “A volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder e a projeção de sua liderança no mundo é bem-vinda para toda a região das Américas e para os nossos povos”, disse Cabrisas Ruiz, que também é ministro de Comércio Exterior e Investimento Estrangeiro.
“O presidente Lula sempre deu grande importância às relações entre o Brasil e os países vizinhos da América do Sul, Central e Caribe, assim como com os países do continente africano. Nós somos conhecidos pelo respeito aos outros governos. E agora, sob Lula, o Brasil retoma este compromisso de ampliar e fortalecer sua política externa. Estamos diante de um novo momento histórico da diplomacia brasileira e com muitas oportunidades para promovermos uma parceria estratégica entre Brasil e Cuba”, disse Jorge Viana.
O ex-senador tem experiência e esteve à frente de inúmeras missões internacionais quando estava no Congresso. No encontro com Cabrisas Ruiz, um dos grandes quadros políticos do governo cubano, contemporâneo de Fidel Castro na revolução e membro do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, Jorge Viana mostrou que o Palácio do Planalto quer deixar os erros cometidos no passado recente para trás. Ele declarou que a visita de Lula a Cuba esta semana vai restabelecer os laços entre o povo brasileiro e cubano e tem um grande significado histórico para o novo momento do Brasil no cenário internacional. “Nos últimos seis anos, vivemos um apagão institucional do Brasil. Isso agora mudou com a volta da diplomacia presidencial”, lembra.
O Brasil é o quarto maior fornecedor de produtos para Cuba, atrás da Espanha, China e Estados Unidos. “Vamos desenvolver uma estratégia de trabalho para ampliar as compras e vendas de produtos entre os dois países. Não faz mais sentido a política de isolamento comercial que o Brasil vinha experimentando e estabelecendo desde 2019. É a hora de avançarmos nos negócios para retomar o fluxo comercial com Cuba e toda a região do Caribe”, diz Jorge Viana. Ele lembra que, apenas no setor de turismo, Cuba e outros países da região recebem anualmente um fluxo de 50 milhões de turistas. O potencial para novos negócios é enorme e pode ser o início de um novo ciclo de desenvolvimento para os dois países.
A missão comercial brasileira que esteve em Cuba durante quatro dias levou empresários dos setores de agricultura e alimentos, energia, indústria farmacêutica e de máquinas e equipamentos de transporte e produtos químicos, além de transporte aéreo. Desde 2019, a compra de produtos cubanos e a venda de produtos e serviços brasileiros vem caindo paulatinamente, fruto da estratégia equivocada do governo Jair Bolsonaro de romper as relações históricas do Brasil com Havana. “Isso foi um erro grave porque só promoveu prejuízos aos dois países”, destacou Viana. “Vamos voltar a fazer negócios e promover um jogo de ganha-ganha para todos em Cuba e no Brasil”.
No encontro com o vice-primeiro-ministro, o presidente da ApexBrasil anunciou a assinatura de um memorando de entendimento com ProCuba, a agência que opera a promoção de produtos e serviços de Cuba, órgão ligado ao Ministério de Comércio Exterior e Investimento Estrangeiro. A ideia é estabelecer um cronograma de trabalho e projetos e ações na áreas de qualificação, inteligência e gestão de negócios, que permitam ampliar a compra e venda de produtos e serviços entre os dois países. “Temos tudo para estabelecer um novo momento na relação com Cuba”, aposta Viana.
Com população de 11,3 milhões de pessoas e um PIB de US$ 24,3 bilhões, Cuba mantém relações comerciais com o Brasil desde a redemocratização e o fim da ditadura militar brasileira em 1985. O comércio entre os dois países em 2022 estava na ordem de US$ 293 milhões, mas há possibilidade agora de ampliar essa participação a níveis históricos, como na primeira década dos anos 2000.
“Temos a oportunidade de retomar nossas relações comerciais, depois que o governo brasileiro anterior deixou de lado Cuba”, diz Viana. “No ano passado, o volume exportado pelo Brasil foi pouco maior do que a metade do que exportamos em 2012. Repare o tamanho do atraso. Temos de correr para reverter esse prejuízo ao comércio nacional”, insiste. Desde 2018 as exportações brasileiras para Cuba vêm apresentando quedas consecutivas. Em 2022, mesmo com um moderado crescimento observado, o valor exportado não atingiu a marca registrada quatro anos antes. “O governo Bolsonaro cometeu um crime contra os interesses brasileiros”, critica.
Atualmente, o Brasil exporta óleo de soja, arroz, carnes de aves, milho, açúcar, café não torrado, papel, calçados e tubos de ferro e aço para a ilha caribenha. E importa de Cuba, charutos, bebidas alcóolicas e medicamentos. Até 2019, havia uma constante presença dos serviços cubanos de saúde, com a presença de profissionais de saúde que atendiam a população brasileira com o Programa Mais Médico, abandonado no início daquele ano pelo governo eleito em 2018.
Com a estratégia da ApexBrasil e do Itamaraty, os setores com maiores oportunidades de negócios para as exportações brasileiras para Cuba são a indústria de alimentos, a produção agropecuária, e os setores de máquinas e equipamentos de transporte e produtos químicos. “Nosso comércio bilateral remonta a 2006, quando assinamos o Acordo de Complementação Econômica Mercosul-Cuba (ACE-62), oferecendo preferências tarifárias para ambos os mercados”, destaca.
Viana lembra que o estoque de investimento direto do Brasil em Cuba vinha apresentando tendência de elevação desde 2012, com máxima em 2020, de US$ 125 milhões. “Podemos ampliar ainda mais, reforçando a pauta comercial. Não se pode esquecer que o país, apesar das grandes dificuldades impostas pelo bloqueio dos EUA em 1962, oferece oportunidades para empresários brasileiros em muitas áreas, inclusive de energia”, ressalta.
Jorge Viana acredita que há um enorme potencial para compra e venda de produtos e serviços dos dois países. Cuba está reabrindo sua economia e há oportunidades para empresas brasileiras em três nichos: 1) agronegócio — segurança alimentar —, com o aproveitamento do porto de Mariel como um HUB para o abastecimento do Caribe com produtos nacionais; 2) segurança energética, com possibilidade do Brasil fornecer e transferir tecnologia nacional para a geração de energia com a produção de etanol e plantas de energia solar em Cuba; e 3) a possibilidade de o Brasil estabelecer parceria para a produção de vacinas e medicamentos.
A ApexBrasil aponta que do total das importações cubanas de produtos alimentícios, no valor de US$ 466 milhões, o Brasil tem participação de 21%. Há ainda oportunidades para ampliar o fluxo de investimentos diretos do Brasil em Cuba. O estoque de IED nacional na ilha registrou máxima histórica de US$ 125 milhões em 2020, e fechou o período com US$ 123 milhões em 2021. O aumento de capital nacional na ilha demonstra o interesse das empresas brasileiras no mercado de 11,3 milhões de habitantes. Vale lembrar que, em 2014, a Ambev adquiriu 50% da Cervecería Bucanero, passando a operar como uma joint venture, com a outra parte controlada pelo governo de Cuba. •
No Chile, A busca continua pelos desaparecidos
Boric autoriza novo plano enquanto o povo lembra o golpe que derrubou o governo Allende e levou ao desaparecimento e à morte de milhares de pessoas
Trinta e seis anos após o sequestro e desaparecimento de Fernando Ortíz, sua família finalmente recebeu seus restos mortais: cinco fragmentos de osso em uma caixa. Professor universitário de 50 anos, Ortíz foi sequestrado em 1976 durante a ditadura do general Augusto Pinochet, reunido com outros líderes comunistas no Chile e enviado para um centro de tortura tão secreto que ninguém soube de sua existência por três décadas.
Ninguém saiu vivo do local negro com o nome da rua em que estava: Simón Bolívar. Era pouco mais do que uma casa em uma área rural a leste da capital administrada pela agência de inteligência do regime, DINA. Não houve testemunhas ou sobreviventes para esclarecer o destino de quem foi detido. Durante décadas, havia apenas o silêncio ensurdecedor.
Ortíz foi uma das 1.469 pessoas que desapareceram sob o governo militar do Chile entre 1973 a 1990. Apenas 307 deles foram encontrados e identificados.
Agora, no 50º aniversário do golpe que derrubou uma das democracias mais estáveis da América Latina e instalou a ditadura de 17 anos que aprisionou, torturou e matou milhares de seus oponentes, o Chile promulga um plano de busca nacional para rastrear os desaparecidos restantes.
“A justiça demorou muito”, disse o presidente Gabriel Boric, do Chile, durante cerimônia em que assinou um decreto presidencial para instituir o plano de buscas pelos desaparecidos. “Isso não é um favor para as famílias. É um dever para a sociedade como um todo fornecer as respostas que o país merece e precisa.”
A medida marca a primeira vez desde o fim do regime de Pinochet que o governo chileno busca encontrar aqueles que desapareceram — um esforço que até agora caiu em grande parte para os membros da família sobreviventes, principalmente mulheres, que protestaram, entraram em greves de fome e levaram seus casos ao tribunal. Até agora, somente através desses casos judiciais foram identificados locais de sepultamento.
“O Estado os levou embora, e é o Estado que tem que ser responsável pela reparação, justiça e sustentação da busca”, diz Luis Cordero, ministro da Justiça e dos Direitos Humanos do Chile. Dois dos tios-avós de Cordero foram sequestrados em 1973 e nunca encontrados.
Outros países sul-americanos sob domínio militar nas décadas de 1970 e 80 tiveram sucesso misto na recuperação dos restos mortais de seus desaparecidos. Equipes forenses na Argentina recuperaram mais de 1.400 corpos e identificaram 800 deles. No Brasil, os esforços para encontrar 210 pessoas que desapareceram tiveram resultados escassos. A agência paraguaia que recebeu a tarefa de encontrar e identificar seus 336 desaparecidos descobriu apenas 34. •