As recentes notícias sobre os naufrágios no Mediterrâneo e o elevado número de mortos traz a questão das migrações internacionais clandestinas

Ano 2 – nº 16 – 24 de abril de 2015
 

Migração internacional

As recentes notícias sobre os naufrágios no Mediterrâneo e o elevado número de mortos traz a questão das migrações internacionais clandestinas, refugiados e tráfico humano novamente ao centro das discussões.

Apesar de existir há décadas, os países europeus têm insistido em não discutir mais profundamente este problema, normalmente fechando os olhos e deixando que países como Itália e Espanha – principais portas de entrada por sua proximidade geográfica com a África – lidem com ele. Porém, devido ao constante aumento das mortes decorrentes das travessias, torna-se cada vez mais complicado o silêncio de todos esses países, que sempre tentam se colocar como defensores dos Direitos Humanos e grandes implementadores de políticas sociais e econômicas com esse foco.

Neste momento, após o naufrágio de um barco com 700 pessoas no Mediterrâneo, os governos europeus estudam medidas para tentar diminuir o fluxo migratório ilegal através da punição dos traficantes, bem como agindo sobre os meios pelos quais exercem o tráfico, incluindo a destruição de barcos apreendidos nessas situações de transporte ilegal de pessoas.

Com o aumento da violência no continente africano, as populações se veem cada vez mais em situação de penúria e ameaçadas por governos ou milícias, pela falta de emprego ou desprovidas de condições mínimas de subsistência. A única saída é arriscar-se numa travessia muitas vezes perigosa para chegar ao continente europeu, que faz alimentar tão somente esse mercado de tráfico de pessoas.

Nos EUA, também se observa um grande problema com a questão migratória e a situação dos imigrantes ilegais.

Apesar dos avanços econômicos no México e na América Central, o fluxo de migrantes não aparenta diminuir, senão o contrário. Se nas décadas de 1970 e 1980 as pessoas fugiam da instabilidade política e dos conflitos armados, agora elas são levadas a buscar melhores condições de vida por causa da falta de oportunidades econômicas e do alto grau de criminalidade interna. A situação chega ao ponto de ser explorada pelo crime organizado.

A África do Sul é outro país que recebe um grande número de imigrantes, normalmente de países da África subsaariana em busca de um local mais fácil para migrar. Porém, a atual situação econômica sul-africana está gerando um movimento interno de perseguição aos imigrantes, muitas vezes com assassinatos ou ultimatos para que deixem o país.

Seguem alguns dados do relatório anual da ONU de 2013 sobre migração entre 1990 e 2013:
– o fluxo migratório do México para os EUA é o maior no mundo;
– a África do Sul tem se mantido entre os dez países que mais receberam imigrantes;
– a Rússia e os Emirados Árabes Unidos (EAU) também se encontram entre os dez países que mais receberam imigrantes nesse período;
– no caso dos EAU, os investimentos desse país para ter uma economia mais diversificada têm garantido um crescimento econômico atrativo, além do fato de não haver uma massa própria de mão de obra especializada;
– os maiores “exportadores” são os países do sul e sudeste asiáticos, além do México, único latino-americano que tem estado entre os dez maiores durante todos estes anos.

Interessante notar que, entre as medidas adotadas pelos países para conter a imigração, em nenhum momento se discute as causas que levam tantas pessoas a levar em conta medidas muitas vezes extremas para fugir de seus países em busca de melhores condições de vida.

Observando a origem de maior parte desses imigrantes, é possível encontrar alguns pontos que os fazem buscar essa saída: conflitos armados; situação econômica; perseguições variadas, normalmente por motivo religioso ou étnico; entre outros.

A discussão sobre a migração como um direito humano aparece aqui com todas as suas nuances. Aceitar o imigrante como um ser humano detentor dos direitos fundamentais elencados pela ONU é aceitar o fato de que, ao se impedir uma pessoa de ir em busca de seus direitos fundamentais, está-se cometendo um crime contra os Direitos Humanos. Pior ainda, impedi-la é proporcionar que ela sofra exploração por parte de traficantes e governos que buscam obter vantagens sobre os refugiados e a migração clandestina, gerando mais violência e um mercado ilegal tão criminoso quanto qualquer outro, como o de drogas ilícitas. Mais além, é um mercado que gera riscos aos migrantes, que são obrigados a percorrer longas distâncias enfrentando vários perigos que põem suas vidas em risco.

Um último fator: os imigrantes, ao entrar ilegalmente num país, carecem de todo um sistema de proteção e garantias de direitos individuais, sociais e trabalhistas, gerando uma população que será facilmente explorada por pessoas e empresas que buscam mão de obra barata e livre de encargos. Essas pessoas acabam exercendo os chamados subempregos e muitas vezes estão à mercê do trabalho escravo.

Situação no Brasil

O Brasil é mundialmente reconhecido como um país de imigrantes, que desde seu período colonial até meados do século XX recebeu um grande fluxo de pessoas da África, Europa, Japão e Oriente Médio. A imigração desses períodos foi inclusive incentivada pelo Estado brasileiro e foi essencial para o nosso desenvolvimento. Após a II Guerra Mundial, o país deixou de ser tão atrativo e o fluxo imigratório caiu.

Agora o país reaparece como um possível destino para os imigrantes, principalmente de sul-americanos, haitianos e africanos, que veem o país como uma opção a uma Europa em crise e que impõe tantas dificuldades para a sua entrada, ou mesmo aos EUA, que também dificultam a entrada e restringem cada vez mais os direitos dos indocumentados.

No entanto, o atual fluxo imigratório para o Brasil não é visto da mesma forma que anteriormente. Este tema precisa ser discutido por nossa sociedade, que ainda não sabe como lidar devidamente com a situação, talvez por apresentar-se como um fato novo para uma população que perdeu o hábito de conviver com imigrantes.

Uma parcela da população, a mesma que tem sua origem no fluxo imigratório anterior, vê os imigrantes atuais como intrusos, exatamente como ocorre em países onde a imigração tem se mantido regularmente parte do cotidiano. E quando não são considerados intrusos, os imigrantes, que em sua maioria entram clandestinamente no país, padecem dos mesmos problemas citados anteriormente: exploração de mão de obra barata e livre de encargos trabalhistas, muitas vezes beirando o trabalho escravo. Enfim, pessoas que, mais do que simplesmente indocumentadas, não têm direitos. Aqui também se repete outro fato que acontece no mundo: quem mais ganha com essa situação são os que praticam o tráfico ilegal de pessoas.

Talvez a origem dos fluxos imigratórios tenha alguma influência sobre essa situação: primeiro vieram os negros africanos para trabalhar como escravos, fato que os deixou até os dias de hoje com o estigma de cidadãos de segunda classe. Depois vieram os brancos europeus, considerados mão de obra mais especializada e uma cultura mais “evoluída”; os descendentes destes são hoje parte dos grupos que estão no poder político e econômico do país. Em seguida vieram os asiáticos, tanto do Japão quanto do Oriente Médio, que seguiram os passos dos europeus. Todos estes eram vistos como pessoas que vieram para contribuir com a construção do país, ao contrário dos africanos.

Agora, novamente os imigrantes constituem-se em sua maioria de negros, não só africanos, mas também haitianos, além de muitos sul-americanos de origem indígena, ou seja, populações que sofrem o estigma de serem menos desenvolvidas, menos educadas, e portanto que vieram somente para usufruir das vantagens que o país oferece sem necessariamente dar alguma contribuição. Nada mais enganoso, principalmente quando se vê que muitos desses imigrantes, principalmente os africanos, possuem diplomas universitários ou buscam o Brasil exatamente para tentar melhorar não somente sua condição econômica, mas também aprimorar seu conhecimento e sua educação .

A lei vigente no país sobre esse assunto ainda é o Estatuto do Estrangeiro, de 1980, que está claramente desatualizada, impondo dificuldades para a regularização dos imigrantes, restrição de seus direitos políticos e sociais, entre outros. É nesse contexto que surge o anteprojeto de lei de migrações, de julho de 2014, apresentado por uma comissão criada pelo Ministério da Justiça. As mudanças propostas buscam adequar o tema à Constituição Federal de 1998 e aos tratados internacionais de direitos humanos vigentes no Brasil. Algumas das propostas são:
– eliminação da palavra “estrangeiro”, dado o seu sentido pejorativo e discriminatório ao nível da nomenclatura legal, e a adoção de um conceito amplo de “imigrante”, abrangendo também as situações de permanência de curta duração; a concretização de um conjunto de direitos dos imigrantes;
– direitos trabalhistas: acesso dos imigrantes residentes no Brasil a cargos, empregos e funções públicas; possibilidade de exercício de atividade remunerada para os titulares de visto de estudante; visto de trabalho estendido a situações em que não existe vínculo empregatício;
– direitos de residência: residência a título de união estável estendida a descendentes a partir do segundo grau e a irmãos, bem como a possibilidade de concessão de residência a título de reunião familiar a outras hipóteses de parentesco, dependência afetiva e fatores de responsabilidade; nova situação de acolhimento, a par do asilo e do refúgio, fundada em questões humanitárias;
– comunicação da decisão de repatriação à Defensoria Pública da União e à autoridade consular representativa da nacionalidade do imigrante;
– concessão de prazo para regularização da situação imigratória irregular, previamente à deportação.

Para ler mais:

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Relatório sobre Migração Internacional (ONU 2013, em inglês)
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* As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade do seu autor, não representando a visão da FPA ou de seus dirigentes.
 

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