FPA Nota de Conjuntura – 23 de fevereiro de 2015

 
Relatório do Debate na Reunião do
Grupo de Conjuntura
da Fundação Perseu Abramo
23 de fevereiro de 2015
 

Conjuntura Internacional

A queda de braço entre o novo governo grego e a União Europeia (UE) foi o fato de repercussão internacional mais importante do período. Trata-se do primeiro governo da UE que questiona as receitas da austeridade fiscal impostas pela Troika que comanda a política econômica. Frente ao vencimento do empréstimo no próximo dia 28 de fevereiro, o governo grego solicitou prorrogação do acordo de assistência financeira por seis meses, sem compromissos adicionais aos já existentes. Por fim, a Alemanha concordou em estender o acordo por 4 meses. Essencialmente, o governo grego ganhou tempo.

O acirramento na política argentina no contexto da misteriosa morte do promotor Alberto Nisman teve um novo capítulo com uma marcha convocada para o dia 18/02 por integrantes do Ministério Público e que reuniu dirigentes opositores e um número de manifestantes estimado entre 70 e 90 mil. A marcha dá visibilidade a um grupo de procuradores e juízes com forte perfil opositor num momento em que há uma luta no interior do judiciário, gerada por mudanças impulsionadas pelo governo.  A conjuntura tem no horizonte as primárias de agosto e as eleições de outubro. Estima-se que o núcleo duro do kirchnerismo tenha cerca de 30% dos votos. Há pressões importantes no sentido de polarizar a disputa no primeiro turno, já que o sistema argentino prevê a eleição em primeiro turno ao candidato que obtiver 45% dos votos ou 40% com diferença de 10% em relação ao segundo colocado.

Na Venezuela, o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, foi preso na última sexta-feira, acusado pelos crimes de conspiração, por suas relações com acusados de planos terroristas durante os protestos do movimento “a saída”. Ledezma, assim como Leopoldo Lopez e Marian Corina Machado, fazem parte de um setor da oposição que rejeita a via institucional eleitoral e tem apostado em protestos violentos e na radicalização da oposição para desestabilizar o governo e tirar Maduro da presidência. Uma semana antes, o governo havia anunciado a prisão de 14 civis e militares, entre eles de um general da reserva. A Unasul designou os chanceleres do Brasil, Equador e Colômbia para uma missão ao país, para estudar possíveis saídas e buscar espaços de comunicação. A Unasul também deve discutir com os EUA as sanções unilaterais aprovadas por aquele país a membros do governo venezuelano.

 

Conjuntura Social

A publicação “World employment and social outlook” da OIT (Organização Internacional do Trabalho) alertou para as tendências negativas do emprego no mundo. A economia mundial continua a crescer a taxas bem menores que antes da crise global e não tem sido capaz de fechar os hiatos sociais e no emprego que surgiram a partir daí. Segundo o estudo, o crescimento continua frágil devido, entre outros fatores, à falta de demanda agregada, crescimento da desigualdade e estagnação na zona do Euro. Um menor ritmo de crescimento econômico no mundo intensifica vulnerabilidades existentes e dificulta o combate ao desemprego e subemprego.

O emprego global cresceu a uma média de 1,7% ao ano entre 1991 e 2007, mas somente 1,2% de 2007 a 2014. Em 2014, a taxa de desemprego global atingiu 5,9%.  Na América Latina e Caribe, diversos países têm sofrido aumento do desemprego, contrastando com as taxas altas de criação de emprego anteriores.

Também o progresso na redução da pobreza diminuiu (ainda existe uma tendência positiva da redução da pobreza em nível global, mas em ritmo menor) e ao final dessa década, 1 em cada 14 trabalhadores no mundo ainda viverá em condições de extrema pobreza. Já a desigualdade continua a crescer na maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, sendo que os níveis em alguns países desenvolvidos têm se aproximado dos observados em algumas economias emergentes.

Quanto às desigualdades de gênero, o começo da crise diminuiu algumas diferenças no mercado de trabalho, pois as perdas de emprego foram concentradas em setores dominados por homens, mas a recuperação dos empregos também se deu em setores dominados por homens (como a construção). Em geral, as mulheres continuam apresentando taxas de desemprego mais altas e taxas mais baixas de emprego, bem como têm mais riscos de empregos vulneráveis.

O desemprego juvenil também caiu consideravelmente, de 17,5% em 2003 para 13,3% em 2013, mas essa taxa é 2,8 mais alta que a taxa entre adultos: assim, a população jovem corresponde a 24% da população em idade ativa, mas corresponde a 40% dos desempregados da região. Está previsto um ligeiro aumento em 2015 para o desemprego juvenil, alcançando 14,2%.

Dado o cenário econômico na região e no mundo, a manutenção da dinâmica do mercado de trabalho e a redução da pobreza na América Latina e Caribe será um desafio para os próximos anos. É importante considerar que a trajetória do Brasil tem muito peso na definição não só de índices e tendências da região, mas também nas políticas públicas adotadas.

 

Conjuntura econômica nacional: Petrobras

Como está impactando e ainda vai impactar a Operação Lava-Jato sobre a empresa Petrobrás, bem como a cadeia do petróleo e gás e a engenharia associada? Não resta dúvida de que corrupção, corruptores e corrompidos devem ser punidos, mas se deveria impedir o quanto possível que o combate à corrupção prejudicasse globalmente a economia – neste momento em que está passando por um forte ajuste.

A Petrobrás conta hoje com mais de 85 mil trabalhadores diretos, quase 320 mil trabalhadores indiretos e, somando-se os empregos gerados pelos fornecedores e pelo setor de petróleo e gás, chega-se a números superiores a um milhão de pessoas empregadas. Em sua maioria, esses são empregos de boa remuneração e exigem elevada qualificação profissional, aumentando a produtividade e o desenvolvimento de nosso país. O tamanho da empresa é tão substantivo que sua cadeia produtiva representa hoje algo em torno de 13% do PIB nacional, sendo responsável por mais de R$ 100 bilhões de investimentos anuais (US$ 43 bilhões apenas em 2014).

No mês de fevereiro, a empresa bateu o recorde de extração de petróleo, o sexto recorde anual consecutivo. Também ocorreram recordes anuais na produção de derivados do petróleo, como gasolina, querosene, diesel e asfalto.

Além de sua importância central para o desenvolvimento nacional, a Petrobrás e seus parceiros participam ativamente do dia-a-dia do sistema financeiro brasileiro. Todos os grandes bancos nacionais estão, em maior ou menor grau, envolvidos em operações de crédito e financiamento com a Petrobras e seus fornecedores, incluindo as holdings empresariais de que participam as maiores empreiteiras do Brasil. Esses empréstimos foram realizados a empresas sólidas e colaboraram com o desenvolvimento nacional, mas dada a paralisia atual do setor correm o risco de não serem honrados, gerando perdas bilionárias para o sistema bancário e travando o mercado de crédito nacional.

Outra dificuldade está ligada ao preço do petróleo, que apresentou forte queda nos últimos meses, que atingiu a marca de US$ 50 o barril, tendo partido da marca de US$ 100 antes de junho/2014. Desta forma, o desafio operacional da empresa certamente seria o de manter o ritmo de seu projeto de investimento em um cenário financeiro e internacional adverso. Segundo declarações recentes do novo presidente Aldemir Bendine, esse plano de investimentos já está sendo reelaborado com base na nova realidade da empresa.

Por fim, a última grande dificuldade que a empresa terá que enfrentar este ano é a divulgação de um balanço auditado que inclua uma previsão razoável das perdas contábeis da empresa, tanto em função das denúncias de corrupção quanto da desvalorização de ativos derivada do novo cenário de preços internacionais para o setor. Na última reunião do conselho da empresa, um estudo altamente contestado falava em baixas contábeis da ordem de R$ 88 bilhões, com perdas em 47% dos ativos da companhia que foram auditados (o ativo total da Petrobrás gira em torno de R$ 600 bilhões). Após longos debates, parece estar se aproximando o momento da divulgação dos números oficiais, onde as baixas serão muito menores e mais diretamente vinculadas às perdas diretamente com corrupção.

Tendo em vista o tamanho das dificuldades enfrentadas pelo setor de petróleo, gás e engenharia nacional, a questão sobre qual rumo tomar é de crucial importância para o futuro do país. Afinal, a Petrobras é parte importante da construção de um projeto nacional que conjuga independência energética, superação do estrangulamento externo (através do potencial gerador de divisas da empresa) e transformação social, com a constituição do fundo social do pré-sal e sua destinação obrigatória para saúde e educação. Além disso, o desenvolvimento regional, seja pela geração de empregos e renda devido aos investimentos da empresa, seja pelos royalties distribuídos para Estados e municípios, pode ser prejudicado em um cenário de desconstrução da Petrobras. Por fim, a indústria nacional, atualmente contemplada pela regra de conteúdo nacional e pelos pesados investimentos da Petrobras, seria prejudicada com a reversão destes investimentos e com o fim desta garantia de mercado.

Tendo em vista a dimensão dessa gigante nacional e suas imbricações econômicas e financeiras, não é possível adotar uma postura apenas moralista e limitada do ponto de vista jurídico para solucionar os problemas antigos que finalmente vieram à tona com a operação Lava-Jato. Certamente que todos os ilícitos devem ser profundamente investigados (fato novo na realidade brasileira) e, comprovada a culpa de quem quer que seja, os responsáveis pelos desvios devem ser punidos na forma da lei. Mas a resolução jurídica desta questão não poderá prescindir de preservar o imenso patrimônio tangível e intangível representado pelo conjunto de empresas que fazem parte das atividades do setor de petróleo, gás e engenharia do Brasil. É de fundamental importância resguardar não apenas os empregos, mas todo o conhecimento e know-how que estas grandes empresas constituíram nas últimas décadas e que contribuíram decisivamente com o desenvolvimento nacional.

 

Conjuntura política nacional

O PT realizará, entre os dias 11 e 14 de junho, a segunda etapa de seu V Congresso Nacional. Mais do que uma atividade regular do calendário partidário, o evento deve ser visto como um momento decisivo da disputa política que está se travando no país.

Se, por um lado, o Congresso do PT em si não vai mudar a conjuntura política – cujos sinais adversos são graves –, por outro o Congresso e o processo de mobilização e discussão que deve ser desenvolvido até lá serão uma oportunidade ímpar para articular a militância, reafirmar o projeto petista e consolidar as relações políticas com o conjunto dos setores sociais que apoiaram a reeleição da presidenta Dilma no segundo turno e que não necessariamente são filiados ou organizados partidariamente.

Os ataques articulados pela grande mídia e pelos distintos setores da direita buscam fomentar o antipetismo na sociedade brasileira. O PT deve reagir firmemente a isso, tanto reafirmando o papel histórico do Partido na construção da democracia brasileira e na ampliação dos direitos dos trabalhadores, quanto trabalhando para mudar a percepção de que o que foi construído na campanha ficou abalado por decisões tomadas no novo mandato. É necessário mobilizar o povo em defesa do avanço do projeto eleito nas urnas, e para isso se faz necessária uma agenda de caráter democrático e popular, que recupere o diálogo com os amplos setores sociais que elegeram Dilma Rousseff.

É preciso, no entanto, avaliar quais os limites estratégicos que precisam ser superados. Continua sendo viável fazer as políticas públicas para ampliar direitos sem fazer as reformas estruturais? E como construir força política para fazer tais reformas? O segundo governo Dilma carrega o peso deste limite estratégico. E o Congresso do PT pode justamente ser o processo e o palco para esse debate e para uma atualização do programa e da estratégia do PT.

De qualquer maneira, independentemente desse debate mais estratégico do Congresso do PT, a conjuntura política seguirá quente, exigindo respostas mais imediatas.

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