A quarta edição do ciclo de debates apontou semelhanças entre ataques orquestrados pelos militares na década de 60 e os promovidos pelo bolsonarismo nos tempos atuais

Com o tema “Militares e Política: golpismo e entraves à democracia no Brasil”, a quarta edição do ciclo de debates “Ditadura Nunca Mais” foi realizada na cidade de Olinda, em Pernambuco, na última quarta-feira (8). 

Com a presença de João Cezar de Castro Rocha, professor titular de Literatura Comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Maria Teresa de Aguiar Notari, militante política pernambucana, e Marinho Soares, advogado, representante da OAB no Conselho de Segurança Pública e Defesa Social do Estado da Bahia, o evento abordou fatos históricos e atuais do ponto de vista das ameaças à democracia. 

Autor de dezenas de livros, o mais recente lançado no ano passado “Bolsonarismo: Da guerra cultural ao terrorismo doméstico”, João Cezar de Castro Rocha trouxe um panorama no qual diversos governos, entre eles o de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, sofreram ameaças e ataques de opositores, o que destaca o contexto da política nacional ser marcada a partir de processos de instabilidade, antes mesmo do período da ditadura.

O professor lembrou a atuação de organizações como IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), fundado em 1959, e IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), criado em 1961, nas conspirações contra João Goulart, que culminaram com o golpe militar de 64. Com propagandas anticomunistas, deputados brasileiros organizados nesse campo viajavam para os Estados Unidos em busca de apoio contra uma suposta ditadura comunista. 

“Na retórica do golpe militar em abril de 64, eles não diziam que fizeram uma revolução gloriosa e redentora, isso foi dito mais tarde, eles diziam que foi uma contrarrevolução, um contragolpe”, afirma Rocha, que aponta a similaridade com o período atual,  no qual bolsonaristas reivindicam a defesa da democracia em combate ao que eles chamam de “ditadura da toga”. 

“Toda vez, neste país, que houve anistia para crimes cometidos por militares ou civis contra a ordem democrática, eles voltaram com mais força e tomaram o poder”, conclui o professor da UERJ, que defende que a memória sobre o passado é inegociável. 

Quem tem memórias importantes desse período é a militante Teca Notari, que vive em São Paulo desde a década de 80 e atua em diversas frentes na defesa dos Direitos Humanos. Ela foi do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário) durante a resistência à ditadura militar. 

Teca destacou que houve resistência operária, no campo e do movimento estudantil em Pernambuco e falou sobre a necessidade de sistematizar todas as lutas para que os jovens, nas escolas, tenham acesso e possam conhecer a história do seu povo.  “A ditadura não só matou, torturou e desapareceu com brasileiros valorosos, mas também roubou nossa identidade nacional”, opina. E compara que, assim como houve um sequestro recente das cores da bandeira do Brasil pela extrema-direita, durante o período da ditadura também havia o sentimento de vergonha em vestir verde e amarelo. “Enquanto nós estivermos em movimento, buscando conquistas, estamos ameaçados, se não tivermos a força do povo organizado”, alerta Teca. 

Advogado, professor universitário e doutorando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia, Marinho Soares apontou que é necessário que seja pautado o tema racial, não só no presente, mas também em uma perspectiva passada, pois a resistência negra costuma ser pouco lembrada no debate público.

Oficial do Exército, na reserva desde 2014, Soares foi perseguido pela instituição após a publicação de seu livro “Exército na Segurança Pública: uma guerra contra o povo brasileiro”, no qual critica a participação das forças armadas em operações policiais; ele foi preso pela Justiça Militar em 2011. No evento promovido pela Fundação Perseu Abramo, ele introduziu o assunto com um comentário sobre as diferenças colocadas entre os presos políticos e os presos comuns no período da ditadura e como a classificação da população carcerária hoje funciona de outra forma.

Soares mencionou dois exemplos do apagamento dos negros na luta contra a ditadura, no resgate da história da resistência armada na Guerrilha do Caparaó, o único que não teve sua história contada foi um tenente negro, e um sargento negro eleito no Rio Grande do Sul que foi impossibilitado de assumir o cargo porque devia ter a anuência de seu comandante. 

Nos dias de hoje, o ex-militar criticou a postura de parlamentares de esquerda que pediram anistia a partidos que usaram irregularmente verbas para candidaturas negras com candidaturas brancas. “Não dá para a gente discutir democracia sem entender o nosso papel, sem entender o que as nossas polícias estão fazendo com a população negra”, reflete Soares; e completa: “Não existe democracia excluindo pessoas negras dos seus direitos, não existe democracia enquanto há pessoas sendo coisificadas”. 

Com a ausência da sindicalista Vera Gomes, a mediadora e vice-presidenta da FPA Vivian Farias convidou para a mesa representantes do Partido dos Trabalhadores em Olinda: o ex-vereador Marcelo Santa Cruz, o pré-candidato à Prefeitura, Vinicius Castello, e a Secretária de Mulheres do PT de Olinda, Paula Menezes.

O quinto e último debate do ciclo “Ditadura Nunca Mais”, que estava previsto para o dia 22 de maio em Porto Alegre, foi adiado por conta da tragédia climática que ocorreu no Rio Grande do Sul, afetando 80% dos municípios gaúchos, com centenas de mortos e milhares de desabrigados. 

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